Celso Lungaretti*
O site Jornal de Debates, comandado por Paulo Markun e seu filho Pedro, antecipou a posição do governo federal face ao pedido do Supremo Tribunal Federal (STF) de uma definição sobre se a anistia de 1979 beneficiou ou não os torturadores.
Cabe à Advocacia Geral da União responder ao STF, o qual, por sua vez, foi acionado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
A OAB ingressou no STF com um pedido de análise da Lei nº 6.683/79, contestando o entendimento de que a tortura estaria entre os crimes "de qualquer natureza" por ela perdoados (no primeiro artigo).
A saia justa em que este assunto colocou o governo ficou evidenciada quando a AGU pediu prorrogação do prazo para dar seu parecer, indício óbvio da inexistência de um consenso.
Segundo o Jornal de Debates, "para evitar uma crise interna, foi determinado à Advocacia Geral da União que coletasse as opiniões dos ministérios da Defesa, Justiça, Casa Civil e Secretaria de Direitos Humanos e as encaminhasse ao Supremo".
Então, em vez da posição do governo federal, o STF receberia as posições divergentes de quatro ministérios, presumivelmente três negando o benefício da anistia aos torturadores e uma o admitindo.
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E por que essas quatro pastas? Apenas por seus titulares terem externado opiniões no debate público que o tema suscitou?
Pelo organograma governamental, quem tem algo a dizer sobre crimes cometidos é o Ministério da Justiça; e sobre as violações dos direitos humanos, a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República.
As figuras de um ministro da Defesa que se comporta como advogado da caserna e de uma ministra da Casa Civil que intervém como antiga vítima do arbítrio seriam, evidentemente, estranhas no ninho.
Como o STF não é obrigado a acatar o parecer da AGU, devendo apenas refletir sobre ele, uma solução dessas não alteraria o fundamental: a decisão cabe mesmo é ao Supremo.
Mas, seria terrível para a imagem do governo federal passar recibo da incapacidade de se definir num assunto sobre o qual o mundo civilizado não tem mais nenhuma dúvida.
Aliás, pode-se dizer que não a tinha desde o Julgamento de Nuremberg. As recaídas na barbárie que ocorreram nas décadas de 1960 e 1970 não passaram exatamente disto: de regressões às fases primitivas em que prevalecia a lei do mais forte.
Quanto ao governo federal não falar com voz única, mas por intermédio de quatro vozes conflitantes, isso também seria uma regressão: ao feudalismo, quando os barões brigavam à vontade entre si e o rei não intervinha, só exigindo que todos se conservassem vassalos da Coroa.
* Celso Lungaretti, 58 anos, é jornalista e escritor e ex-preso político. Mantém os blogs O Rebate, em que disponibiliza textos destinados a público mais amplo; e Náufrago da Utopia, no qual comenta os últimos acontecimentos.
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