“Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, tive a honra de ser escolhido pelos nobres pares Relator da Comissão Especial do Impeachment, cujo parecer será votado nesta sessão histórica. Agradeço a confiança em mim depositada, assim como as referências elogiosas que me foram dirigidas por muitos colegas Senadores. Desde logo esclareço, uma vez mais, que não tem o impeachment qualquer conotação penal. Não se está aqui a decidir sobre a liberdade da acusada. O que se procura no impeachment não é punir a autoridade nessa perspectiva, mas proteger a Constituição mediante o afastamento de um Presidente que coloca em risco seus valores fundamentais.
A porção jurídica deste processo, por sua vez, é ponto de partida, e não de chegada. Isso porque é essencialmente jurídico-político o julgamento num processo de impeachment. Na largada, é preciso configurar ilícitos que atentem contra a Constituição, na perspectiva do regime jurídico dos chamados crimes de responsabilidade, o que, na espécie, foi cabalmente demonstrado. Por outro lado, saber se a dimensão das ilicitudes praticadas justifica ou não o impedimento definitivo de um Presidente da República já se insere na porção política do julgamento, que, como sabido, pode considerar todo o contexto e as circunstâncias sociais e econômicas a que o País foi lançado, sem que se admita a ingerência de qualquer outro poder nessa avaliação.
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Permito-me ilustrar esse entendimento pela citação do jurista José Eduardo Cardozo – que gentilmente me citava na semana passada –, em seu artigo em 1996. Diz o eminente advogado, abro aspas:
“Seguindo as linhas de Paulo Brossard, em sua magnífica monografia sobre o tema, temos para nós (que) o “impeachment”, ao menos na forma em que se apresenta na Constituição, não passa de […] uma medida jurídica de cunho eminentemente político. […]
As razões de tal entender nos parecem óbvias. Tem o direito penal [segue o jurista Cardozo] por fundamento da sua existência o exercício do poder punitivo do Estado, afirmado pelas regras jurídicas com o objetivo de retribuir sancionatoriamente à pessoa do infrator a prática do ilícito por ele praticado. […]
Destas características refoge por inteiro o impeachment. [E diz o eminente advogado e jurista:] Seu objetivo, no direito brasileiro, não é o de “punir” um governante delinquente, mas, sim, o de proteger o Estado do agente público que manifestamente esteja a mal administrar a res pública. O regime jurídico que governa tal instituto, em face disso, é completamente distinto do atribuído pela lei aos ilícitos penais e ao processo que destina a sua apuração.” [Fecho aspas.]
No caso presente, tendo sido a Presidente afastada por crimes de responsabilidade fiscal, é preciso verificar se seu retorno ao cargo representaria ou não um risco para o equilíbrio das contas públicas.
Insiste a Defesa na tese do desvio de poder. Alegava-se inicialmente que a real motivação do impeachment na Câmara dos Deputados seria uma vingança liderada por seu Presidente contra o Partido dos Trabalhadores. Tal suposição foi respondida com sabedoria pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, que destacou a inviabilidade de se avaliar as motivações dos quase 370 Deputados que aprovaram o relatório circunstanciado produzido pela Comissão Especial que analisou o assunto naquela Casa, a Câmara dos Deputados.
Repete agora a Defesa a mesma tese, sob o pretexto de que gravações posteriormente divulgadas pela mídia comprovariam ter sido a votação anterior deste Plenário, que recebeu a Denúncia e afastou provisoriamente a Senhora Presidente, maculada pela intenção escusa de se interferir em investigações conduzidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público.
O argumento, uma vez mais, é improcedente, para dizer o mínimo. Imaginar um conluio no âmbito desta Casa, envolvendo mais de dois terços de seus membros, não encontra qualquer amparo fático e atinge mesmo as raias do desrespeito!
Ademais, reitera-se o dizer do Supremo, aspas: “a atuação de Parlamentares no julgamento não está dissociada de coeficiente político. Pelo contrário, está naturalmente imantada por esse elemento típico da atuação parlamentar.”
A primeira imputação à Presidente diz respeito à abertura de créditos suplementares por decreto, sem autorização do Congresso Nacional. A Lei Orçamentária de 2015 condicionava a abertura de tais créditos suplementares por decreto à preservação de sua compatibilidade com a meta de resultado primário fixada pela LDO. Trata-se de uma norma bastante razoável, tendo em vista que a Lei de Responsabilidade Fiscal exige que o próprio Orçamento seja compatível com a meta. Não faria sentido, portanto, autorizar o Executivo a fazer algo que a lei veda ao Legislativo.
