Campos do Jordão, início da noite de sábado, 1º de abril, área externa do restaurante Gato Gordo, em frente ao rio Capivari, estrada que leva ao Horto Florestal da cidade.
Sete pessoas chamam atenção ao chegarem no aprazível local falando muito alto. Entre os vistosos carros que as trazem, destaca-se uma reluzente Ferrari vermelha, que faz grande barulho e rateia até seu ocupante conseguir acomodá-la no acidentado estacionamento de terra batida.
Já no deck do restaurante, o motorista que concluiu a manobra dirige-se a um dos integrantes da ruidosa comitiva: “Está bom aqui, deputado?”. Estava, e logo um solícito garçom junta as mesas no lugar escolhido, bem diante do estreito e manso leito do rio Capivari. O “deputado”, de boné, é Ricardo Rique (PL-PB), que exerceu o mandato de deputado federal até o mês passado, na condição de suplente. Também na suplência, exerceu temporariamente o cargo de deputado nas duas legislaturas anteriores, entre 1995 e 2003 (em geral, substituindo deputados nomeados para funções executivas).
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Um pouco sobre Rique
Rique é um homem rico. É sócio e diretor do poderoso grupo Nacional Iguatemi, que é controlado por sua família. O grupo foi criado por seu pai, Newton Rique. Cassado pelo regime militar em 1964, quando era prefeito de Campina Grande (PB), Newton dedicou-se com grande êxito à atividade empresarial. Primeiro, administrando o banco que já pertencia à família, o Industrial, que o Bradesco comprou em 1970. E, a partir dessa data, investindo em um negócio que se revelaria altamente promissor: os shoppings centers. Hoje, o Nacional Iguatemi é um conglomerado ao qual estão vinculados 11 shoppings, em cinco estados brasileiros (PB, BA, SP, RJ e RS).
Na biografia que mantém em sua página na internet, no portal da Câmara dos Deputados, Rique apresenta-se apenas como empresário. Chegou a cursar Economia na Cândido Mendes, no Rio, entre 1975 e 1978, mas não se graduou. Na página, aparecem entre as propostas legislativas de sua autoria requerimentos para realização de sessões solenes em homenagem ao centenário do ex-presidente das Organizações Globo, o já falecido Roberto Marinho, “aos dez anos da revista Caras” e projeto de lei destinado a anistiar as multas aplicadas pela Justiça Eleitoral no pleito de 2002.
A julgar pelo que está publicado no portal da Câmara, sua produção legislativa concentrou-se na elaboração de pareceres sobre projetos de terceiros. Atuou, sobretudo, na Comissão de Trabalho, onde chegou a relatar proposições ligadas a um tema bastante importante, mas que acabou sendo deixado de lado pelo Executivo: a flexibilização das leis trabalhistas.
Algumas vezes, Rique ganhou as páginas do noticiário político nacional em circunstâncias controvertidas. A CPI do Banestado identificou seu nome entre os parlamentares que fizeram transferências irregulares de recursos para o exterior. Em entrevista a Andréa Michael, da Folha de S. Paulo, em fevereiro de 2005, o então deputado confirmou uma remessa de US$ 300 mil para os EUA, feita em 2001 por meio de doleiro. E justificou: “Fiquei preso em Los Angeles por causa do Bin Laden. Eu estava em um cassino, joguei, perdi e precisava pagar. Tenho renda de R$ 6 milhões por ano. Se o erro foi usar doleiro, então todo mundo tem que ser investigado”.
No passado, foi filiado ao PMDB e ao PSDB, pelo qual recebeu mais de 52 mil votos nas eleições de 2002. Em setembro de 1999, fez uma festa de arromba, em casa alugada no Lago Sul, para marcar a adesão ao partido do então presidente Fernando Henrique. Como registrou a imprensa à época, os jardins foram decorados com colunas greco-romanas e uma imitação do Pantheon, aquele templo romano erguido para preservar a memória dos grandes homens. Entre os convidados, as principais lideranças do PSDB. Os comes e bebes degustados incluíram docinhos em forma de tucanos.
Pouco após a posse de Lula, em 2003, Ricardo Rique entrou para o PL e passou a integrar a base governista no Congresso. Em maio de 2004, participou – junto com outros deputados federais – da comitiva oficial do governo brasileiro durante a viagem que Lula fez à China. Ano passado, chegou a assinar o requerimento pela instalação da CPI dos Correios, mas depois voltou atrás e retirou o nome.
De volta ao Gato Gordo
Mas, voltemos ao restaurante Gato Gordo. Mal Rique se senta, pede uma pizza quatro queijos. O motorista da Ferrari, tratado como Nenê, sugere-lhe um conhaque Macieira. Rique repele imediatamente a idéia, sempre em elevado tom de voz: “Que isso, Nenê? Bebida nacional? Só tomo bebida nacional quando estou na França”.
