Sylvio Costa
Uma das mais populares mensagens anônimas em circulação na internet brasileira anuncia o iminente risco de aprovação no Congresso de um projeto que acabaria com as férias, o 13º salário, a licença-maternidade e outros direitos trabalhistas. A mensagem é falsa: não há nenhum projeto com esse teor em vias de aprovação no Legislativo.
Mas a lenda se difundiu e, de tempos em tempos, leitores escrevem para o Congresso em Foco para saber se a informação é verdadeira. O assunto ocupa a Procuradoria Parlamentar (Propa) da Câmara dos Deputados há quatro anos. Segundo o chefe de gabinete da Procuradoria, o advogado José Augusto Torres, “quem começou tudo foi a CUT”.
A história deu origem ao processo Propa número 215. Ele teve início em junho de 2002, pouco depois de a Central Única dos Trabalhadores – ligada ao PT e a outros partidos de esquerda – ter publicado em seu portal na internet nomes e fotos dos deputados que votaram a favor de projeto proposto pelo ex-presidente Fernando Henrique para flexibilizar os direitos trabalhistas.
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”Eles votaram contra você”, dizia o portal da CUT. “Estes deputados federais, em cumplicidade com o governo FHC, aprovaram um projeto que põe em risco direitos como férias, 13º salário e licença-maternidade. Não se esqueça deles na próxima eleição!”.
Antes, sindicatos ligados à central distribuíram panfleto antecipando os nomes dos deputados que votariam a favor do projeto. Com o garrafal título “Traição!”, o panfleto afirmava: “Os deputados, acima, são contra os trabalhadores e por isso votarão a favor do projeto do governo para acabar de uma vez com as garantias previstas na CLT”.
O fato e a versão
O fato mais próximo da versão que ganhou asas na internet foi a aprovação na Câmara dos Deputados, em 2002, de um projeto que permitia flexibilizar certas regras trabalhistas desde que isso fosse feito em comum acordo entre a empresa e o sindicato dos trabalhadores.
A proposta, enviada ao Congresso pelo ex-presidente Fernando Henrique, excluía os direitos assegurados constitucionalmente, como os citados 13º, férias e a licença-gestante. Estes são considerados “cláusulas pétreas” da Constituição Federal. Ou seja, não podem ser eliminados nem mesmo por meio de emenda constitucional. Só poderiam desaparecer numa nova ordem constitucional (por obra da promulgação de outra Constituição ou de uma ampla revisão do texto constitucional em vigor).
De qualquer maneira, embora aprovada na Câmara, a proposta deu em nada. FHC deixou para seu sucessor a inglória missão de negociar com os representantes dos trabalhadores e dos empresários a reforma trabalhista, tema que no governo Lula não passou dos balões de ensaio dos eternos colegiados e grupos de estudos. Ficou a lenda.
A Procuradoria – tendo à frente o atual presidente do Conselho de Ética da Câmara, deputado Ricardo Izar (PTB-SP) – entrou, em 27 de junho de 2002, com representação criminal no Ministério Público Federal contra a CUT e duas outras entidades, o Sindicato dos Bancários de São Paulo e o Sindicato dos Químicos e Petroleiros da Bahia, por ofensa à honra e imagem.
O único efeito prático foi que a central retirou do ar as acusações. Segundo José Augusto Torres, o Ministério Público arquivou todas as representações que a Procuradoria encaminhou sobre a questão. E os e-mails continuam a mobilizar internautas contra o projeto que colocará abaixo a sexagenária CLT…
Causa antipática
Criada em 1991, a Procuradoria Parlamentar ganhou conhecimento público pela defesa de uma causa que, como hoje admite Torres, era “antipática”. O então procurador, o ainda deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), ajuizou ação na Justiça para impedir a execução da célebre música da banda Paralamas do Sucesso que denuncia a presença, entre os 513 deputados, de “300 picaretas com anel de doutor”.
Tanto a ação quanto a música tiveram sucesso. A execução da música foi proibida em um show que o grupo fez em 1995 na Academia de Tênis, em Brasília. E o esforço para censurá-la aumentou o interesse pela canção e pelo trabalho que o Paralamas fazia naqueles distantes anos de 95 e 96.
Hoje, a maior preocupação da Procuradoria é a lista de Furnas, que cita 158 deputados entre os beneficiários de dinheiro desviado da estatal para financiar a campanha eleitoral de 2002. A Polícia Federal já concluiu que o documento foi falsificado. A Procuradoria tenta identificar os responsáveis pelos blogs e sites que publicaram a lista para acioná-los na Justiça.
Entre março de 2005 e fevereiro de 2006, a Procuradoria Parlamentar da Câmara realizou 837 procedimentos, em sua grande maioria internos ou extrajudiciais. Somente as consultas e pareceres demandados por deputados ou por diferentes órgãos da Casa somaram 421 procedimentos.
O órgão atuou em 13 ações populares propostas contra a Câmara, participou de 41 oitivas de testemunhas, enviou 33 representações ao Ministério Público e formalizou 14 ações judiciais de danos morais. Os assuntos que chegam à Justiça referem-se, quase sempre, a crimes contra a honra. Os réus, em geral, são os responsáveis por veículos da internet ou órgãos de comunicação de estados de menor expressão econômica.
Exemplo de ação judicial foi a que levou aos tribunais o jornal Tribuna de Alagoas, da família do ex-tesoureiro de Collor Paulo César Farias. Acusado de promover uma campanha difamatória contra o então deputado Albérico Cordeiro (PTB-AL), que deixou o mandato para assumir (em janeiro de 2005) o cargo de prefeito de Palmeira dos Índios, o jornal pagou caro. Foi condenado a colocar 120 páginas à disposição do ex-deputado.
Um dos atos praticados pelo jornal que a Justiça reprovou foi a publicação de uma charge em que Albérico aparecia dormindo. Acima, o injurioso título, “O dorminhoco”.
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