O que se comprovou, ao longo da instrução, é que três dos quatro decretos questionados comprometeram a meta vigente em R$1,7 bilhão.
Tal ilegalidade é agravada pelo fato de que, segundo dados da Secretaria de Orçamento Federal, as dotações suplementadas por dois decretos foram empenhadas em montantes superiores aos valores originais da Lei Orçamentária.
A Defesa contesta esse fato, afirmando que o laudo pericial teria indicado resultado diverso. Tal alegação não procede. Em realidade, a despesa pública pode ser classificada por mais de um critério. Ainda assim, registro que a junta identificou 33 ações com empenho superior e 15 ações com pagamento superior à dotação original da Lei Orçamentária, distribuídas por todos os decretos questionados. E a própria Defesa admite, inclusive, à p. 244 de sua resposta à Acusação, que, analisadas as dotações suplementadas por órgão, em dois casos, o empenho foi superior à autorização original da Lei Orçamentária.
Por qualquer ângulo em que se analise a questão, conclui-se, portanto, que não apenas se alterou o Orçamento sem autorização do Congresso, como também se executaram despesas não autorizadas, fato tipificado, inclusive, como crime comum e como crime de responsabilidade autônomo, mas pelo qual a Presidente não responde, por não ser objeto deste processo.
A Defesa da Senhora Presidente afirma que queremos preservar a meta apenas no mundo das ideias, que é como denomina o Orçamento, quando o que importa seria apenas a execução da despesa. A despeito da exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal de que o Orçamento seja enviado ao Congresso Nacional, acompanhado de um Demonstrativo de Compatibilidade com as metas da LDO, insiste a Defesa na interpretação adotada pelo Governo afastado, segundo a qual caberia apenas e tão somente aos decretos de contingenciamento preservar o equilíbrio das contas públicas. A seu ver, o Orçamento não é um instrumento de planejamento e de alocação de recursos escassos, mas uma lista de desejos, entre os quais caberia ao Poder Executivo escolher aqueles a serem executados.
Assim, quaisquer projetos ou atividades poderiam ser incluídos no Orçamento, pois tanto a Lei Orçamentária Anual quanto os créditos adicionais estariam completamente desvinculados das metas fiscais.
Esse raciocínio, data venia, revela um profundo desprezo pelo Parlamento, que estaria livre para brincar de orçamento, sem qualquer consideração à realidade econômica do País. O verdadeiro orçamento, oculto por debaixo da Lei Orçamentária Anual, seria a programação orçamentária e financeira do Executivo, que seria a única responsável pelo cumprimento da meta.
A própria Presidente da República, em depoimento lido por seu Advogado na Comissão do Impeachment referiu-se ao inconveniente das “delongas naturais do processo legislativo” como justificativa para a abertura de créditos suplementares por decreto.
Em contraposição a essa visão obtusa, quero ler e prestigiar mais uma vez o pensamento do caro colega, eminente jurista e Prof. José Eduardo Cardoso, em artigo publicado em 2009, aspas:
“É fato, contudo, que os processos decisórios nos Parlamentos são lentos. E – digamos em defesa do óbvio – é de todo natural que assim o seja. Todo e qualquer processo decisório que percorra caminhos colegiados e plurais para a sua constituição é muito mais lento. Exige sempre debate, respeito às opiniões diferentes, formação de convicções e de maiorias decisórias. Aliás, é uma lei natural, intrínseca aos fatos da vida, que as decisões democráticas sejam muito mais lentas do que as autoritárias.
[Diz ainda o eminente jurista:] “Um déspota ou um ditador pode decidir tudo que quer, com a rapidez que desejar. Consulta quem pretende ouvir, se e quando desejar ouvir antes de decidir. Para ele, a distância entre o querer e a expedição do ato de governo é apenas a distância que existe entre o cérebro e a mão que segura a caneta que firma a assinatura. Não existe pensamento divergente, a necessidade de convencimento do outro ou de formação de maioria. A única obstrução [conclui o eminente jurista José Eduardo Cardozo] que pode existir é a falta de tinta da caneta.”
