A posse e efetivação de Michel Temer – ao contrário do que o senso comum imagina, influenciado por notícias sobre divergências pontuais entre autoridades dos três Poderes e órgãos de controle – resultou num arranjo em que os Poderes cooperam e até dividem tarefas e atribuições na implementação da agenda do novo governo.
Nesse novo arranjo, parece haver uma ação harmônica entre os Poderes, numa espécie de distribuição de tarefas entre as instituições estatais, de tal modo que cada um deles cuida de aspectos específicos, porém complementares.
Ao Poder Executivo competiria fazer a coordenação geral e cuidar, especialmente, do aspecto fiscal (corte de despesas e aumento de receitas extraordinárias); ao Legislativo competiria contribuir para a melhoria do ambiente de negócio (suprimir ou flexibilizar direitos, rever marcos regulatórios na economia e abrir a economia ao capital privado nacional e estrangeiro); e ao Judiciário, com seu ativismo judicial, contribuir com a missão dos dois outros Poderes.
Nesse diapasão, o Poder Executivo tem centrado sua atuação e prioridade na pauta fiscalista, tendo proposto ou apoiado as seguintes iniciativas:
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1) aprovação da Emenda à Constituição (E.C) 93, que altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para prorrogar a desvinculação de receitas da União e estabelecer a desvinculação de receitas dos estados, Distrito Federal e municípios, ampliando de 20% para 30% das receitas, e estendendo essa possibilidade aos estados (DRU);
2) apresentação e aprovação da Emenda à Constituição nº 95, que altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir Novo Regime Fiscal, e dá outras providências (Congelamento do gasto público por 20 anos);
3) apresentação da Proposta de Emenda à Constituição nº 287/2016, que trata da reforma da Previdência, e modifica, para pior, os três fundamentos do benefício: a) a idade, que aumenta, b) o tempo de contribuição, que aumenta, e c) o valor do benefício, que reduz;
4) aprovação e sanção da Lei nº 13.291/2016, que altera a meta fiscal de 2016 (na qual o governo fez incluir no art. 3º a regra de congelamento, em termos reais, do gasto público, antes mesmo da E.C 95);
5) regulamentação da Lei nº 13.254/2016, que tratou da repatriação de recursos;
6) edição da Medida Provisória (MP) nº 746/2016, sancionada como Lei nº 13.415/2017, que trata da reforma do médio;
7) propor a mudança da meta fiscal para 2017 e 2018;
Em relação ao servidor público, propôs:
8) apresentação e aprovação da Lei Complementar nº 156/2016, que dispõe sobre a renegociação de dívidas dos estados com a União e a possibilidade de privatização de empresas públicas de energia elétrica, água, gás e o congelamento de salário de servidores estaduais;
9 apresentação e aprovação da Lei Complementar 159/2017, que trata da recuperação fiscal dos estados com venda de empresas públicas das áreas de saneamento, gás e bancos estaduais;
10) Programa de Demissão Incentivada (PDV) no serviço público, com licença incentivada e redução de jornada com redução de salário (MP nº 792/2017);
11) adiamento/cancelamento dos reajustes previstos para 2018 de 23 categorias e não previsão de novos reajustes – prazo de envio de projetos com esse objetivo é 30 de agosto;
12) reestruturação de carreiras com ajustes para fixação de salário inicial em R$ 5 mil, além de revisão de pagamentos de verbas como auxílio-alimentação;
13) ampliação e adoção da terceirização no serviço público, notadamente em estatais;
14) elevação da contribuição previdenciária dos servidores públicos, de 11% para 14%;
15) suspensão de concursos;
16) dispensa por insuficiência de desempenho – PLP 248/1998 na Câmara, que se aprovado vai à sanção;
17) privatização, para fazer caixa, da Eletrobras, dos Correios, da Casa da Moeda, entre outras estatais estratégicas;
18) novo Refis para fazer caixa, punindo o contribuinte que paga seus impostos em dia.
