Lúcio Lambranho
Em entrevista gravada na biblioteca do Senado Federal, o ex-assessor do Ministério da Saúde Christian Schneider não se limitou a revelar o acordo feito entre o PL e o Palácio do Planalto.
Seu depoimento também mostra como é frágil o controle das despesas feitas por meio dos convênios firmados pelo Ministério da Saúde.
Veja o que ele disse ao Congresso em Foco.
Congresso em Foco – Christian, eu conversei agora há pouco com um dos sub-relatores da CPI, o deputado Júlio Redecker. Ele disse que vai fazer um convite para que você preste esclarecimentos sobre esse seu período no Ministério da Saúde.
Christian Schneider – Perfeito.
Que foi de março de 2004, se não me engano, até sua nomeação na Presidência, certo?
Foi em abril, se não me engano. Em março, eu ainda estava com o deputado Zaratini (PT-SP), como chefe de gabinete. Acho que foi em abril que eu cheguei no Ministério. Na verdade, não foi em abril, mas dez dias depois que estourou a Operação Vampiro. Eu só lembro por causa disso.
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Não sei se você leu a nossa matéria com relação ao senador Fernando Bezerra?
Não li, mas fiquei sabendo que teve a matéria. Em campanha a gente não tem tempo para nada.
São destinações de R$ 3,336 milhões para a Fundação Aproniano Sá, controlada pelo deputado Múcio de Sá, que chegou inclusive a ser indiciado pelos procuradores em Mato Grosso: R$ 1 milhão de emenda individual e o restante de emenda de bancada. E tem uma emenda que ele estranhou muito. São R$ 440 mil para a Fundação Maria Fernandes dos Santos. Essa fundação pertence a Francisco Martins, um ex-assessor do deputado Wanderval Santos.
Chefe de gabinete.
Você conhece?
Conheço. Eu era assessor parlamentar e recebia todos os assessores parlamentares. Inclusive eu tive um atrito pessoal com ele dentro da minha sala no gabinete.
Por quê, Christian?
Porque é uma pessoa muito mal-educada. Só por causa disso.
Ou ele quis fazer alguma coisa com a qual você não concordava?
Não, de jeito nenhum. Foi uma pessoa que chegou lá e queria furar a fila. Tem uma fila para receber. Nossa função é essa. Receber os parlamentares e assessores. Ele chegou lá e foi meio grosso porque na cabeça dele tinha orientações do Palácio do Planalto para a gente atendê-lo. E a gente estranhou que um parlamentar de São Paulo quisesse uma emenda para o Rio Grande do Norte.
Você estranhou isso?
Claro, claro. E não tinha cobertura orçamentária para isso. E quando a gente tem orçamento teria que ter autorização do coordenador da bancada ou ordem expressa do Palácio do Planalto. E eu falei para ele que não tinha condições de atender.
Então por que foi paga essa emenda?
Foi paga porque veio ordem do Palácio do Planalto. Quando você é assessor parlamentar da área-fim, recebe autorizações oriundas do Palácio do Planalto. Quem é para gente atender e como é que a gente deve atender. Agora eu vou te falar. Foi feito um acordo com a bancada do PL para aprovação do orçamento de 2004 para 2005 em que ficou destinado para o Ministério da Saúde nós atendermos R$ 500 mil de emenda, emenda ou recursos extra-orçamentários para cada um dos deputados do PL: R$ 500 mil e eles escolheriam o lugar. E o doutor Martins veio trazer o ofício do Bispo Wanderval.
Francisco Martins?
O Doutor Martins. Veio trazer o ofício do Bispo Wanderval orientando R$ 500 mil para essa fundação.
E aí foi pago depois da comunicação do Palácio do Planalto? Mas antes disso ele teve um atrito com você?
Foi quando chegou a comunicação que era para atender. E foi porque eu falei para ele que não tinha chegado nada do Palácio do Planalto. E ele disse que eu era mentiroso. A coisa foi nesse nível. É uma pessoa que eu repudio e com a qual não tenho a menor pretensão de conversar.
Mas esses R$ 440 mil que foram para essa Fundação Maria Fernandes dos Santos, que é a mesma do Francisco Martins que brigou com você, o senador Fernando Bezerra diz que foi feita uma bandalheira nessa emenda.