Os fatos revelados na instrução dão razão ao eminente jurista.
Descobriu-se que o Poder Executivo não fazia uma análise prévia dos pedidos de suplementação que recebia dos órgãos setoriais. Em manifesta contrariedade à literal disposição da lei, limitava-se a inserir um parágrafo na exposição de motivos de cada decreto, indicando que a compatibilidade com a meta seria assegurada a posteriori, mediante o contingenciamento de suas dotações.
Tendo assumido para si toda a responsabilidade peio cumprimento da meta fiscal, o Poder Executivo abandonou por completo, a partir do terceiro bimestre de 2015, a meta vigente em lei de R$55 bilhões e passou a considerar a meta de R$5 bilhões, constante de projeto de lei encaminhado ao Congresso Nacional.
Os resultados dessa violação à lei não têm repercussão apenas abstrata. Apesar de a receita de 2015 ter apresentado uma queda de 6,3% com relação a 2014, a despesa cresceu 2,1%. Em consequência, o resultado primário, que já fora deficitário em 0,6% do PIB em 2014, passou a 1,9% do PIB em 2015, e o resultado nominal, que fora deficitário em 6% do PIB em 2014, foi deficitário em 10,4% do PIB em 2015. O regime de “boca do caixa” adotado pela Senhora Presidente e que a Defesa continua a sustentar como correto elevou a dívida pública em 10% do PIB.
Passemos agora rapidamente às chamadas “pedaladas fiscais” praticadas no âmbito do Plano Safra.
Acusa-se a Senhora Presidente de ter se socorrido de um banco sob o seu controle para financiar despesas de responsabilidade da União, conduta absolutamente vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal. As despesas em questão são equalizações devidas em ressarcimento pelas subvenções concedidas pela União aos produtores rurais e suportadas pelo Banco do Brasil, por meio da concessão de financiamentos a juros subsidiados.
O que se comprovou a partir da prova documental e pericial é que o Tesouro Nacional acumulara passivos, no Plano Safra, da ordem de R$ 10,94 bilhões ao final de 2014, valores aos quais se somaram R$1,13 bilhões a título de atualização e R$3,2 bilhões relativos a obrigações que se tornaram exigíveis em 2015. Os passivos de 2014, por sua vez, tinham origem em obrigações que estavam em atraso e que remontavam a 2008.
Apesar de amplamente questionadas por especialistas, debatidas na mídia e condenadas pelo TCU, as pedaladas foram reiteradas em 2015 e somente foram amortizadas em dezembro daquele ano.
Também aqui o Poder Executivo adotou interpretação manifestamente contrária à Lei de Responsabilidade Fiscal, repetida nessa oportunidade pela defesa da Senhora Presidente. Alega-se não haver qualquer irregularidade no financiamento de despesas primárias por bancos públicos, sob o pretexto de que não estaria caracterizada operação de crédito.
Alega a defesa que não podem os valores cobrados pelo Banco do Brasil ser pagos no mesmo dia, pois se faria necessário proceder à liquidação da despesa, ou seja, verificar se os valores cobrados eram de fato devidos. Consideramos, em nosso relatório, as providências necessárias à liquidação como condicionantes à exigibilidade, no sentido de que as obrigações condicionais se cumprem na data do implemento da condição – ou seja, tão logo ultimado o reconhecimento da obrigação. Não se trata de termo, portanto, vez que caso as tais providências de liquidação não fossem tomadas não seria possível o efetivo pagamento. Reclama a defesa, também, dos 40 dias que estimamos em nosso relatório para que isso fosse feito, questionando a orientação que adotamos quanto à caracterização da liquidação como uma condição para o pagamento, que nada mais é que uma expressa determinação legal. Não aponta, no entanto, qual seria o prazo que entende adequado, quer para a liquidação, quer para o pagamento. Não a condeno por isso. Trata-se de missão impossível. Que critério pode justificar que valores devidos a partir de dezembro de 2008 somente tenham sido saldados em dezembro de 2015?
Outro ponto a que a defesa se apega é o da suposta distinção entre inadimplemento e operação de crédito, chegando a invocar o despacho de um eminente Procurador da República como argumento de autoridade sobre o assunto. Respeito a opinião do nobre Procurador, que analisou o assunto para fins de persecução penal – repito: penal. Considero mais apropriada, no entanto, a opinião do Tribunal de Contas da União, que é o órgão de controle especializado na matéria. Não é o inadimplemento, por si só, que configura a operação de crédito, mas sua reiteração ao longo dos anos, sem que nenhuma das partes tenha adotado qualquer medida para impedir o crescimento das dívidas do Tesouro em face do Banco do Brasil.
