Fábio Góis
Recebido com todas as honrarias e rigoroso esquema de segurança no Congresso, o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, fez firmes críticas ao Conselho de Segurança da ONU, às nações desenvolvidas que o compõem e ao que chamou de “sistemas mundiais injustos”. Acompanhado de embaixadores e empresários iranianos, Ahmadinejad disse que, enquanto os países ricos dominarem organismos internacionais, problemas históricos como o conflito entre Israel e Palestina permanecerão insolúveis.
“Sabemos que o Conselho de Segurança não consegue desempenhar o seu papel”, reclamou Ahmadinejad, recebido no Salão Negro do Congresso pelos presidentes do Senado, José Sarney (PMDB-AP) e, da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), entre outros parlamentares. “Há 60 anos a questão palestina existe e não conseguimos resolver. Enquanto isso, milhares de pessoas morrem diariamente. Precisamos saber os motivos das falhas desses sistemas mundiais”, completou o presidente do Irã, para quem a questão palestina não pode ser resolvida de maneira “superficial”.
Criticado por diversos países devido à consecução do programa nuclear iraniano – o qual assegura servir para fins estratégicos pacíficos –, Ahmadinejad disse que órgãos como a ONU são “baseados na discriminação” e, por isso, não têm legitimidade.
“Basta olhar para a questão palestina. Por que [a negociação de paz] falhou? Porque não foi baseada na Justiça. Por que só alguns países têm direito a veto e imunidade jurídica?”, disse o presidente do Irã, apoiado hoje pelo presidente Lula quanto ao desenvolvimento do programa nuclear com objetivos não beligerantes.
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Entre outras declarações polêmicas – contra homossexuais e evangélicos, por exemplo –, Ahmadinejad tem negado a existência do holocausto, quando milhões de judeus morreram devido à ação do regime anti-semita instalado pelo nazismo alemão. A mais recente declaração nesse sentido foi em discurso antes de seu sermão semanal de 18 de setembro, quando disse que “o regime sionista é um símbolo de mentiras e decepção, que se baseia em atitudes colonialistas”.
Ahmadinejad disse ainda que países como Brasil e Irã podem, unidos, dar início a uma “nova ordem econômica mundial” a partir de suas potencialidades. “Uma ordem que se baseia na Justiça e no direito dos povos, respeitando a capacidade e a potencialidade das nações”, declarou.
Antes de encerrar seu discurso, Ahmadinejad ressaltou a importância de uma “relação construtiva” entre os Parlamentos brasileiro e iraniano, e sugeriu uma visita de Sarney e Temer àquele país para que sejam fortalecidas as relações entre os dois Estados.
Recepção
Além de Sarney e Temer, prestigiaram a visita de Ahmadinejad os senadores Eduardo Suplicy (PT-SP), Cristovam Buarque (PDT-DF) e Garibaldi Alves (PMDB-RN, ex-presidente do Senado); os deputados Aldo Rebelo (PCdoB-SP, ex-presidente da Câmara), Edinho Bez (PMDB-SC) e Dr. Paulo César (PP-RJ); e o embaixador do Brasil no Irã, Antonio Luís Espinola Salgado.
Ao saudar a presença de Ahmadinejad, o presidente da Câmara exaltou o espírito cortês e solidário do povo brasileiro e ressaltou a projeção internacional do atual governo. “É sob o signo da paz, da solidariedade e da harmonia entre os povos que saudamos a sua presença”, disse Temer, fazendo-se entender por meio de um intérprete iraniano. “É com muita alegria cívica que verificamos a possibilidade de o Brasil fazer o papel de mediador em conflitos internacionais.”
Na mesma linha de Temer, Sarney fez um discurso pacifista e disse que “a melhor notícia do mundo” seria a paz entre Israel e Palestina. “A melhor notícia do mundo que poderíamos receber seria a do fim do conflito entre árabes e judeus, dois povos profundamente sofridos”, declarou o peemedebista, defendendo ainda a soberania de ambos os Estados.
“Quero ressaltar que nós esperamos que o Brasil possa contribuir com esse sentimento, e que no Oriente Médio também seja encontrado aquilo que todos desejam: uma área sem conflito, com paz entre os povos”, observou Sarney.
“Quero manifestar minha admiração pela história, pela trajetória de seu país e de seu povo, e desejar que o povo iraniano alcance sempre êxito na busca da manutenção da soberania, da independência e do desenvolvimento. Que o Irã e o Brasil possam caminhar juntos em um mundo de paz e de progresso”, discursou Aldo. “Somos solidários ao sofrimento do povo judeu, bem como ao povo palestino”, emendou Suplicy.
Protesto
O posicionamento de Ahmadinejad sobre o holocausto – episódio histórico em que milhões de judeus foram mortos ante o jugo anti-semita nazista – levou o deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ) a fazer uma manifestação contra a visita do chefe de Estado ao Brasil.
Ao perceber a aproximação de Ahmadinejad pela rampa do Congresso, repleta de Dragões da Independência, Itagiba empunhou um cartão vermelho e estendeu faixa com os dizeres “Holocausto nunca mais” – ato que foi ignorado pela comitiva iraniana, tamanho era o aparato de segurança e a concentração de jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas no local.
“Não há diálogo possível com alguém que faz escárnio com o maior atentado à humanidade, que foi o holocausto. [A visita] é desnecessária, uma péssima companhia para o Brasil. Pessoas que não respeitam os direitos humanos, os direitos fundamentais, que negam o holocausto e propugnam a plena extinção do Estado de Israel não merecem ser recebidas no Brasil”, disse o deputado ao Congresso em Foco.
O protesto de Itagiba foi reforçado por um sobrevivente do holocausto, que foi ao Congresso em cadeira de rodas. Presidente da Associação Brasileira de Sobreviventes do Nazismo (e vice do braço internacional da entidade), o polonês Ben Abraham disse à reportagem estar “desiludido” com o presidente Lula.
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“Ele sempre mostrou suas ascendências e suas posturas democráticas, e agora vai receber um homem que desmente todas essas atrocidades, sendo que até hoje existem sobreviventes do nazismo, como eu”, lamentou Ben Abraham.
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