Na verdade, não foi feita bandalheira. Como é que funciona a coisa? Quando o parlamentar faz uma emenda, ele coloca estruturação de atenção a saúde no estado X ou Y. O parlamentar tem uma expectativa de direito. E faz a emenda. É uma lei autorizativa e não impositiva, e aí é o poder discricionário do poder executivo que destina para onde vai o recurso. Então a expectativa da bancada do Rio Grande do Norte era que fosse feita uma determinada orientação. E o que aconteceu, por ordem da Subchefia de Assuntos Parlamentares do Palácio do Planalto à época, no atendimento e cumprimento da decisão e ao acordo feito com a bancada do PL? Veio a orientação para a gente atender dentro da emenda da bancada do Rio Grande do Norte o pedido do Bispo Wanderval. Para mim, não interessava se era para Fundação Maria Fernandes ou se era qualquer município do Rio Grande do Norte.
Ou da prefeitura de Martins?
Exatamente. Para mim, isso não interessa. Foi num acordo fechado com a bancada do PL. Inclusive o Palácio do Planalto, talvez nem saiba efetivamente que era para a Fundação Maria Fernandes dos Santos. Simplesmente, para a gente chega: atenção à bancada do PL, R$ 500 mil para cada um dos deputados, acordo da dotação do orçamento de 2005. Cada deputado vem e apresenta o que tem para ser feito.
E com esses R$ 440 mil foi o mesmo…
Exatamente isso. Inclusive não foram R$ 500 mil porque na época havia um corte de 20% em todas as rubricas e convênios feitos no ministério, que não tinha dotação orçamentária para cobrir os R$ 500 mil.
E isso fugiu da alçada do senador?
Completamente. Nada a ver com o senador, que era coordenador da bancada e isso foi uma determinação da Subchefia de Assuntos Parlamentares.
É que as emendas junto ao FNS estavam sob…
A coordenação do senador Fernando Bezerra, pela bancada do Rio Grande do Norte. Isso aí inclusive ele nunca soube disso porque não participou de nenhum acordo desses.
Mas você nunca disse isso para ele?
Por que eu haveria de dizer isso para ele?
Mas ele já era o líder do governo no Congresso.
Não, ele não é do PL.
Mas o partido dele (PTB) é da base do governo.
Mas esses acordos não passam pelo líder do governo. São feitos diretamente com a bancada. Feitos diretamente com o líder do PL e o subchefe de Assuntos Parlamentares à época, Alon Feuerwerker, jornalista do Correio Braziliense.
Foi ele que fez esse acordo?
Ele era o subchefe de Assuntos parlamentares. E nós cumprimos os R$ 500 mil com todos os deputados do PL.
Os R$ 500 mil com todos os deputados?
Claro. Era o acordo do Palácio do Planalto.
Eles (os parlamentares) escolheram a destinação?
Eles escolhem. São rubricas extra-emendas, extra-orçamentários. São rubricas que ou você tira de emendas de bancada ou tira do orçamento próprio do ministério.
E essa foi tirada da emenda de bancada?
Foram tiradas de emendas de bancada. Porque a emenda de bancada é o único cobertor que em alguns estados a gente tem para fazer obras naqueles estados.
O acordo era de R$ 500 mil para cada um dos deputados do PL no Fundo Nacional de Saúde (FNS)?
No Fundo Nacional de Saúde ou na Funasa. Na verdade, é o seguinte. Foi fechado um acordo entre o Palácio do Planalto e o líder da bancada do PL. Na época, eram 52 deputados.
Quem era o líder do PL na época, você lembra?
Eu não sei, mas eu acho que quem estava respondendo era o Wellington Fagundes, do PL do Mato Grosso. Na reunião, ele estava na coordenação. Na época, não sei se era o Sandro Mabel o líder.
Foi ele que conversou com o Alon?
Não sei se foi ele que conversou com o Alon. Foi ele quem levou a bancada para conversar comigo no ministério junto com o secretário-executivo à época, doutor Antônio Alves. E ali, como a gente não tinha rubricas funcionais de programação do ministério, para alguns estados nós não tínhamos recursos. Vamos supor. Estado X tem destinado R$ 1 milhão para aquele estado e o Ministério já investiu R$ 1 milhão. Eu não poderia atender mais R$ 500 mil. O orçamento só previa R$ 1 milhão. Então eu teria que tirar das emendas coletivas. Sejam elas de bancada ou sejam elas de comissão. Então, no caso, o Bispo Wanderval solicitou por ofício. Eu não tive contato com o Bispo Wanderval. Veio o ofício para atender e eu operacionalizava isso dentro do ministério. Quando veio o ofício, eu simplesmente procurei onde eu tinha para atender. É para cumprir. Simplesmente, a gente foi lá e mandou empenhar lá. Foi utilizada a emenda de bancada do Rio Grande do Norte para atender esse acordo da bancada do PL. Isso não tem nada a ver com a bancada do Rio Grande do Norte, não tem nada a ver com o senador Fernando Bezerra, que era o coordenador à época no segmento saúde para a bancada do Rio Grande do Norte.