O Poder Legislativo, por sua vez, priorizou a apresentação ou votação de propostas que contribuam para a chamada melhoria do ambiente de negócios, revendo marcos regulatórios, abrindo a economia ao setor privado e acelerando a deliberação sobre a flexibilização de direitos trabalhistas, cabendo destacar:
1) Lei nº 13.299/2016, com mudanças nas regras de concessões para facilitar leilões e concessões públicas de energia elétrica;
2) Lei nº 13.303/2016, dispondo sobre o Estatuto Jurídico da Empresa Pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias nos três níveis de governo. Pôs fim à representação sindical e possiblidade de indicações políticas para compor o conselho de administração de empresas públicas e sociedades de economia mista;
3) edição da MP nº 727/2016, sancionada como Lei nº 13.334/2016, que cria o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI);
4) edição da MP nº 735/2016, sancionada como Lei nº 13.360/2016, que altera várias leis relativas aos marcos regulatórios de energia elétrica no Brasil;
5) Lei nº 13.365/2016, dispondo sobre o fim da Petrobras como operadora única na exploração do petróleo na camada do Pré-sal;
6) edição da MP nº 744/2016, sancionada como Lei nº 13.417/2017, que revogou o caráter público da Empresa Brasileira de Comunicação, retirando sua autonomia frente ao Poder Executivo, claramente para favorecer a comunicação privada;
7) votação e sanção da Lei nº 13.429/2017, que trata da terceirização na atividade fim da empresa;
8) edição da MP 767/2017 e sanção como Lei nº 13.457/2017, que concede gratificação de desempenho de atividade de perito médico previdenciário e altera benefícios do INSS com destaque para o ato de concessão ou de reativação do auxílio-doença com fixação de prazo estimado para a duração do benefício. Institui a chamada “alta programada” em que o benefício pode acabar após o prazo de 120 dias contados da data de concessão ou de reativação do auxílio-doença;
9) votação e sanção da Lei nº 13.476/2017, sobre a reforma trabalhista, que reduz custos do empregador, facilita a precarização das relações de trabalho, amplia o lucro e a competitividade das empresas e enfraquece a representação sindical, além de:
9.1) restringir o acesso à Justiça do Trabalho,
9.2) retirar poderes e atribuições dos sindicatos,
9.3) ampliar a negociação coletiva sem o limite ou a proteção da Lei,
10) adoção de novos modelos de contratos de trabalho, em especial: o autônomo exclusivo e o intermitente; e
11) edição da MP nº 784/2017, que impede a punição de crimes do sistema financeiro, ao autorizar o acordo de leniência em razão de crimes cometidos por banqueiros;
12) edição da MP 793/2017, que faz concessões tributárias aos ruralistas em troca de voto pela rejeição da denúncia por corrupção passiva do presidente da República. A denúncia, apresentada pelo Procurador-Geral da República foi aceita pelo Supremo Tribunal Federal com pedido à Câmara de autorização para investigar o presidente, mas a Casa rejeitou o pedido;
13) aprovação do requerimento de urgência para o PLP 268/2015, que trata das regras de governança dos fundos de pensão, reduzindo a participação dos participantes e patrocinadores nos fundos de pensão para permitir a presença de profissionais de mercado nos conselhos deliberativo e fiscal dessas entidades de previdência complementar.
O Poder Judiciário, nessa mesma linha, julgou no STF várias matérias em sintonia com a agenda do novo governo:
1) fim da desaposentadoria. (RE 381.367, 661.256 e 827.833). Os ministros entenderam que apenas por meio de lei é possível fixar critérios para que os benefícios sejam recalculados com base em novas contribuições decorrentes da permanência ou volta do trabalhador ao mercado de trabalho após concessão da aposentadoria.
2) desconto dos dias parados em caso de greve de servidor (RE 693.456);
3) fim da ultratividade de normas de acordos e de convenções coletivas. Necessidade de um novo acordo coletivo para revogar o anterior (ADPF 323);
4) quitação plena dos Programas de Desligamento Voluntário (PDV) ou Programa de Demissão Incentiva (PDI) – (RE 590.415); e
5) prevalência do negociado sobre o legislado em relação as horas in itinere (RE 895.759).
A consequência desse arranjo, em torno da agenda neoliberal, resultará na revisão do papel do Estado brasileiro, que se voltará mais para garantir o direito de propriedade, assegurar o cumprimento de acordos e honrar os compromissos com os credores das dívidas interna e externa, além de contratar serviços nas áreas de saúde, educação e segurança no setor privado, do que para corrigir desigualdades, regionais e de renda, promover inclusão social, prestar serviços públicos de qualidade e formular políticas públicas de interesse social.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em artigo no jornal O Globo do dia 5 de fevereiro de 2017, afirma que “adotar políticas que favoreçam mais ao capital do que ao trabalho, ou vice-versa, depende da orientação política do governo”. E o governo Temer, cuja agenda foi apropriada pelo capital, comprova o que afirma FHC.
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<< Sobre as reformas trabalhista e previdenciária – ameaças ao Estado de bem-estar social
Precisamos que o Estado seja IMEDIATAMENTE desmontado. A sociedade honesta e produtiva já trabalha quase 6 meses por ano apenas para mantê-lo. Estado mínimo já !
O comentarista parece bem intencionado, mas nada que se relacione às mazelas do serviço público deve ser levado em consideração e tratado com respeito, se não se trouxer à discussão a mais infame, mais clamorosa injustiça representada pela diferença drástica de remuneração entre áreas (órgãos? Poderes?) envolvendo servidores do mesmo nível de qualificação em áreas diferentes e até mesmo igualdade espúria de remuneração entre agentes de qualificação e responsabilidades díspares, dentro de um mesmo setor. A institucionalização de servidores de 1ª, 2ª e 3ª categorias (sem consideração do mérito e dos encargos) enxovalha o sistema político. e frauda o contribuinte e o cidadão. O soturno silêncio autorrepressivo sobre o assunto, principalmente nos meios de comunicação, traduz um verdadeiro tabu, se não um mecanismo de defesa coletivo ante a vergonha e a repugnância de um problema que, enquanto não equacionado, ainda que a prazo, haverá de sempre solapar a legitimidade do sistema político-administrativo como um todo, tornando impossível um mínimo de lealdade por parte da maioria do funcionalismo. Esse horror não facilita o bom trato da questão do funcionalismo, apesar dos bons propósitos revelados no comentário.