Edson Sardinha |
Para evitar novas derrotas no Congresso, o Palácio do Planalto vai ter de tomar duas providências imediatas: ensinar os aliados a serem governistas e tratar com mais respeito o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE). O alerta é de um dos vice-líderes do governo na Casa, o deputado Vicente Cascione (PTB-SP). Na avaliação dele, a oposição foi mais rápida do que a base governista no reconhecimento do tabuleiro político desenhado pelas eleições de 2002. “Eles aprenderam mais depressa a ser oposição do que nós a ser situação. Estamos demorando muito tempo a aprender (a ser governo)”, afirma o deputado, cujo partido também integrou o bloco de sustentação do governo Fernando Henrique Cardoso. Em seu segundo mandato em Brasília, Cascione diz que Severino não pode ser tratado pelo governo como um inimigo e defende uma atenção especial da parte do Planalto ao presidente da Câmara. “Temos de saber lidar com Severino, na mesma linha do respeito que ele tem por nós. É preciso ouvi-lo para poder decidir as coisas. Não adianta mandar as coisas como o governo quer, que ele não vai engolir”, afirma. Leia também Ex-presidente do Conselho Deliberativo do Santos Futebol Clube, Cascione compara as atuais dificuldades enfrentadas pelo governo no Congresso às adversidades vividas por um time talentoso, porém desunido. “Não pode cada um jogar por si. É preciso jogar em conjunto. Temos talentos individuais, mas que não estão jogando juntos.” Para isso, complementa, será preciso reunir as principais lideranças da base governista e definir a posição de cada uma. Ao contrário da maioria de seus colegas, o petebista desaconselha o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a entrar diretamente em campo para mediar as negociações com o Congresso. “O presidente também pode sofrer desgastes, ao cuidar diretamente da articulação. Além do mais, ele não pode fazer tudo. Ele tem de ter um intermediário, coisa que não tem”, observa. Além da falta de união dos governistas – descontentes com o tratamento dispensado por alguns ministros e pela escassez na liberação das emendas parlamentares – outro fator joga contra o governo, na avaliação de Cascione: a concentração de holofotes da mídia sobre as atividades da Câmara. Segundo ele, os deputados estão “aturdidos” com a insistência da imprensa em temas que constrangem a Casa, como os gastos com a reforma dos apartamentos funcionais e o aumento da verba de gabinete. Isso, segundo ele, reforça a “má vontade” dos parlamentares. Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, o deputado paulista revela que não é um “homem de partido” e que ignora a participação do PTB no governo. “Sou um pouco cético em relação aos partidos, porque neles prevalece o interesse de uma maioria que manda. Não sei nem que espaço ele (PTB) tem no governo, não fiz esse levantamento.” Congresso em Foco – O governo Lula nunca enfrentou tantas dificuldades no Congresso como agora. A articulação da base governista chegou ao fundo do poço, como teria admitido o próprio presidente dias atrás? Vicente Cascione – Não é a articulação que chegou ao fundo do poço. O que acontece é que, num determinado momento, há tantos fatores influindo sobre o dia-a-dia do Parlamento que essas marolas e esses tsunamis deixam os deputados um pouco aturdidos. Que marolas e tsunamis são esses? É um problema de foco. A mídia está muito focada sobre os deputados. Tudo gira em torno disso, desde a reforma do apartamento funcional, o aumento da verba de gabinete, até a cassação do André Luiz (deputado cassado semana passada por tentativa de extorsão). Isso deixa o pessoal aturdido. A mídia forma a opinião pública, e as pessoas pensam exatamente aquilo que os meios de comunicação colocam na ordem do dia. Ninguém se importaria, por exemplo, com o presidente do Equador se o asilo político dele não tivesse sido tão debatido na imprensa. É a mesma coisa em relação aos juros. Quando os juros chegaram no governo FHC a 24%, ninguém falava absolutamente