O parágrafo que segue é o que nas redações costumam chamar de “nariz de cera”. Quando dá certo, é uma forma de capturar a atenção do leitor com uma sacação legal, mesmo que ela nada tenha a ver com o tema a ser tratado em seguida. Quando fracassa, vira pura encheção de linguiça mesmo. Aqui, esse sedutor vício chega na companhia de algo mais temível, a autorreferência. Portanto, se você não quer correr riscos, pula direto pro terceiro parágrafo.
(Pra quem continua na área, a parada metajornalística prossegue.) Porque o título acima é um plágio. Mas somos nós plagiando nós mesmos. “Congresso em Foco. O Congresso e a política como você nunca viu” foi o slogan que criamos e usamos durante anos a fio pra alardear, no sentido mais marqueteiro da palavra, nossa vocação para botar na mesa novos temas e perspectivas no acompanhamento do Congresso Nacional e da política brasileira. Era e é sincero. A primeira lista de parlamentares acusados de cometer crimes, pontapé inicial das revelações sobre os políticos “ficha suja”. O voto de cada congressista nas matérias importantes. Sua assiduidade e seus gastos individuais e coletivos… informações inéditas que nos estimulassem a desenvolver um novo olhar sobre o jeito verde-amarelo de fazer política.
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Então. É esse tipo de ineditismo, capaz de nos abrir uma janela desconhecida, que você encontrará no artigo que publicamos hoje do subprocurador-geral da República Eugênio José Guilherme de Aragão, corregedor-geral do Ministério Público Federal. Membro, portanto, da cúpula do MPF. Numa análise sobre a rejeição da PEC 37 pela Câmara, na última terça-feira, ele lança luz sobre as disputas corporativas que estiveram por trás da proposta que o Ministério Público (MP) espertamente batizou de “PEC da Impunidade”.
Um debate, segundo ele, em que delegados de polícia, de um lado, e membros do MP, do outro, competiam por “remuneração, vantagens e, claro, prestígio e poder”, sem demonstrar “nenhuma preocupação com a eficiência do Estado”. Aragão acrescenta que nas manifestações populares a sociedade encampou a bandeira do MP sem atentar para “o que realmente importa na investigação criminal: segurança jurídica, respeito aos direitos do investigado e o fim da violência policial e de disputas corporativistas”.
Sem temor de dissecar o corporativismo que contamina a instituição à qual serve, o subprocurador segue com afirmações que chamam atenção. Algumas delas:
“Os novos procuradores e promotores são, em geral, jovens com excelente formação jurídica, mas que são muito exigentes quanto ao que esperam da carreira e reagem com acentuada agressividade quando são frustrados em suas demandas”.
“Os controvertidos argumentos técnicos em favor da investigação pelo Ministério Público ou em favor da exclusividade da polícia nessa tarefa são de consistência relativa e não devem ser aceitos pelo seu valor de face. Na verdade, revelam apenas a condição precária da atividade investigatória criminal no Brasil, independentemente de quem queira assumir seu protagonismo”.
“A investigação criminal controlada, balizada por princípios que preservam a dignidade humana e a presunção de inocência, é o que falta no Brasil e pode ser perfeitamente realizada pelo Ministério Público ou por uma polícia tecnicamente preparada e respeitosa à cidadania, tanto faz”.
“Não faz sentido que um embaixador, no final da carreira diplomática, ganhe menos do que um jovem recém ingresso na carreira do Ministério Público. Ou que um professor titular em universidade pública receba mensalmente quase a metade desse jovem”.
Ele aponta a “a paridade de ganhos entre Ministério Público, advocacia pública, Defensoria Pública, magistratura e a carreira policial” como o caminho para eliminar “rapidamente as disputas intercorporativas que fragmentam a ação do poder público”.
Aragão é reincidente. Provocou imensa polêmica com um ensaio no qual abriu a caixa de Pandora do MP. Daquela vez, limitamo-nos a reproduzir um artigo que já havia saído em livro. Agora, temos o prazer de publicar a coisa em primeira mão.
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