Em entrevista coletiva concedida há pouco no Itamaraty, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, criticou o “infinitamente” superior poderio bélico de Israel em relação à Palestina e disse que, caso não haja uma trégua imediata nos próximos dias, a credibilidade da Organização das Nações Unidas (ONU) perderá força. Amorim se refere à Resolução 1.860, aprovada na semana passada pelo Conselho de Segurança da ONU que, entre outras determinações, estabelece o cessar-fogo na região da Faixa de Gaza.
“O cumprimento [da resolução] é indispensável para que a comunidade internacional e a ONU mantenham a credibilidade. As resoluções têm de ser cumpridas pelos Estados membros, o Brasil tem cumprido religiosamente todas as resoluções. É lei, e tem de ser cumprida”, disse Amorim, em rápido balanço sobre sua visita ao Oriente Médio, onde israelenses e palestinos travam batalha há quase um mês.
O ministro informou que a resolução da ONU tem três elementos principais, que não deveriam ser condicionados a "conveniências políticas ou militares": cessar-fogo pleno e imediato; retirada das tropas israelenses da Faixa de Gaza (território ocupado há cerca de 40 anos pela Palestina); e a abertura das fronteiras na região, com monitoramento operado por organismos internacionais. Para Amorim, não existe mais espaço para "encaminhamento burocrático" em busca da paz. "O que nós precisamos não é de um processo de paz. Nós precisamos é de paz."
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Segundo Amorim, só a pressão da comunidade internacional pode fazer com que tropas israelenses e palestinas – aqui representadas “extra-oficialmente” pelo grupo terrorista islâmico Hamas – se sensibilizem e cessem a guerra. "Mas falta vontade política." Caso não haja acordo e tenha continuidade a matança de civis e a destruição generalizada em Gaza, Amorim disse que a “lei da selva” prevalecerá.
“A mensagem central que passei – e claro que há mensagens laterais – é que é preciso acabar com as mortes e aliviar o sofrimento dos civis, que são sobretudo os palestinos, mulheres e crianças”, destacou o chanceler, informando que, por meio de “inúmeros telefonemas”, reportou a chefes de Estado a posição do Brasil contra o conflito e a desproporcionalidade de forças entre Israel – espécie de “parceiro bélico” dos Estados Unidos – e Palestina. Amorim se reuniu com as principais autoridades de Síria, Israel, Palestina Cisjordânia e Egito, onde também encontrou o secretário-geral da ONU, o chanceler sul-coreano Ban Ki-Moon.
Amorim disse ainda que a atuação do Brasil em relação ao conflito tem sido muito bem vista pela comunidade internacional. Para ele, isso se deve ao fato de o país não ter interesses comerciais na região – em que pese ter uma das dez maiores economias –, bem como ser uma nação que abriga "várias etnias" e tem "diálogo amplo com todos". Além desses fatores, Amorim lembrou que o Brasil não se envolveu na Guerra-Fria, e não tem histórico considerável de participação em guerras internacionais. "Não é só com bombas atômicas que se ganha credenciais no mundo para lutar pela paz."
Manter-fogo
Mas a orientação pacifista do ministro brasileiro e da comunidade internacional parece não ter sido ouvida pelos militares israelenses. Longe do Itamaraty, ataques terrestres e aéreos realizados ao norte da Cidade de Gaza vitimaram o ministro do Interior do Hamas, Said Siam, segundo informações do exército de Israel. Em Beirute (Líbano), o Hamas confirmou a baixa por meio de seu canal de televisão. E prometeu vingança.
Além disso, Amorim informou que, segundo fontes da ONU, ataques israelenses atingiram ontem (14) depósitos de assistência comunitária da ONU na Faixa de Gaza, destruindo toneladas de mantimentos e estrutura operacional fornecidos pela comunidade internacional. Segundo Amorim, ainda não há informações sobre se as doações do Brasil para as vítimas do conflito foram destruídas.
Cesare
Na coletiva, um assunto foi evitado (em vão) pela assessoria de imprensa do Itamaraty: a concessão, por parte do Brasil, do refúgio humanitário ao ativista político italiano Cesare Battisti, o que vai lhe assegurar o direito à liberdade depois de 22 meses de prisão no país. Foragido da justiça italiana, que o condenou à prisão perpétua por suposto comando de ações que resultaram em quatro mortes, na década de 1970, Cesare é considerado terrorista em seu país.
Mesmo depois de a assessoria ter advertido que a coletiva trataria exclusivamente do conflito em Gaza, uma repórter lembrou ao ministro que a entrevista estava sendo acompanhada por diversos países, e que alguns setores da comunidade internacional esperavam uma posição oficial do ministro das Relações Exteriores brasileiro sobre o caso.
"Se um governo estrangeiro estiver interessado, ele pega o telefone e me liga", respondeu Amorim, para depois ponderar que a decisão seguiu um "procedimento". "Há um procedimento, que foi seguido prontamente. A lei prevê que pode haver um recurso ao ministro da Justiça [no caso, Tarso Genro, que ratificou o refúgio], que teria uma função quase que ‘para-judicial’, vamos dizer assim", defendeu, acrescentando que deve "respeitar" a decisão de Genro.
De fato, a legislação assegura que o ministro da Justiça, ao discordar da decisão do Comitê Nacional de Refugiados (Conare, órgão subordinado ao Ministério da Justiça que votou contra a concessão de refúgio), pode anulá-la. "Ele tem de fazer um julgamento à luz de fatores que lhe foram apresentados", concluiu o ministro, deixando a coletiva em seguida. Em tempo: o Conare é um órgão interministerial do qual o Itamaraty faz parte. (Fábio Góis)
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