Das emendas junto ao FNS e à Funasa?
Exatamente.
Lá na ponta o que as fundações dizem é que distribuem uma lista de medicamentos que fazem parte da mesma farmácia popular ou da farmácia básica do Ministério Saúde…
E aí eles estão fazendo dupla função.
E distribuem remédios em Martins (RN), por exemplo, sem farmacêutico e sem local adequado de armazenagem dos medicamentos…
Dai é um outro problema que não diz respeito nem a minha pessoa. Olha só como funciona a prestação de contas no ministério, inclusive para ajudar vocês na questão da Operação Sanguessuga. Porque as pessoas confundem muito o papel do ministério na operação. Não vou dizer que o ministério é um coitado, mas teriam dois segmentos no ministério que poderiam ter algum tipo de envolvimento. Um é o de aprovação de convênios e quem faz isso é a Coordenação Geral de Investimentos em Saúde (CGIS). E o outro é o de prestação de contas, pois cabe ver na prestação de contas se o objeto do convênio foi cumprido ou não. Na CGIS, já está sendo verificado que, em 90% dos casos, os preços não estão superfaturados. Então já está difícil comprovar o envolvimento de alguém nesse caso da CGIS. E na prestação de contas é ainda mais complicado. Porque hoje nós vamos ter aí cerca de 30 a 40 técnicos vistoriando uma série de convênios pelo Brasil. Não é o mesmo técnico que vai lá. Para ele, o cara comprou ambulância, comprou medicamento, apresentou nota fiscal e a ambulância está lá. Para ele, o objeto do convênio foi cumprido. Está OK.
Mas então essa fiscalização é falha?
Mas como é que você vai fazer 5.500 convênios por ano. O Tribunal de Contas da União é que tem que verificar se a licitação foi fraudada ou não. Não é o ministério. Ai é que está o problema. Estão jogando uma pecha para o Ministério da Saúde.
Existe um hiato entre a prestação de contas e a fiscalização do TCU?
O ministério recebe a prestação de contas, que manda para o TCU investigar o caso. E quando não entregou a ambulância, é feita uma tomada de contas especial e a Controladoria Geral da União vai em cima. Agora, quando está lá a ambulância, bateu com a nota fiscal e o objeto do contrato…
E se foi carta convite ou outro tipo de licitação?
Isso aí é um problema.
Do TCU?
Do TCU e da polícia, se houve fraude na licitação. Esse é que é o problema. Aí querem jogar na prestação de contas do ministério, um papel que não é dela. Essa é que é a realidade. Agora se lá dentro tinha gente que facilitava ou não facilitava, cabe à polícia investigar e inclusive não era o meu setor no ministério. Fica difícil eu responder.
Qual era sua autonomia para atender pedidos de parlamentares?
Não era muito grande não. Na verdade eu era o executor das orientações políticas da Subchefia de Assuntos Parlamentares.
Por exemplo: se chegasse um prefeito que recebeu uma emenda de R$ 50 mil para construção de um pequeno posto de saúde. Aí ele pede um complementação até R$ 70 mil para cumprir inclusive as exigências técnicas do ministério…
Fora da minha alçada. Eu atendia às emendas parlamentares. O que entrava de recursos extra-orçamentários, as áreas técnicas, coordenadas pela secretaria executiva [do Ministério da Saúde], atendiam.
Você só encaminhava o pedido?
Exatamente. E, muitas vezes, havia no mesmo convênio recursos de programação do ministério e de emenda. E então a gente fazia o convênio com a parte da emenda e a segunda parte se colocava dependendo de uma autorização da área.
E a questão das senhas?
Não existiam senhas.
Algumas pessoas me disseram que as senhas foram importantes, mas de alguma foram deixaram o processo menos transparente.
As senhas foram colocadas, eu não posso nem falar isso, mas foram colocadas em virtude do relatório da CGU, que já estava vendo alguns problemas.
Na compra das ambulâncias?
Não só na compra das ambulâncias, mas em convênios derivados de emendas de parlamentares. E aí para o ministério ter um maior controle para verificar se o parlamentar estava executando a emenda ou não, nós colocamos senhas pessoais e intransferíveis para os deputados. E eles só podiam pegar a senha pessoalmente ou alguém com um ofício dele com a assinatura.
Mas esse sistema não reduziu a transparência já que um deputado X não pôde mais ver para onde o deputado Y estava mandando os recursos?
Não, ele pode ver. A única coisa é que ele não poderia acompanhar a tramitação das emendas dentro do ministério. Mas o Siafi está ai e pode verificar o que ele quiser.
