Após 121 dias de trabalho, a CPI do Mensalão foi enterrada ontem sem chegar a conclusão alguma, diante de uma intensa troca de acusações entre governo e oposição sobre a responsabilidade pelo final melancólico da comissão. Um acordo chegou a ser feito entre as lideranças partidárias no Senado, mas foi abortado pelo líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP).
"Houve entendimento da base no Senado, mas não foi possível na Câmara", informou o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP). Por 23 assinaturas, os oposicionistas não conseguiram reunir o apoio exigido para a prorrogação das investigações. O clima, à noite, na última reunião da CPI era de velório. "E todos nós somos os defuntos", disse o presidente da comissão, senador Amir Lando (PMDB-RO).
O relatório lido pelo deputado Ibrahim Abi-Ackel (PP-MG) sequer foi votado e não terá validade legal. Em seu texto, o relator disse que não ficou caracterizado o mensalão nos termos definidos pelo ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), mas admitiu que "houve recebimento de vantagens financeiras indevidas por parlamentares e dirigentes partidários, com periodicidade variável, porém constante, nos anos de 2003 e 2004". Mesmo sem aprofundar a informação, ele citou que houve recursos ilícitos para pagamentos de dívidas de campanha, incluindo a do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
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Sob suspeita
Ainda assim, Abi-Ackel preferiu não citar o nome dos parlamentares que teriam recebido recursos. O próprio relator e o filho dele, o deputado estadual Paulo Abi-Ackel (PP-MG), aparecem na relação dos 80 políticos mineiros que receberam dinheiro não contabilizado do empresário Marcos Valério Fernandes nas eleições de 1998.
"Não é possível relacionar os parlamentares que perceberam vantagens financeiras ilícitas, em virtude da ausência de provas concretas que permitam a atribuição de responsabilidade penal, mas são múltiplos os indícios de que houve distribuição de recursos financeiros a deputados da base parlamentar do governo", relatou.
Emenda da reeleição
O deputado não apresentou nenhum registro sobre a denúncia de compra de voto para a emenda constitucional que permitiu a reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um dos objetos da CPI. "Não contém revelações que mereçam ser registradas", limitou-se a dizer.
Controvérsia regimental
O enterro da CPI do Mensalão foi confirmado com 24 horas de atraso. A extinção da comissão foi publicada na edição de ontem do Diário do Congresso. Anteontem, a Mesa da comissão entendeu, com base em uma dubiedade na interpretação do regimento sobre o início da contagem do tempo de funcionamento das comissões de inquérito, que o prazo de funcionamento da CPI se encerraria não às 24h daquele dia, mas sim às 24h de ontem.
A secretaria-geral da mesa do Senado discordou da tese. Os líderes partidários na Casa, no entanto, concordaram que, se o número de assinaturas fosse conseguido, o dia de ontem seria computado como válido. Mas o esforço parou diante da resistência do líder do governo na Câmara. Chinaglia ponderou que, se houvesse o precedente para a CPI do Mensalão, o mesmo entendimento teria que valer para a CPI dos Correios.
Uma semana atrás, por apenas uma assinatura, os governistas não conseguiram abortar a prorrogação das investigações até abril. Com um dia a mais para convencer os aliados a retirarem a assinatura do requerimento, ressaltou o petista, o pedido não teria passado, esticando a crise política até o ano eleitoral.
Veja, a seguir, alguns dos trechos do relatório apresentado por Abi-Ackel:
Mensalão
“Esse recebimento de recursos financeiros não caracteriza exatamente o que se denominou de mensalão, ou seja, pagamentos mensais, sistemáticos. Mas houve sem dúvida pagamentos de dinheiro em espécie, em alguns casos como uma só prestação, em outros com prestações sucessivas."
Vantagens indevidas
"Embora o total das diferenças apontadas some aproximadamente R$ 12 milhões, não alteram elas, no essencial, o fato em si da prática do ilícito: houve recebimento de vantagens financeiras indevidas por parlamentares e dirigentes partidários, com periodicidade variável, porém constante, nos anos de 2003 e 2004."
Parlamentares beneficiados
"Não é possível relacionar os parlamentares que perceberam vantagens financeiras ilícitas, em virtude da ausência de provas concretas que permitam a atribuição de responsabilidade penal, mas são múltiplos os indícios de que houve distribuição de recursos financeiros a deputados da base de sustentação parlamentar do governo, como ficou acima descrito."
Votações
"Os gráficos elaborados pelos deputados Júlio Redeck e Odair Cunha demonstram, apesar das diferenças neles assinaladas, a coincidência temporal entre o maior volume de parcelas financeiras transferidas e as votações, no plenário da Câmara, de matérias de interesse do governo. A despeito de indicações que possam resultar do exame dos gráficos ou dos sinais que aparentemente possuam de correlação de causa e efeito, é arriscado acolhê-los como elementos de prova do recebimento de vantagens financeiras indevidas."
Emenda da reeleição
"As apurações referentes a suborno de parlamentares para a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº1, que dispõe sobre a reeleição para mandatos executivos, há pouco iniciadas, não contêm revelações que mereçam ser registradas."
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