Aliás, este foi, precisamente, o entendimento adotado pelo Parecer da AGU, de 31 de março de 2015, elaborado no âmbito do procedimento conciliatório instaurado a pedido da Caixa Econômica Federal a propósito das pedaladas de que era vítima no Programa Bolsa Família. Recomendou-se à Caixa que se abstivesse de suprir com recursos próprios a insuficiência de recursos necessários ao pagamento dos beneficiários. A defesa alega que tal orientação fora dada por cautela, até decisão final do TCU. Tal fato em nada altera o raciocínio desenvolvido no parecer; apenas agrava a conduta da Senhora Presidente, pois quinze dias depois – somente quinze dias – decidiu o TCU, no Acórdão nº 825, de 2015, que as pedaladas fiscais representavam, de fato, operações de crédito vedadas pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
É a conduta das partes que revela o acordo de vontades entre a União e o Banco para que este suportasse, com recursos próprios e por prazo indefinido, as subvenções concedidas aos produtores rurais numa política pública que a Senhora Presidente fez questão de demonstrar sua autoria e seu absoluto controle.
O comportamento do Banco do Brasil é prova cabal da influência indevida da União, na qualidade de acionista controladora. O que explica que uma instituição financeira, credora de mais de R$10 bilhões em atraso, aceite ampliar em 20%, por determinação do devedor, a linha de crédito que originou esse passivo? Por que essa dívida, que acumulava valores devidos desde 2008, nunca foi cobrada em juízo?
O mesmo se diga da atuação do Banco Centrai e da Comissão de Valores Mobiliários. Que influência seria capaz de levar essas instituições fiscalizadoras a se omitirem diante de operações manifestamente ilegais? Como explicar que o Banco Central tenha recorrido a um parecer de 1994 para recusar aplicação a Lei de Responsabilidade Fiscal, que é de 2000? O que justifica sua recusa em lançar como dívida da União valores lançados como ativos no balanço das instituições financeiras?
Não é por outro motivo que a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe, sem qualquer exceção, a realização de operação de crédito entre os entes públicos e os bancos sob o seu controle. A influência abusiva do controlador sobre o controlado fatalmente o levará a ser leniente na concessão de crédito e na cobrança das dívidas em atraso. Se esse tipo de operação já é grave no âmbito estadual, o que dizer da esfera federal, em que não apenas os dirigentes dos bancos, mas também os dos órgãos reguladores são nomeados diretamente pelo Presidente da República e se veem impedidos de recusar suas determinações?
E não se trata de uma suposição teórica. O Brasil passou por uma grave crise bancária na década de 90, decorrente do comprometimento dos bancos estaduais por financiamentos temerários concedidos aos seus entes controladores. Essa crise, que colocou em risco a estabilidade do sistema financeiro, somente foi solucionada pela intervenção da União, que se viu obrigada a resgatar e em seguida privatizar ou extinguir 41 dos 64 bancos estaduais então existentes, a um elevadíssimo custo fiscal.
A Senhora Presidente não nega seu conhecimento sobre o fato de que os decretos de contingenciamento haviam abandonado a meta vigente, substituindo-a por meta constante de projeto de lei. E nem poderia, posto que tal informação consta de documentos oficiais, como o Relatório de Receitas e Despesas relativo ao 3º bimestre e o Relatório de Avaliação do Cumprimento de Metas relativo ao 2º Quadrimestre de 2015, tendo sido confirmada por diversos depoentes que compareceram à Comissão Especial.
A instrução revelou que a Presidente foi advertida pessoalmente pelo Sr. Advogado Geral da União, em abril de 2015, da necessidade de interromper a prática das pedaladas, sob pena de se caracterizar uma “afronta ao TCU”, que condenara essa prática. Tal fato foi confirmado em depoimento prestado pelo ex-Ministro Adams perante a Comissão do Impeachment. Tendo recebido essa orientação, por que a Senhora Presidente não a seguiu?
