Veja a íntegra das recomendações da Ordem dos Advogados do Brasil para a reforma política:
A seguir a íntegra das propostas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para a reforma política, entregues pelo presidente nacional da entidade, Roberto Busato, ao ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, em reunião realizada no gabinete do ministro, no Palácio do Planalto. As propostas foram aprovadas pela entidade máxima da advocacia em sua última sessão plenária, realizada em Brasília, e entregues ao governo e ao Congresso Nacional como subsídio para a reforma.
I – Efetivação da Soberania Popular e Proteção dos Direitos Humanos
1) A OAB espera seja aprovado no Congresso Nacional, sem mais delongas, um dos dois Projetos de Lei, por ela apresentados: o PL nº 4.718/2004, na Câmara dos Deputados, ou o PL nº 001/2006, no Senado Federal, projetos esses que procuram tornar efetivas as manifestações da soberania popular consagradas no art. 14 da Constituição Federal, fazendo com que o plebiscito e o referendo, tal como sufrágio eleitoral, não dependam, para o seu exercício, de decisão do Congresso Nacional, bem como reforçando a iniciativa popular legislativa.
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2) Em consonância com o espírito dessas propostas legislativas, propõe-se a supressão do inciso XV do art. 49 da Constituição Federal ("É da competência exclusiva do Congresso Nacional autorizar referendo e convocar plebiscito"), determinando-se que plebiscitos e referendos, uma vez preenchidos os seus pressupostos formais, sejam convocados pela Justiça Eleitoral.
3) Propõe-se, igualmente, a retomada da proposta de emenda constitucional nº 002/1999, apresentada à Câmara dos Deputados pela Deputada Luiza Erundina e outros, modificando a redação do art. 61, § 2º da Constituição Federal, para permitir que os projetos de lei de iniciativa popular possam ser apresentados por "meio por cento do eleitorado nacional, ou por confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional, que representem este número, individualmente, ou por meio de associação a outras";
4) Deve ser revogado § 3º do art. 5º da Constituição Federal, pelo qual "os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais". Essa norma, introduzida na Constituição pela emenda constitucional nº 45, de 2004, é incompatível com o entendimento universal sobre a vigência de direitos humanos, além de conflitar com o disposto no § 2º do mesmo art. 5º. Definitivamente, a Constituição não pode pairar acima do sistema internacional de direitos humanos.
5) Propõe-se, por fim, a introdução na Constituição Federal, tal como ocorre em algumas Constituições Estaduais, da iniciativa popular em matéria constitucional.
II – Reforma Eleitoral e Partidária
Sistema partidário
O objetivo, aqui, não é criar pela lei partidos fortes e autênticos – o que seria puramente artificial -, mas minorar, tanto quanto possível, a predominância do caciquismo interno, da instrumentalização dos partidos pelo poder econômico privado, da disputa negocial por posições de poder e do oportunismo indiividualista. Propõem-se, com esse objetivo, as seguintes medidas mínimas:
1) Proibição de o parlamentar eleito mudar de partido, a partir da data da eleição e durante toda a legislatura (Alterar a redação do art. 26 da Lei nº 9.096/2005).
2) Proibição de os partidos receberem doações, devendo manter-se exclusivamente com as contribuições de seus filiados e os recursos do Fundo Partidário (mudança do Código Eleitoral).
Sistema Eleitoral
1) Financiamento das campanhas eleitorais (alteração do Código Eleitoral)
Propõe-se aqui adotar, basicamente, o sistema francês.
A Justiça Eleitoral terá o poder de fixar um limite máximo de despesas de campanha dos candidatos, em cada eleição, bem como de pagar, a título de reembolso, uma quantia determinada, variável conforme a eleição, a cada candidato cujo patrimônio e cuja renda tributável não sejam superiores a determinado montante, desde que o candidato tenha recebido, na eleição, pelo menos 5% (cinco por cento) da totalidade dos votos válidos no distrito.
A Justiça Eleitoral fixará, para cada eleição, o montante máximo de doações que cada candidato está autorizado a receber. A infração a essas disposições impedirá o candidato eleito de tomar posse no cargo e, se já tiver sido empossado, acarretará a perda do mandato.
2) Revogação popular de mandatos eletivos (recall): já objeto da proposta de emenda constitucional nº 0073/2005, oriunda da Ordem dos Advogados do Brasil, e em tramitação no Senado Federal.
3) Inelegibilidades
O prazo de inelegibilidade do Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, do Prefeito e Vice-Prefeito, que perderem seus cargos eletivos por infringência a dispositivo da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, deve ser contado a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória, e não a partir do término do mandato para o qual tenham sido eleitos (Alterar o disposto no art. 1º, I, alínea c da Lei Complementar nº 64, de 1990).
O mesmo dies a quo deve ser estabelecido para "os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, transitada em julgado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político" (Alterar a Lei Complementar nº 64, de 1990, art. 1º, I, alínea d).
