Edson Sardinha*
Sem alarde, uma comissão especial da Câmara vota hoje uma mudança na Constituição que pode afetar a vida de milhares de servidores públicos em todo o país. A proposta, já aprovada pelo Senado, eleva de 70 para 75 anos o limite de idade para a aposentadoria compulsória dos servidores da União, dos estados e dos municípios. E garante àqueles que se aposentarem com essa idade – e que ingressaram tardiamente no serviço público – o direito de receber o benefício integral. Hoje, esse valor é proporcional ao tempo de contribuição.
Não se sabe exatamente quantas pessoas poderão se valer imediatamente da medida. No ano passado, apenas 0,03% dos 500 mil servidores da União se aposentaram compulsoriamente, por terem atingido a idade de 70 anos. Mas é bom ressaltar que a medida poderá valer, mais cedo ou mais tarde, para os cerca de 4 milhões de trabalhadores que estão hoje na ativa no serviço público e que desejarem continuar trabalhando mesmo após os 65 anos de idade.
O texto original previa a elevação imediata do limite de aposentadoria apenas para os ministros dos tribunais superiores. No caso dos demais servidores, a mudança na regra ficava condicionada à aprovação de uma lei complementar. Em seu substitutivo (veja a íntegra), o deputado João Castelo (PSDB-MA) eliminou essa distinção, considerada por ele um casuísmo. O parecer do tucano suprime a necessidade de aprovação de lei complementar para que a mudança entre em vigor.
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Entre a experiência e a renovação
O relator só não conseguiu acabar, no entanto, com a disputa em torno da proposta entre as entidades que representam os magistrados, categoria mais envolvida na discussão do assunto até o momento. Os setores mais jovens da magistratura resistem à mudança que permitiria aos mais velhos se aposentarem mais tarde, sob o argumento de que a nova regra prejudica a renovação dos quadros.
"O Judiciário passa por um momento de transformação profunda. Os setores mais progressistas têm brigado contra o nepotismo e a realização das sessões secretas, por exemplo. Com a permanência de pessoas que não compactuam com essa visão, o poder pode ficar mais engessado", avalia a vice-presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Andréa Pachá. Também já declaram repúdio à proposta a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), entre outras.
Por sua vez, os defensores da emenda argumentam que o novo limite vai aproveitar o potencial dos servidores mais experientes e proporcionar uma economia para a Previdência Social, na medida em que muitos deles poderão adiar a sua aposentadoria. "Dizer que engessam a carreira? Os meninos precisam ter calma. Temos profissionais experientes que são a memória-viva do serviço público e que precisam ser preservados", diz o presidente da recém-criada Associação Nacional dos Desembargadores (Andes), Nelson Thomaz Braga. Lançada em março, a entidade representa cerca de 300 magistrados.
Segundo a juíza Andréa, a AMB não desqualifica a idade como fator de experiência, mas enxerga na elevação do limite para a aposentadoria compulsória um obstáculo para a renovação do poder. "A idade de 70 anos é razoável. É claro que a pessoa pode, mesmo aos 80 anos ou mais, contribuir para a sociedade, mas, do ponto de vista administrativo, é preciso renovar", defende a vice-presidente da associação.
Reflexo nos tribunais superiores
Mais discretos, os ministros dos tribunais superiores têm trabalhado nos bastidores para garantir o direito de permanecer por mais cinco anos no exercício de suas funções. O último a deixar o Supremo Tribunal Federal (STF) por causa da compulsória foi o ministro Carlos Velloso, que completou 70 anos este ano. Situação que deve se repetir em 2007 com um dos mais respeitados dos ministros da corte, Sepúlveda Pertence. Pelo menos três ministros devem deixar o Superior Tribunal de Justiça (STJ) nos próximos cinco anos pelo mesmo motivo: Humberto Gomes de Barros, José Arnaldo da Fonseca e Peçanha Martins.
Vivendo mais
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa do brasileiro aumentou em mais de três anos entre 1991 e 2000. A esperança de vida das mulheres passou de 70,9 anos para 74,1 anos no período. Já para os homens essa expectativa aumentou de 63,1 para 66,7 anos.
Números que, segundo a coordenadora-geral do Instituto Vivendo de Desenvolvimento Integral da Terceira Idade (RJ), Maria José Ponciano Sena Silvestre, reforçam a necessidade de aprovação da proposta de emenda constitucional. "Não adianta pensar em renovação, se as pessoas estão vivendo mais tempo. É natural que elas queiram ficar mais tempo na ativa. Se a população está envelhecendo, temos que ter espaço para essas pessoas. Temos que nos adequar", considera a coordenadora da organização não-governamental.
Parlamentares divididos
A elevação da idade para a aposentadoria compulsória no serviço público também divide os parlamentares. "Será bom para aqueles servidores que não têm condições de assegurar os proventos integrais na aposentadoria por tempo de contribuição ou por idade. Isso é bom principalmente para aqueles que iniciaram tardiamente suas atividades formas de trabalho", defende o relator, João Castelo.
Raciocínio semelhante desenvolve o deputado Gonzaga Mota (PSDB-CE), autor da emenda que estendeu o aumento da idade para todos os servidores públicos. Na avaliação dele, a proposta vai beneficiar sobretudo as universidades brasileiras. "Perdemos muitos pesquisadores com essa idade limite de 70 anos", disse. O deputado lembra que a regra da compulsória aos 70 anos foi introduzida no país há mais de 50 anos, quando a expectativa de vida do brasileiro
Também integrante da comissão, o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP) concorda que algumas atividades ganham com o aumento da data para aposentadoria, como as universidades. No entanto, para outras profissões o aumento pode ser danoso. "Há certos casos e certas profissões em que o passar do tempo pesa no exercício da profissão. Infelizmente, esse diagnóstico nós não conseguimos fazer nessa comissão", disse o deputado. Segundo Cardozo, a generalização da nova idade limite para todos os servidores acaba colocando no mesmo patamar atividades em que o desempenho aos 75 anos não é o mesmo. É o caso, aponta ele, dos cargos menos qualificados do setor público, como o de gari.
O deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA) disse que vai levar para o plenário, próxima etapa da tramitação, a emenda que apresentou e que não foi acolhida pelo relator. Aleluia sugere a criação de uma fase de transição para o aumento da idade limite, que duraria 17 anos. Com isso, somente em 2023 começaria a valer a regra dos 75 anos. Para ele, a transição diminui a restrição à aprovação da matéria, principalmente a que existe entre os jovens juízes e procuradores brasileiros, que alegam que a elevação da idade retarda a renovação da jurisprudência e dos quadros da Justiça.
*Colaborou Rafaela Céo
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