Mais grave, conforme afirmado pelo Vice-Presidente de Agronegócios do Banco do Brasil, a Presidente coordenou pessoalmente reuniões de preparação do Plano Safra 2015/2016, que elevou em 20% os montantes a serem financiados pelo Banco do Brasil com relação ao ano anterior e anunciou esse fato em concorridas cerimônias realizadas no Palácio do Planalto.
Nega a denunciada ter adotado meta constante de projeto de lei em substituição à meta fixada pelo Congresso Nacional? Teriam seus ministros do Planejamento e da Fazenda ocultado tal fato? Nega a Presidente ter tomado conhecimento da existência das pedaladas, do acórdão do TCU que as considerou ilegais e da orientação da AGU no sentido de que se cessasse essa prática? Por que não determinou imediatamente a amortização desses passivos, após assim orientada pela AGU? Confirma ou não a declaração do então Vice-Presidente de Agronegócios do Banco do Brasil, segundo a qual teria coordenado pessoalmente reuniões de preparação do Plano Safra? As respostas a essas indagações chegaram a partir de depoimentos, documentos e manifestações públicas e notórias da Senhora Presidente.
Aliás, em comício de entrega de casas do Programa Minha Casa Minha Vida, confirmou ela ter feito uso de recursos da Caixa para pagar despesas da União e minimizou a gravidade desse fato por ser a Caixa 100% de propriedade da União. Seria o caso de se perguntar se teria o mesmo entendimento no caso do Banco do Brasil, que conta com milhares de acionistas minoritários.
Percebe-se, claramente, que tanto no episódio dos Decretos, quanto no das “Pedaladas”, a Presidente pretendeu dar continuidade a práticas manifestamente ilegais para sustentar politicamente o início de seu segundo mandato. Agiu, portanto, em claro benefício político e pessoal. Afinal, não seria palatável, em tão pouco tempo, reconhecer que muito do que fora dito até então não passava de um conto de fadas.
O ilustre advogado de defesa fez uso de texto de minha autoria na última reunião da Comissão, em apoio à tese segundo a qual mudanças de entendimento de órgãos de controle devem ser aplicadas prospectivamente e não retroativamente. De fato, esse é o meu entendimento. Considero a segurança jurídica o valor maior do Estado de Direito. Por isso mesmo aguardei pelos acórdãos do TCU que teriam, segundo a Defesa, facultado ao Poder Executivo abrir créditos suplementares incompatíveis com a meta fiscal e dado carta branca para as pedaladas fiscais.
Até o momento, todavia, a defesa da Senhora Presidente não logrou indicar onde estariam esses precedentes. Pretendeu, isso sim, em uma curiosa inversão de papéis, colocar no banco dos réus o TCU e o próprio Congresso Nacional, por suposta omissão na punição de condutas idênticas que teriam sido praticadas em anos anteriores. Trata-se de uma cortina de fumaça que precisa e deve ser dispersada.
O que se questiona no presente processo não são os créditos suplementares enquanto tais, mas sua abertura em violação da meta de resultado primário. Demonstramos em nosso relatório, com base em estatísticas oficiais, que a primeira vez em que isso aconteceu foi em 2014, quando o resultado primário da União entrou em déficit e as metas quadrimestrais passaram a ser descumpridas. Tal ilegalidade foi prontamente apontada pelo TCU no parecer prévio das contas presidenciais de 2014.
Da mesma forma, o que se questiona nas pedaladas não é a colaboração de bancos oficiais na execução de políticas públicas, mas sua manipulação pela União para financiar despesas primárias com recursos dos correntistas e investidores. De fato, hoje sabemos que não se trata de prática iniciada no atual mandato da Presidente Dilma. Constatamos na instrução que os passivos do Plano Safra saldados em dezembro de 2015 tinham origem em atrasos que remontavam a dezembro de 2008. Dados do Banco Central revelam que esse expediente foi empregado também junto a outros bancos oficiais a partir da mesma época.
Ocorre que tais informações somente vieram a público em 2016, quando o Banco Central viu-se obrigado a cumprir o Acórdão 3.297 do TCU, que determinou o registro desses passivos como dívida pública. Tais informações estavam sendo escondidas do povo brasileiro até então. Sequer se dignou o Poder Executivo a listar essa dívida como passivo contingente no Anexo de Riscos Fiscais da LDO. Da mesma forma, em nenhum momento informou o Banco do Brasil ao mercado que os créditos bilionários relativos ao Plano Safra lançados em seu balanço como ativos estavam em atraso de até sete anos, como revelou a Comissão Especial do Impeachment.
