INQUÉRITO Nº 2468 – DF
AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
INDICIADOS : FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO E OUTROS
RELATOR : Ministro Sepúlveda Pertence
1. Trata-se de ação penal proposta pelo Ministério Público Federal, em 9 de agosto de 2000 (fls. 04/20, volume 01), perante o Juízo da 12ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, contra FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, acusando-o de liderar suposto esquema de corrupção e de distribuição de benesses com o dinheiro público, durante o período em que exerceu a Presidência da República. Além do Senador FERNANDO COLLOR, figuram como denunciados mais 6 (seis) pessoas.
2. Descreve a denúncia que “a conduta dos denunciados consistia no pagamento de propina pelos empresários aos agentes públicos, depositando-lhes valores em contas bancárias nominadas a pessoas inexistentes ou “laranjas” mas efetivamente administradas pelos agentes públicos, pagando em seu nome pensões a filhos oriundos de relacionamentos adulterinos, bem como quitando-lhes faturas de cartão de crédito, empréstimos bancários e despesas de hotéis. Em contraprestação, os agentes públicos, por meio de fraude, intervinham para que aqueles saíssem vencedores em licitações governamentais promovidas para o estabelecimento de contratos de publicidade e de propaganda informal de interesse do governo, os quais serviam, na verdade, para permitir a transferência de dinheiro público aos publicitários” (fls. 3).
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3. Em 21 de agosto de 2000, a denúncia foi recebida pelo Juízo da 12ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal (fls. 3755/3717, volume 14).
4. Devidamente citado (fls. 3858, volume 14), o denunciado FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO foi interrogado (fls. 3859/3864, volume 14), tendo inclusive apresentado defesa prévia perante o Juízo de origem (fls. 3866/3871, volume 14).
5. Em razão da posterior diplomação do denunciado no cargo de Senador da República, o MM. Juiz Federal Substituto da 10ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, respondendo pela 12ª Vara determinou a remessa do feito a esse Supremo Tribunal Federal (fls. 5018, volume 20).
6. Preliminarmente, existem, na hipótese, motivos relevantes que justificam a separação dos feitos, para que passe a figurar como denunciado nesta ação penal apenas o Senador FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO.
7. O processo conta com 6 (seis) denunciados, do que decorre algumas dezenas de testemunhas a serem ouvidas. Na data de hoje, o feito já possui 20 (vinte) volumes e registra dificuldades na intimação das testemunhas.
8. O trâmite do feito perante essa Corte tem como única causa a circunstância de o réu FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO exercer mandato parlamentar.
9. No entanto, essa Suprema Corte tem decidido que a existência de um único réu com prerrogativa de foro, apesar de deslocar o feito para a Corte, não constitui obstáculo à possibilidade de desmembramento do processo criminal. Ao contrário, autoriza a incidência do art. 80, do Código de Processo Penal. Neste sentido, confira-se:
“CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. PENAL, CRIME DE QUADRILHA. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. SEPARAÇÃO DOS PROCESSOS. CPP, art. 80. NÚMERO EXCESSIVO DE ACUSADOS. PREJUÍZO DA DEFESA: INEXISTÊNCIA. I – O fato de um dos co-réus ser Deputado Federal não impede o desmembramento do feito com base no art. 80 do Código de Processo Penal. II – A possibilidade de separação dos processos quando conveniente à instrução penal é aplicável também ao crime de quadrilha ou bando (art. 288 do Código Penal). III. – Agravos não providos.” (AP- AgR 336/TO, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 10.12.2004)
“CRIME FINANCEIRO – LEI Nº 7.492/86 – ESTADO – EMISSÃO DE TÍTULOS DA DÍVIDA PÚBLICA – AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO. (…) COMPETÊNCIA – PRERROGATIVA DE FORO – DEMEMBRAMENTO. A racionalidade dos trabalhos do Judiciário direciona ao desmembramento do processo para remessa à primeira instância, objetivando a seqüência no tocante aos que não gozem de prerrogativa de foro, preservando-se com isso o princípio constitucional do juiz natural.” (AP 351/SC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 17.9.2004)
10. Ainda no mesmo sentido os seguintes julgados, que reconhecem o caráter facultativo da reunião de processos: (HC n.º 73.423/RJ, Rel. Min. FRANCISCO REZEK; PET QO 2020/MG, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, DJU de 31.08.2001; PET 3100/TO, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ 13.04.2004, e AgRgAP 336/TO, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, julgado em 01.09.2004).
11. A separação pretendida contribuirá para a agilidade do trâmite processual, garantindo, inclusive, maior concentração dos atos processuais, além de dificultar o advento da prescrição. Trata-se, assim, de medida em prol da administração da justiça.
12. Assim, requer o Ministério Público, preliminarmente, que seja determinada a separação do processo, para que permaneça nessa Corte, como denunciado, apenas o Senador FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO.
13. Ainda em preliminar, observa-se que a denúncia foi recebida pelo juízo de origem à época em que o denunciado FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO, ex-Presidente da República, ainda não era Senador (fls. 3755/3757, volume 14), nem exercia cargo que lhe garantisse foro por prerrogativa de função. O mesmo pode ser dito em relação ao tempo de seu interrogatório (fls. 3859/3864, volume 14) e da apresentação de sua defesa prévia (fls. 3866/3871, volume 14).
14. Sendo assim, os atos praticados até a remessa do feito a esse Supremo Tribunal Federal são válidos. Neste sentido, confira-se o seguinte julgado:
“ STF – COMPETÊNCIA PENAL ORIGINÁRIA POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO – ADVENTO DA INVESTIDURA NO CURSO DO PROCESSO – INEXISTÊNCIA DE NULIDADE SUPERVENIENTE DA DENÚNCIA E DOS ATOS NELE ANTERIORMENTE PRATICADOS – REVISÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL.
1. A Perpetuatio jurisdicionis, embora aplicável ao processo penal, não é absoluta: assim, v.g, é indiscutível que a diplomação do acusado, eleito Deputado Federal, no curso do processo, em que já adviera sentença condenatória pendente de apelação, acarretou a imediata cessação da competência da Justiça local e seu deslocamento para o Supremo Tribunal. 2. Daí não se segue, contudo, a derrogação do princípio tempus regit actum, do qual resulta, no caso, que a validade dos atos antecedentes a alteração da competência inicial, por força da intercorrente diplomação do réu, há de ser aferida, segundo o estado de coisas anterior ao fato determinante do seu deslocamento (…). 6. A intercorrência da perda do mandato de congressista do acusado, porém, fez cessar integralmente a competência do Tribunal, dado que o fato objeto do processo é anterior a diplomação. 7. Devolveu-se, em conseqüência, ao Tribunal de Justiça de Estado de Rondônia a competência para julgar a apelação pendente, uma vez que a diplomação do réu não afetou a validade dos atos anteriormente praticados, desde a denúncia à sentença condenatória. (INQ 571-DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJU 05.03.1993 – grifo nosso).
15. Com estes argumentos, requer o Ministério Público Federal:
a) o desmembramento do processo, com fundamento no artigo 80 do Código de Processo Penal, para que somente o denunciado FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO seja processado perante esse Supremo Tribunal;
b) a reautuação do feito como Ação Penal;
c) o prosseguimento do feito, com a oitiva das testemunhas arroladas pela defesa, nos termos do artigo 9º da Lei 8.038/90.
Brasília, 23 de fevereiro de 2007
CLÁUDIA SAMPAIO MARQUES
SUBPROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA
APROVO:
ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
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