4) Verticalização (regra a ser inscrita no Código Eleitoral)
Com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 52, de 8 de março de 2006, que deu nova redação ao § 1º do art. 17 da Constituição Federal, admitindo que os partidos políticos façam coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas de âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, é indispensável, como medida de elementar coerência, quebrar a verticalização partidária no tempo de ocupação do rádio e da televisão pelos partidos políticos, nas eleições estaduais, distritais e municipais. Ou seja, o tempo de ocupação gratuita de rádio e de televisão, nessas eleições, será computado com base na distribuição de cadeiras entre os partidos em cada Casa Legislativa, estadual, distrital ou municipal.
5) Coligações partidárias (regra a ser inscrita no Código Eleitoral, porque não conflita com a norma geral do art. 17, § 1º da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda nº 52):
Elas devem ser abolidas nas eleições proporcionais (para a composição da Câmara dos Deputados, das Assembléias Legislativas dos Estados, da Câmara Legislativa do Distrito Federal e das Câmaras Municipais), a fim de se evitar que os votos dos eleitores sejam computados promiscuamente para todos os partidos da coligação, o que fere o princípio da votação proporcional.
6) Prestação de contas de campanha eleitoral:
Propõe-se seja dado apoio ao projeto de lei nº 391, de 2005, elaborado por comissão de juristas presidida pelo então Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Carlos Velloso.
7) Eleição e duração do mandato dos Senadores (mudança constitucional):
O mandato dos Senadores passa a ser de quatro anos.
Devem ser abolidos os suplentes de Senador.
8) Propõe-se seja dado apoio ao projeto de lei do Senado nº 389, de 2006, que dá nova redação ao Título IV do Código Eleitoral, relativo às disposições penais e processuais penais, projeto esse oriundo dos trabalhos de uma comissão de juristas presidida pela então Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Carlos Mário Velloso.
A seguir a íntegra da exposição de motivos entregue ao ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, pelo presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, quanto às propostas aprovadas pela entidade da advocacia para a reforma política:
"O Brasil sofre, há mais de um quarto de século, situação de marasmo econômico e desagregação social. Não se trata de simples crise episódica, mas de um estado de morbidez crônica, cujas causas são não apenas econômicas, mas também políticas.
No tocante ao processo de crescimento econômico, o contraste não poderia ser maior em relação ao período histórico imediatamente anterior.
Em 1930, o Brasil ocupava a 50ª posição mundial, em tamanho de riqueza nacional produzida. Tivemos então o golpe de gênio de iniciar, imediatamente, o processo de industrialização acelerada, que nos levou, cinqüenta anos depois, a ocupar a honrosa posição de 8ª potência mundial em termos de produção nacional.
Ora, a partir de 1980 e até hoje, a média do crescimento econômico do PIB brasileiro tem sido de 2,6% ao ano. Em termos de crescimento do PIB per capita, ela foi, nesse período, de nada mais do que 0,6% ao ano em média. Entre 1995 e 2005, segundo dados incontestáveis do FMI, o crescimento da economia brasileira ficou 17% abaixo da média do crescimento mundial. Trata-se de fato inédito na história brasileira.
Ao mesmo tempo, e como conseqüência direta desse marasmo econômico, têm-se produzido, desde 1980, graves sintomas de desagregação social.
A distribuição da renda nacional, entre os que vivem do trabalho e os que recebem rendimentos não ligados ao trabalho, modificou-se sensivelmente. Em 1980, essa distribuição era praticamente igual; em 2005, a repartição da renda nacional em termos de remuneração de trabalho de todas as formas, assalariado ou não, representava apenas um terço do total.
O rendimento médio do trabalhador brasileiro, segundo dados divulgados pelo Dieese e pelo Seade, caiu 33% entre 1995 e 2005. O IPEA calculou que o desemprego formal no país aumentou 80%, entre 1992 e 2004. A situação piorou sensivelmente nos últimos 6 anos, relativamente à classe média. Calculou-se recentemente, com base em registros do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados o Ministério do Trabalho), que a renda média dos que recebem remuneração acima de 3 salários mínimos, descresceu 46% entre 2000 e 2006, com o desemprego de quase 2 milhões de trabalhadores.
Contamos hoje com uma massa de desempregados formais da ordem de 8 milhões de trabalhadores. Ora, quando se leva em conta o fato brutal de que a informalidade no emprego já atinge 60% da PEA, percebe-se o grau de desagregação a que está sendo submetida a sociedade brasileira.
De pouco vale, nessas condições, argüir que houve um inegável melhoria da condição de renda das classes E e D (faixa de até 2 salários mínimos), durante o mandato do atual Presidente da República. Tal fato se deu, como ninguém pode negar, em grande parte, por efeito da política de assistência social. Continua sem solução adequada o fato inescapável de que, todos os anos, cerca de dois milhões e trezentos mil brasileiros entram no mercado de trabalho demandando emprego.
Segundo quadro revelado pela PME (Pesquisa Mensal de Emprego) do IBGE, 23% da população entre 16 e 24 anos não estudam nem trabalham.