A defesa não logrou provar que o TCU adotara orientação coincidente com a sua, mas que o governo da Presidente afastada o fazia. É exatamente por isso que suas contas receberam parecer prévio do TCU pela rejeição em 2014 e que Sua Excelência responde ao presente processo de impeachment.
O trabalho realizado e expresso no relatório me permite concluir que estamos diante de um autêntico caso de irresponsabilidade fiscal. A irresponsabilidade se inicia na prática dos atos questionados e se estende, com todo o respeito que lhe tenho, às próprias teses sustentadas pela eminente defesa.
Pretende o ilustre defensor da denunciada desvincular por completo o orçamento público da realidade econômica. Em lugar de alocar recursos escassos, cumpriria o orçamento o papel de apenas listar desejos, a serem executados se e quando aprouvesse ao Poder Executivo. Pretende-se que os créditos suplementares sejam abertos primeiro, para somente ao final do exercício se verificar se foram ou não compatíveis com a meta de resultado primário – para que, então, a serventia do art. 4º da Lei Orçamentária? Apesar de depositar todas as esperanças de responsabilidade fiscal nos decretos de contingenciamento, a defesa da acusada não explica por que abandonou a meta fiscal vigente em prol de uma meta constante de mero projeto de lei. Oferece a este Senado Federal a tese de que a meta fiscal seja aplicada não prospectivamente, como espera o senso comum, mas retroativamente, para anistiar decretos editados irregularmente.
A mesma postura irresponsável verificou-se no episódio das pedaladas. Fatos como esse já haviam levado nosso País a uma grave crise bancária e fiscal na década de 1990, que só foi superada pelo resgate da União, a um custo altíssimo, dos bancos estaduais, que haviam concedido empréstimos temerários aos governos estaduais e omitiam-se na sua cobrança. O art. 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal foi nela inserido para proibir, de uma vez por todas, essa prática nefasta. Apesar disso, pretende a defesa da Presidente que este Senado Federal, a quem a Constituição atribuiu o controle do endividamento público, aceite com naturalidade que despesas da União em montante superior a 1% do PIB sejam suportadas por bancos sob o seu controle direto!
Até que ponto teria chegado a irresponsabilidade da Presidente afastada caso não tivessem as pedaladas sido coibidas pelo Tribunal de Contas da União? Qual seria o montante da dívida do Tesouro com os bancos oficiais ao final de seu mandato, em 31 de dezembro de 2018? Como explicar aos investidores nacionais e internacionais que dívidas públicas em volume superior a 1% do PIB tenham sido ocultadas da contabilidade oficial?
Não se está aqui a “criminalizar a política fiscal”, como pretende a defesa da denunciada, mas a exigir o respeito ao Estado de Direito no âmbito da política fiscal. O controle parlamentar do orçamento público está na própria origem da democracia e não é dado ao Congresso Nacional abrir mão dessa responsabilidade.
A Lei de Responsabilidade não proíbe quaisquer políticas contracíclicas. Apenas exige que sejam aprovadas pelo Poder Legislativo e executadas com transparência pelo Poder Executivo. O que se rechaça é a usurpação das prerrogativas do Congresso Nacional, a manipulação dos bancos públicos e a fraude às contas públicas. Pela gravidade de que se revestem, essas condutas são, de fato, e por justo motivo, tipificadas como crimes de responsabilidade, razão pela qual estamos aqui a propor o julgamento da Senhora Presidente afastada.
Não se está aqui, também, a raciocinar apenas e tão somente no “mundo das ideias”, da abstração, muito menos com paixão, como sustenta a Defesa.
Planejamento orçamentário e responsabilidade fiscal estão diretamente relacionados a controle da inflação, a saúde financeira, para criar segurança a investidores e, por sua vez, viabilizar empregos. Ao final, é a vida do cidadão comum que paga a conta dos gestores que desprezam o planejamento e a responsabilidade fiscal, em completa violação aos valores insculpidos em nossa Constituição.
Deste modo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, confio que esta Câmara Alta aprove a pronúncia da denunciada, para que ela possa ser julgada em definitivo pelos crimes de responsabilidade que lhe são imputados. Muito obrigado.”
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