Edson Sardinha |
Brasília, 5 de maio de 2004. Às 18h30, o painel do plenário do Senado acusa: pela diferença de um único voto, os senadores rejeitam a medida provisória que proíbe o funcionamento de bingos e jogos eletrônicos no país, editada no calor do escândalo Waldomiro Diniz. Estava decretada ali, há exatamente um ano, a primeira derrota expressiva do governo Lula no Congresso Nacional. Uma outra, de menor repercussão, havia ocorrido seis meses antes, quando a Casa rejeitou uma indicação para a diretoria de uma agência reguladora. Nos últimos doze meses, o Palácio do Planalto foi obrigado a engolir a seco o sorriso da oposição em outras seis oportunidades e a fazer um exercício de auto-penitência: admitir – ainda que reservadamente – que perdeu mais por seus próprios desacertos do que pela iniciativa dos oposicionistas. Leia também A análise é feita por parlamentares da base aliada, analistas políticos e lideranças da oposição ouvidos pelo Congresso em Foco. Em comum nas derrotas, apontam: a dificuldade do governo em estabelecer um diálogo sólido com os aliados, as divergências internas do PT e a inabilidade da maioria dos ministros e líderes governistas. Desde o início do ano legislativo, em meados de fevereiro, o governo foi derrotado em quatro ocasiões no Congresso. O número corresponde à metade das derrotas acumuladas pelo Planalto nos dois primeiros anos do governo Lula. O resultado desse cenário fez despertar o sinal vermelho no Palácio do Planalto. “Há um descontentamento difuso dos parlamentares em relação ao Executivo, que precisa dialogar mais”, avalia o deputado Maurício Rands (PT-PE), ao justificar a eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE) para a Câmara. Os deputados se queixam do tratamento dispensado pelos ministros. “Com exceção do Mercadante (líder do governo no Senado), que sabe reconhecer os erros do governo e negociar com a oposição, os demais líderes governistas são primários”, diz o cientista político Octaciano Nogueira, professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB). Ele também destaca a influência da disputa interna entre os ministros da Coordenação Política, Aldo Rebelo, e da Casa Civil, José Dirceu, no aprofundamento dos desacertos do governo com o Parlamento. Opinião semelhante manifesta o diretor do Departamento Intersindical de Assistência Parlamentar (Diap) Antonio Augusto Queiroz, que associa o início da turbulência que embaralha a vida do governo na Câmara à reforma ministerial deflagrada no ano passado para acomodar o PMDB. “O governo levou para o Executivo exatamente o trio que funcionava na Câmara: Aldo Rebelo, Eduardo Campos e Eunício Oliveira”, avalia. Os três deputados (hoje ministros) exerceram, respectivamente, a liderança do governo, do PSB e do PMDB na Casa. Para evitar o risco cada vez mais eminente de novas derrotas, o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta seduzir a ala oposicionista do PMDB e convencer os ministros a dispensarem um tratamento diferenciado aos parlamentares aliados. “Essas mudanças vão dar resultado em breve”, acredita o deputado pernambucano, um dos principais defensores do governo na Câmara. Início desolador A preocupação de Rands tem fundamento. Este ano, o governo registrou quatro derrotas: a perda da presidência da Câmara – a mais contundente delas –, o recuo na medida provisória (MP 232/04) que elevava a carga tributária dos prestadores de serviço, o veto a uma indicação para a diretoria da Agência Nacional de Petróleo (ANP) e a aprovação de um projeto que amplia o número de beneficiários da Lei Orgânica de Assistência Social (Loas). Nos dois últimos casos, porém, o governo ainda pode reverter a situação em plenário. É lá que os senadores vão analisar o veto da Comissão de Infra-Estrutura ao nome do engenheiro químico José Fantine para a direção da ANP. Insatisfeitos com a ministra de Minas e Energia, os peemedebistas conseguiram, com a diferença de um voto, rejeitar a indicação feita por Dilma Rousseff. Em 2003, o mesmo Senado vetou a indicação de Luiz Salomão para a mesma ANP. As duas derrotas, porém, estão longe de ter o impacto financeiro da proposta que altera a Loas. As mudanças nas regras podem elevar as despesas da União com a assistência social em R$ 26 bilhões. O PT apresentou um recurso para que o projeto, aprovado em caráter terminativo nas comissões da Câmara, também seja analisado em plenário. De fato, o governo já conseguiu reverter uma derrota em plenário. Em maio do ano passado, conseguiu derrubar os R$ 275 propostos pelo Senado para o salário mínimo e retomar a proposta original de R$ 260. Mas, para isso, foi preciso liberar dinheiro para as emendas contidas nos orçamentos de 2002 e 2003, chamadas de "restos a pagar", e do Orçamento da União de 2004. Em outro caso, sem repercussão financeira, o Planalto praticamente abandonou à própria sorte o projeto de lei que criava o Conselho Federal de Jornalismo (CFJ), de sua autoria. Diante da resistência à proposta, os líderes governistas, com o apoio do presidente do então presidente da Casa, João Paulo Cunha (PT-SP), anteciparam o arquivamento do projeto em plenário. Não foi à toa que o presidente Lula destacou a derrota na Câmara como o principal revés de sua gestão no Congresso. Pela primeira vez, um candidato apoiado pelo Palácio do Planalto não ganhou a disputa. E, o pior, perdeu a disputa com dois petistas no páreo. Sem o comando da Casa e da base, o governo esvazia a própria agenda legislativa. Pior para o projeto que redefine o papel das agências reguladoras, a proposta de reforma sindical e a emenda constitucional que torna mais rigoroso o combate ao trabalho escravo, que perderam status de prioridade na pauta do Planalto. Desconhecimento palaciano “A eleição de Severino reflete que o governo desconhecia a auto-estima da Casa. O governo desconhece, ainda hoje, o pensamento dos deputados e senadores”, avalia Virgílio Guimarães (PT-MG). “E não vejo governo se movimentar para corrigir os erros”, diz o deputado, que levou até o fim a candidatura avulsa contra Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), nome escolhido pela bancada. O diagnóstico de Virgílio é contestado pelo último líder do governo na Câmara, Professor Luizinho (PT-SP). Evitando qualquer mea-culpa, o deputado aponta Severino como causa, e não como efeito, das dificuldades enfrentadas pelo governo no Parlamento. Ao ser questionado sobre as alternativas para recompor a base, o paulista foi sintético. “Não sei. Se tivéssemos a fórmula, já teríamos resolvido o problema”, afirmou. (Colaborou Ricardo Ramos) |
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