Pedidos feitos (palmito assado, pizzas, vinho e caipirinha feita com saquê), a conversa engata, permitindo identificar os demais convivas. Nenê se faz acompanhar da mulher, Regina, que, pouco antes de deixar o restaurante, entrega a idade do cônjuge: 58 anos. “Ele está muito bem, não?”, pergunta ela a Rique apenas para este confirmar a veracidade do seu comentário.
Ao lado dela, senta-se uma mulher de cabelos castanhos, forte sotaque nordestino e aparentando algo ao redor de 35 anos, Paula. Nas duas mesas juntadas pelo garçom, a mais nova é uma moça loura, Rosana, mulher do empresário Luiz Rocha Sales, ex-diretor da OAS cujo nome veio à tona no noticiário político recente por aparecer na agenda trazida a público por Fernanda Karina Somaggio, ex-secretária do notório empresário Marcos Valério. Rosana, que acompanha o marido, só não foi a mais discreta do grupo porque a namorada de Rique ficou praticamente muda durante todo o tempo.
Vendem-se “réplicas”
Rique, Regina, Paulinha e Nenê são os que mais falam. Paulinha, de preto, veste calça e blusa Louis Vütton. Conta que namora atualmente um venezuelano, dono de um jato particular que já conduziu várias vezes o casal ao país de Hugo Chávez. Seguindo o padrão de decibéis utilizado por Rique, ela defende, como princípio número um de relacionamentos amorosos, a idéia de que o homem “tem que proceder”. Ao longo da conversação, fica claro que o sentido que a moça dá ao verbo tem a ver com o tamanho do patrimônio financeiro do candidato (a namorado, noivo, marido ou o que for). “Tem que proceder”.
“Paulinha”, como ela é chamada por Ricardo Rique, mora em South Beach, Miami. Ela pronuncia “salbitchi”, acentuando demasiadamente o “bi” e o “tchi”. Conversa vai, conversa vem, Regina conta-lhe como é possível adquirir na capital paulista, a preços módicos, produtos das grifes mais prestigiadas do mundo.
“É uma galeria, perto do Shopping Paulista, que tem tudo de réplica que você imaginar. De bolsa, de tudo. Se você quiser, posso levar você lá. Tem Gucci, Prada, tu-do! Eu vou lá toda semana”. Rosana intervém: “Sabe aqueles joguinhos de videogame? Eu compro por 10, 15 reais. Mando o motorista comprar para os meninos”.
O relato de Regina demonstra que é preciso ciência para lidar com as “réplicas”: “Tem uma mulher que vende essas réplicas que é muito atrevida. Ela me mandou uma vez uma mala cheia de réplicas, mas cobrando um preço que eu reclamei. ‘Como eu vou comprar Prada pelo preço de Prada, sendo que não é Prada?’. Aí ela veio dizer que era uma bolsa que veio com um defeitinho, que ela vendia mil reais mais barato’. Aí é demais, não?”.
Anel de US$ 2 milhões
Rique logo fornece indicações de quanto Paulinha leva a sério o mandamento do “tem que proceder”. Entrega para o grupo o valor de um mimo que a moça ganhou de alguém bastante “procedente”. “Ela adora andar com um anel com uma pedra de US$ 2 milhões lá no Rio e aqui ela não anda!”, censura o político.
Que, minutos depois, está aos gritos: “Ei, garçom!”. Quando o rapaz se aproxima, ele protesta: “Eu pedi quatro queijos, e você trouxe só de queijo. Pega lá minha pizza. Eu estou esperando, meu filho. Pedi essa pizza desde que cheguei aqui!”.
Paulinha continua: “Na Venezuela, eu nem mostro passaporte. Os ministros vão receber no jato”. Regina ataca, com um sorriso atenuando o peso de suas palavras: “Você sabe que você é muito metida? Você é legal, mas é muito metida”. “Sou mesmo”, aceita a outra.
E segue narrando outras peripécias de gente que sabe “proceder”. Cita um ex-namorado, fotógrafo italiano. Fala de alguém que “aluga um andar inteiro de um hotel em Las Vegas”. “É sempre assim. Um andar inteiro, três ou quatro suítes no mesmo hotel. Eu pergunto: ‘Mas, para quê?’ Ele diz que não quer ver gente circulando no andar, fala para eu chamar quem eu quiser”.
“Para uma dessas você não me chama, né?”, provoca Rique.
“Deixa de conversa que eu já chamei você para ir à Rússia e você não foi, e era um momento muito difícil para mim”, devolve Paulinha. Em seguida, aos risos, ela lembra da vez em que encontrou Rique de “pijama de dólar” e “travesseiro de dólar”: “Esse homem estava todo de dólar, e dizia que era em homenagem mim por causa do marido que eu tinha conseguido”.
