Edson Sardinha
De uma só vez, a Câmara rasgou ontem as conclusões do Conselho de Ética e da CPI dos Correios, absolveu mais dois cassáveis e abriu, definitivamente, a porteira para livrar os outros nove deputados ameaçados de perder o mandato. Ao inocentar os deputados Roberto Brant (PFL-MG) e Professor Luizinho (PT-SP), o Plenário materializou o acordão sussurrado nos bastidores, reduziu o crime de caixa dois a uma mera infração eleitoral e ignorou a opinião pública, a sete meses das eleições gerais.
Com 283 votos contra o relatório do Conselho de Ética e 156 a favor, os deputados inocentaram Brant. O ex-ministro da Previdência do governo Fernando Henrique confessou não ter declarado doação de R$ 102 mil da Usiminas, repassados pela empresa SMP&B, de Marcos Valério, em 2004.
Três horas depois, o Plenário também absolveu Professor Luizinho, ex-líder do governo Lula, com 253 votos contra a cassação e apenas 183 votos pela perda do mandato. O deputado era acusado de se beneficiar de R$ 20 mil sacados por um de seus assessores de uma conta de Valério. Para se tirar o mandato de um deputado, são necessários 257 votos pela punição.
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Brant e Luizinho foram, respectivamente, o terceiro e o quarto dos 19 acusados de receberem recursos do valerioduto a escaparem da degola. Sandro Mabel (PL-GO) e Romeu Queiroz (PTB-MG) haviam inaugurado a lista. Outros quatro renunciaram ao mandato para concorrer nas próximas eleições. Nove meses após a crise, ocorreram apenas duas cassações: Roberto Jefferson (PTB-RJ) e José Dirceu (PT-SP).
Quarta-feira de pizzas
Houve de tudo nessa quarta-feira de pizzas: pefelista subindo à tribuna para defender petista, socialista pregando voto em favor de pefelista, troca escancarada de gentilezas entre outrora adversários viscerais e vaias para deputados que fizeram uso da palavra para condenar o caixa dois. "Votei a favor do Brant e estou repetindo para mim", disse Luizinho. A gentileza foi retribuída pelo outro protagonista da noite. "Estou rezando por ele (Luizinho)", afirmou o ex-ministro da Previdência de FHC.
"Não é uma pizza apenas que está se montando nesta Casa, mas um verdadeiro rodízio: é uma pizza atrás da outra", denunciou, em meio ao protesto dos parlamentares, o deputado Babá (Psol-PA). Outro a ser vaiado ao discursar na tribuna em favor da cassação dos colegas, Chico Alencar (PSol-RJ) rendeu-se a uma evidência pouco alentadora. “Se a Câmara mantiver coerência, agora, vai absolver todos, porque os demais casos são semelhantes. Houve um desprezo muito grande pelo trabalho do Conselho de Ética”, disse ao Congresso em Foco.
No lado esquerdo do peito
Historiador, Alencar é co-autor do livro Brasil Vivo, que traz canções compostas por seu amigo Fernando Brant. Um dos criadores do Clube da Esquina, grupo mineiro que inovou a música brasileira na década de 70, o compositor é irmão do pefelista e autor de Canção da América, imortalizada na voz de Milton Nascimento e cuja letra, mais do que nunca, expressou o instinto de sobrevivência dos parlamentares em Brasília.
“Amigo é coisa pra se guardar/ No lado esquerdo do peito/ Mesmo que o tempo e a distância digam não/ Mesmo esquecendo a canção/ O que importa é ouvir/ A voz que vem do coração/ Pois seja o que vier, venha o que vier/ Qualquer dia, amigo eu volto a te encontrar/ Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar.”
Geralmente avesso a grandes exposições, Fernando saiu ontem em defesa do irmão. “Tentaram fazer um julgamento moral, da honra do Roberto. Estão julgando minha honra também. Nosso pai nos ensinou os mesmos valores. Somos gente honesta que gosta do país. Tenho o maior orgulho de ser irmão do Roberto", afirmou o músico.
Conselho frustrado
Se após o resultado da votação o clima era de festa no clã Brant, o desânimo tomava conta da maioria dos membros do Conselho de Ética, que, em uma só noite, viu duas de suas representações serem derrubadas pelo Plenário. “O PT fez um investimento votando no Brant, esperando que o PFL votasse no PT”, analisou o presidente do colegiado, Ricardo Izar (PTB-SP).
“O Conselho perdeu a razão de existir”, avaliou Cézar Schirmer (PMDB-RS), que anteontem pediu a cassação de João Paulo Cunha (PT-SP). "Ficou claro, caracterizado o acordão. Basta ver como a bancada do PT recebeu o resultado da votação. Comemorou. Aplaudiu. O vice-líder do PT, deputado Luiz Sérgio (RJ) foi o primeiro a correr para abraçar Brant", observou Júlio Delgado (PSB-MG), relator do processo de cassação do ex-deputado José Dirceu (PT-SP).
Roteiro previsível
A absolvição dupla já era dada como certa ainda no início da tarde. “Eu não acho, eu tenho certeza. Os dois serão absolvidos. O que tenho ouvido nos últimos três dias é que não há espírito para cassar ninguém. O Brant vai ser de lavada, mas o Luizinho, por menos”, previu Laura Carneiro (PFL-RJ).
Acordão, não
Apesar da troca de sorrisos e de tapas nas costas entre petistas, pefelistas e tucanos, as lideranças partidárias negaram qualquer combinação nas votações. O líder do PFL, Rodrigo Maia (RJ), disse que em processos de cassação cada um vota com a consciência. “Querer que o Brant, depois do que passou, diga que vai votar pela cassação do Professor Luizinho, é pedir demais! Não tem acordão”, disse o pefelista, que também admitiu ter votado a favor do petista. "Os que disseram que houve um acordo são abutres", fez coro Luizinho.
Vice-líder de um dos partidos que teriam participado do acordo, o deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP) admitiu que a absolvição de dois parlamentares numa mesma noite obriga a Casa a se explicar para a sociedade. “Sempre que isso ocorre fica no ar a possibilidade de ter havido algum concerto entre grupos partidários. Isso é muito incômodo para nós”, reconheceu. “Quando dois são inocentados numa mesma noite, fica margem para especulações sobre um concerto entre grupos partidários”, disse.
Saindo do forno
“Agora é rodízio de pizza, uma mineira e depois uma paulista”, previu o deputado Babá, momentos antes do início da sessão que absolveu o mineiro Brant e o paulista Luizinho. Nesse clima de confraria, além da possibilidade de se repetir essas duas opções, há pelo menos mais quatro versões de pizza no forno para os parlamentares experimentarem: a paranaense, a baiana, a mato-grossense e a pernambucana.
Outros quatro deputados aguardam a decisão do Plenário: João Magno (PT-MG), Wanderval Santos (PL-SP), Pedro Corrêa (PP-PE) e Pedro Henry (PP-MT). Entre eles, só Henry tem o parecer do Conselho de Ética pela absolvição. Nos demais casos, a recomendação é pela perda do mandato. O Conselho ainda vai examinar os processos contra cinco deputados: José Mentor (PT-SP), Josias Gomes (PT-BA), João Paulo Cunha (PT-SP), José Janene (PP-PR) e Vadão Gomes (PP-SP).
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