As causas dessa patologia social
Elas são de ordem econômica e de natureza política, como acima assinalado, e ambas coincidem com uma inserção subordinada do Brasil no quadro da globalização capitalista atual.
O primeiro impacto da reordenação da economia num sentido globalizante, sofrido pelo nosso país nos últimos 25 anos, deu-se no setor industrial. A indústria instalada nos países do primeiro mundo, não tendo condições de continuar a aumentar sistematicamente a sua produção com base no consumo interno, impôs (é bem o termo) uma abertura dos mercados dos países da periferia.
Tal fato traduziu-se pela adoção, um pouco em toda parte, de um conjunto de políticas apregoadas como de revigoração do liberalismo. Foram elas: a privatização de empresas estatais, a revogação das regras de proteção das empresas nacionais em concorrência com as estrangeiras, a liberalização do fluxo de capitais e do sistema cambial.
O Brasil cumpriu subordinadamente a sua parte nesse terreno, produzindo-se, em termos macroeconômicos, um fenômeno de desindustrialização precoce. É o que explica o extraordinário contraste entre a pujança excepcional da economia brasileira nos 50 anos decorridos entre 1930 e 1980, e o marasmo econômico dos últimos 26 anos.
O segundo impacto do processo de globalização econômica foi o advento da hegemonia do capitalismo financeiro em todo o mundo, a partir dos anos 90 do século passado.
As atividades de produção foram rapidamente substituídas pela prática sistemática de operações especulativas, não só no mercado acionário tradicional, como ainda em mercados novos, ditos de índices, sem qualquer ligação com a produção econômica.
O resultado é que as empresas industriais se descapitalizam, e os empresários passam a desviar recursos da produção, para aplicações financeiras. No último decênio, as emissões líquidas de ações foram em média negativas, tanto nos Estados Unidos, quanto na Europa.
As ações são artificialmente valorizadas em Bolsa, não só pela farta distribuição de dividendos, mas também mediante operações de resgate e compra, pelas empresas, de suas próprias ações, assim como pela emissão maciça de opções de compra (stock options), distribuídas generosamente aos administradores.
Para tanto, é obviamente necessário aumentar ao máximo os ativos líquidos e abandonar os programas de investimento. O que implica, como é fácil imaginar, o sacrifício de todo o futuro da empresa, com a demissão em massa dos trabalhadores.
No Brasil, entre 1995 e 2005, como mostrou o IPEA, a taxa média de investimento global (público e privado) em relação ao PIB, foi de 19,5%, contra 22,7% na Índia, 23,3% no Chile, 32,0% na Coréia do Sul e 35,3% na China. Com isso, o nosso crescimento econômico, durante toda essa década, foi de longe o pior na comparação com esses países.
E por que razão apresentamos esse resultado ultra-medíocre? Porque sucumbimos, servilmente, desde o início dos anos 90 do século passado, ao fascínio de uma política de endividamento público sufocante. A reserva de quase 9% do PIB, todos os anos, ao serviço da dívida pública, impede não só os investimentos em infra-estrutura (energia, transportes, comunicações, pesquisa científica e tecnológica), como também em políticas sociais de amparo à educação, à saúde, à previdência social, entre outras. E sem essas políticas não há desenvolvimento nacional.
A esses fatores patogênicos de ordem econômica, deve-se acrescentar um conjunto de causas diretamente ligadas ao sistema político, a saber:
1. A persistente marginalização do povo, impedido de tomar diretamente as grandes decisões políticas, não só na esfera nacional, mas também no plano local;
2. Uma representação popular falseada, que acabou criando um pequeno mundo político irresponsável, cada vez mais distanciado da realidade social;
3. A incapacidade institucional do Estado brasileiro de elaborar e conduzir programas de ação de longo prazo, com base num projeto de desenvolvimento nacional.
As diretrizes fixadas pelo Conselho Federal da OAB no Fórum da Cidadania para a Reforma Política
A Ordem dos Advogados do Brasil tem em vista, como não poderia deixar de ser, os objetivos fundamentais da nossa República, proclamados no art. 3º da Constituição Federal:
1. Construir uma sociedade livre, justa e solidária;
2. Garantir o desenvolvimento nacional;
3. Erradicar a pobreza e a marginalização, e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
4. Promover o bem de todos, sem preconceitos ou discriminações de qualquer espécie.
Para tanto, classificou as propostas de reforma em três capítulos, correspondentes aos três grandes defeitos do nosso sistema político, acima apontados: a efetivação da soberania popular, com integral proteção dos direitos humanos; a correção substancial das normas eleitorais e partidárias; e a reforma do Estado, com a reorganização dos Poderes Públicos.
Em sua sessão plenária de 10 de dezembro último, o Conselho Federal deliberou sobre as duas primeiras séries de propostas apensadas a esta Exposição de Motivos -, reservando-se para discutir e decidir aquelas concernentes à reforma do Estado em sua próxima sessão plenária, no início de 2007."
Roberto Busato
Presidente do Conselho Federal da OAB
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