“Conta barata eu não pago”
Algumas vezes, durante a conversa, veio à tona o nome do ex-presidente Fernando Collor, ao qual Rique e Luiz Salles se referem como se fossem grandes amigos. Eles lembram que a nova mulher de Collor, Caroline Medeiros, está grávida. O parto pode acontecer a qualquer momento, dizem. A certa altura, Salles, sócio de uma empresa de consultoria em São Paulo, pega o celular, na tentativa de falar com o ex-presidente.
Não consegue, e deixa uma mensagem na secretária eletrônica, contando que estava ligando de Campos do Jordão, “com o Ricardo e o Nenê”, e que “todos estão com saudade” e desejam felicidades para “o papai” etc. etc. Toda a mesa escuta em silêncio o empresário até ele encerrar a gravação, pedindo para o ex-presidente dar retorno.
Os amigos celebram a felicidade de Collor e sua nova mulher, a bela Caroline, três décadas mais jovem que o ex-presidente. Comentam que Rosane “está magérrima” e “virou evangélica”. Alguém fala que ela não está namorando e o comentário final sobre o assunto fica por conta de Paulinha: “Também. Quem foi casada com o presidente vai querer ficar com quem?”.
Quando a conta chega, Rique se recusa a pagar: “Trezentos e poucos reais. Conta barata eu não pago”. Nenê se dispõe a liquidar a despesa. Rique continua: “Em Brasília é que é fogo. Um almoço sai por R$ 2 mil, R$ 3 mil. Outro dia, fui no restaurante com o senador Flexa Ribeiro [PSDB-PA] com aquele seu amigo [ele aponta para Paulinha] Antônio…”
Paulinha esclarece: “O Antônio é irmão do Eduardo [Campos, deputado federal e ex-ministro de Ciência e Tecnologia]”. Rique retoma: “Pois é. Ele foi lá na minha casa. Tomamos não sei quantas garrafas de vinho. Aí no restaurante em Brasília, chegou a conta e o Flexa falou: ‘Sou senador, senador não paga’. Eu disse: ‘Então também não pago, que sou deputado’. Aí o Antônio teve de pagar”. Todos riem. Combinam de se encontrar mais tarde na casa de campo de um deles (lá em Campos do Jordão). “Aí a gente toma um vinho na piscina”, anuncia Rique.
Eles vão embora sem saber que estavam ao lado de mesa formada por jornalistas, que registraram com zelo em um guardanapo os diálogos do altissonante grupo que acabara de partir, sem em nenhum momento se preocupar em serem vistos ou ouvidos. Ao contrário. Pelo tom de voz que usaram, pareciam mesmo desejar serem notados.
Antes de sairmos, um dos garçons ainda comenta que “aquele de bermuda vem sempre aqui”. Refere-se a Salles, que já levou ao Gato Gordo o ex-presidente Collor em pessoa, conta o garçom.
Outro lado
Durante vários dias, o Congresso em Foco tentou ouvir Rique. Depois de muitas tentativas e diversos recados deixados com sua assessoria, ele retornou as ligações na noite da última segunda-feira (10). Confirmou o encontro. Esclareceu que Luiz Salles era mesmo o ex-diretor da OAS e que Paulinha é “Paula Amorim, filha de Jorge Batista Amorim, que foi dono do Banorte e um dos homens mais ricos de Pernambuco”.
A ela atribuiu eventuais exageros verbais ao longo da conversa. “Ela falou demais. Essa moça é de família rica, é divorciada de um homem de muito dinheiro e às vezes fala demais. Eu não tinha me tocado, vou até falar para ela ter mais cuidado”, disse, acrescentando que a amiga possui “US$ 100 milhões de patrimônio”.
Questionado se o comportamento que teve no restaurante de Campos de Jordão foi compatível com aquilo que se espera de um homem público, declarou que não se lembrava de ter falado ou feito nada demais. “Foi um almoço entre amigos, um encontro normal”, respondeu.
Sobre as referências a viagens internacionais, jatinhos e congêneres, disse: “Eu sou um sujeito que, graças a Deus, nasci milionário e sou milionário. Vou à Europa seis vezes por ano. Isso não tem nada demais”.
Negou, no entanto, que tenha se referido ao anel de US$ 2 milhões, como o Congresso em Foco testemunhou. “Nunca disse isso. Nunca vi uma pedra de US$ 2 milhões. Eu não disse e se falarem que disse, processo para provar”, afirmou.
O repórter informou que estava presente e que tinha absoluta segurança de que ele falou no anel, sim. Prometeu enviar por e-mail ao ex-deputado os diálogos de que ele (Rique) participou. A promessa foi cumprida no dia seguinte, com o pedido de que o político facilitasse a localização das demais pessoas presentes ao encontro no restaurante, até para lhes dar a chance de se manifestar.
Embora a própria assessoria de Rique tenha cobrado do repórter o envio do e-mail com os trechos dos diálogos, o ex-deputado optou por não fazer mais contato com o site.
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