nada, não se debatia o assunto, os noticiários minimizavam o problema. Hoje a taxa Selic está em 19%, mas, como só se fala nisso, todo mundo fica falando dos juros. Isso é só um exemplo. Em relação a essa história da desarticulação da base, toda vez que você tem um grupo heterogêneo de partidos e homens em torno do governo e há um certo descontentamento, os deputados ficam com certa má vontade em relação aos pedidos do governo. “É muito mais uma boa articulação da oposição do que a desarticulação da base. Não é que a base se desarticulou. Que tipo de descontentamento há entre os deputados em relação ao governo? São casos de deputados que, individualmente, não são atendidos por esse ou aquele ministro, que ficam pedindo audiência e não conseguem, que estão querendo liberação de emendas para as suas regiões e não conseguem. Isso sempre aconteceu e acontecerá. Além dessa tribulação geral em torno da Câmara, existe esse descontentamento sazonal, que torna mais difícil atender aos pleitos do governo. A oposição está fazendo, por outro lado, um jogo que não tem sido bem rebatido por nós, que é o jogo da crítica sobre tudo aquilo que eles nos deixaram como herança. A oposição está criticando o atual governo por fazer tudo aquilo que ela fez. E com muito talento, porque estão jogando mais ou menos soltos e bem articulados. Apesar de, como governo, terem feito tudo isso o que criticam hoje, vendem a imagem de que são inocentes, como se não tivessem nada a ver com isso. É muito mais uma boa articulação da oposição do que a desarticulação da base. Não é que a base se desarticulou. É que ela tem de aprender a se articular melhor. “Eles aprenderam mais depressa a ser oposição do Por que os governistas não conseguem rebater o discurso da oposição? Porque nós, os principais líderes da base, estamos acostumados a ser oposição, e não governo. A visão de quem sempre foi oposição não é a mesma de quem sempre foi governo. Eles aprenderam mais depressa a ser oposição do que nós a ser situação. Estamos demorando muito tempo a aprender (a ser governo). “Severino não é adversário nem inimigo. Ele tem uma certa independência, que tanto pode, às vezes, atender ao governo, como atender à oposição. O governo tem de saber se relacionar bem com ele. É o que precisamos fazer” Mas os governistas têm responsabilizado a perda da presidência da Câmara pelas dificuldades nas votações na Casa. O presidente Severino Cavalcanti não tem sido um aliado? Severino não é adversário nem inimigo. É uma pessoa que tem relativa independência em relação aos presidentes que passaram pela Casa nos últimos anos, que sempre foram muito mais sintonizados com o Palácio do Planalto. Ele tem uma certa independência, que tanto pode, às vezes, atender ao governo, como atender à oposição. Não está lá fazendo uma coisa contra A ou B. O governo tem de saber se relacionar bem com ele. É o que precisamos fazer. “Temos de saber lidar com Severino, na mesma linha do respeito que ele tem por nós. É preciso ouvi-lo para poder decidir as coisas. Não adianta mandar as coisas como o governo quer, que ele não vai engolir” Como é possível melhorar esse relacionamento? O relacionamento é fácil com Severino. Ele sabe ouvir bem, tem muito bom senso e tem discernimento para apontar o que é bom para o Brasil. Ele põe pra votar inclusive aquilo que contraria sua convicção pessoal. Temos de saber lidar com Severino, na mesma linha do respeito que ele tem por nós. Ele não é uma pessoa qualquer, é o presidente de um poder. É preciso ouvi-lo para poder decidir as coisas. Não adianta mandar as coisas como o governo quer, que ele não vai engolir. “A base tem de reunir suas principais lideranças, fazer um curso rápido para aprender, em curtíssimo tempo, a cumprir o seu papel e pôr em prática aquilo que nós vamos ter de definir. Não pode cada um jogar por si. É preciso jogar em conjunto” O senhor disse que o problema da base não é de desarticulação, mas de se articular melhor. O que pode ser feito nesse sentido, para evitar novas