Mas dentro do ministério esse acesso foi fechado?
Isso foi dentro da gestão dos convênios. Pelo contrário, nós demos foi muita transparência para o processo. Antigamente, o parlamentar, para conseguir a informação, tinha que bater na minha porta para verificar qual era o andamento do processo dele. A gente deu uma chave para ele entrar no sistema. Para ele olhar a tramitação do projeto dele, deputado. É claro que eu não ia dar para o deputado A, que é da mesma região do deputado B, o que cada um estava fazendo. São antagônicos e um ia usar contra o outro alguma coisa. Então isso era sigilo e confidencial. Cada um tinha a sua (senha).
Mas antes era aberto?
Nunca foi aberto. O Siafi é aberto.
O Siafi é aberto para os parlamentares.
Todo mundo. Ao empenho e à ordem bancária todos têm acesso. Agora qual o lugar no ministério a onde está o processo, aquela tramitação burocrática, interessa a quem é o detentor da emenda, à prefeitura ou a à entidade (beneficiada pela emenda). Mais transparência que isso nenhum outro ministério teve. Nunca na história. Eu fui assessor parlamentar no Ministério da Integração, no governo Fernando Henrique, e era muito mais complexa a coisa.
Era mais fechado?
Muito mais.
Essas destinações para a Fundação Aproniano Sá. O ex-deputado Múcio está, segundo vários parlamentares, envolvido até o pescoço com a máfia das ambulâncias. Foi ingenuidade do senador Fernando Bezerra atender a um pedido dele, que era do mesmo partido mas já não era mais parlamentar?
Não é uma questão de ingenuidade. O deputado Múcio Sá era correligionário e era suplente do mesmo partido. Pediu uma ajuda para o objeto da Fundação Aproniano Sá. Isso é normal, todo mundo faz. Eu recebia 90% dos hospitais do Brasil, que vinham bater na minha porta. Desde o Incor em São Paulo, da Fundação Zerbini em Brasília, todos eles batiam na minha porta para pedir recursos. O senador simplesmente falou: "Olha, Christian, está aqui o ofício e uma autorização da bancada do Rio Grande para atender a Fundação Aproniano Sá a pedido do Múcio". Isso é bem transparente, bem claro.
Christian, o que complicou é que o Ronildo Medeiros, sócio do Vedoin, diz que esteve lá negociando com o Múcio uma licitação de cartas marcadas. E disse que naquela eles não iam entrar, pois já tinha recebido dinheiro de uma outra empresa. Mas que entrariam numa próxima já que o senador Fernando Bezerra tinha destinado R$ 2 milhões para lá.
Entendi, mas vou ser sincero para você. Aí falando o depoimento de pessoa que conviveu durante dois anos com o senador Fernando Bezerra no Ministério da Integração Nacional e conviveu muito próximo. Entrei como chefe da assessoria parlamentar, fui assessor especial do ministro, chefe de gabinete substituto, secretário-executivo substituto e cheguei inclusive a assumir o Ministério, como interino, quando ele saiu. Eu coloco a mão no fogo. É uma das pessoas mais honestas que existem neste país. No Ministério da Integração Nacional, era muito mais fácil de fazer qualquer coisa. Eram obras de R$ 100 milhões, R$ 200 milhões, não eram R$ 8 mil.
Aquela denúncia (clique aqui para entender) que fez ele sair do cargo então também era falsa?
Foi feita inclusive uma sessão de desagravo para ele aqui (no Senado). Eu acho engraçado que toda eleição, quando ele tem alguma chance de ganhar, alguém acha alguma coisa para prejudicá-lo. E é muito triste. A família sofre muito. Ele não precisava estar na política. É um grande empresário do Rio Grande do Norte. Eu fico muito chateado porque as pessoas de bem infelizmente são acusadas de determinadas coisas e em épocas complicadas. Quem tem que se explicar em eleição já é meio caminho andado para não ganhar. E isso é muito complicado em um momento político como a gente vive. E vou falar para você. Como líder do governo e eu adjunto no Palácio do Planalto, no Ministério da Integração e no Ministério da Saúde, sequer uma vez ele me pediu alguma coisa que pudesse desabonar sua conduta. Muito pelo contrário. "Christian", dizia ele, "se der algum problema não faça". Ele dava ordem para não fazer.
Mas é distribuição de medicamentos. É ou não é um instrumento político?
Meu amigo, tudo é política. Até o fato de você perguntar para mim essas coisas é da política. O respirar é política. Tudo tem interesse na vida. Uns, por votos. Outros, dinheiro. Essa é a realidade. E se você puder representar seu estado à altura, que você faça a maior quantidade de recursos e de obras.
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