derrotas do governo? A base tem de reunir suas principais lideranças, fazer um curso rápido para aprender, em curtíssimo tempo, a cumprir o seu papel e pôr em prática aquilo que nós vamos ter de definir. Não pode cada um jogar por si. É preciso jogar em conjunto. Temos talentos individuais, mas que não estão jogando juntos. Em todo trabalho de equipe não adianta ter talento individual porque, às vezes, um grupo menos talentoso e mais organizado é melhor do que um grupo talentoso e desorganizado. “O Aldo é imprescindível dentro do processo. Lideranças do próprio PT já têm pedido abertamente a demissão do ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo. Que responsabilidade ele tem nas derrotas do governo no Congresso? O Aldo foi um excelente líder do governo na Câmara. Tem muito ainda para contribuir. Não acho que ele seja uma pessoa descartável. O Aldo é imprescindível dentro do processo. Ele já mostrou a sua competência. Ninguém deixa de ser competente de um dia para outro. Se ele se mostrou competente, é preciso dar a ele a oportunidade de continuar sendo. “Mas nem toda proposta do governo pode ser projetada com meses de antecedência. Algumas coisas são feitas de última hora. Quando há boa vontade da Casa, o que cai lá é aprovado” A oposição alega que o governo perdeu o controle da base porque também não tem uma agenda legislativa. O senhor concorda com a crítica? Não concordo. A agenda legislativa do governo Lula teve os projetos que ele enviou, como as reformas política, tributária, previdenciária e do Judiciário (que, na verdade, tramitava desde 1992 no Congresso), que eram as partes fundamentais. Mas nem toda proposta do governo pode ser projetada com meses de antecedência. Algumas coisas são feitas de última hora. Quando há boa vontade da Casa, o que cai lá é aprovado. O que existe hoje é uma má vontade em razão daqueles fatores que mencionei anteriormente. Por isso, as coisas não estão funcionando como poderiam. “O presidente também pode sofrer desgastes, ao cuidar diretamente da articulação. Além do mais, ele não pode fazer tudo. O presidente tem uma agenda com tantas preocupações que não pode ficar cuidando de varejo. Ele tem de ter um intermediário, coisa que não tem” O senhor concorda com a opinião de alguns líderes governistas de que o presidente Lula deveria se envolver mais diretamente nessa articulação com o Congresso? Isso é relativo. O presidente também pode sofrer desgastes, ao cuidar diretamente da articulação. Além do mais, ele não pode fazer tudo. O presidente tem uma agenda com tantas preocupações que não pode ficar cuidando de varejo. Ele tem de ter um intermediário, coisa que não tem. O que está faltando à base é a gente se reunir e cada um ver a sua posição. Ver quem vai sair de quarto-zagueiro, de meia-armador, de ponta-de-lança e de centroavante, e cada um fazer a sua parte. Tem gente na base que não está jogando com o time? Não é que não esteja jogando com o time. Está faltando que todo mundo sente e converse pra ver o papel de cada, aquela coisa que jogador de futebol às vezes diz. O fortalecimento da base, ou do time, passa necessariamente pela aproximação com o PMDB? Aí não sei o que tem na cabeça do PMDB, nem com qual PMDB a gente tem de conversar. O PMDB não é uma coisa só. Está complicado, o partido é dividido. Não sei se agarrar o PMDB é agarrar uma bóia ou um paralelepípedo. No primeiro escalão, o único representante do seu partido, o PTB, é o ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia. O PTB está satisfeito com o espaço que tem no governo Lula? Não sei. Sou uma pessoa mais ou menos apartidária. Estou dentro do PTB, mas não sou um homem de partido. Não freqüento as reuniões partidárias. Sou um pouco cético em relação aos partidos, porque neles prevalece o interesse de uma maioria que manda. Quando se fala em partido é relativo. Não sei se o PTB está satisfeito. Não sei nem que espaço ele tem no governo, não fiz esse levantamento. |
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