Lucas Ferraz e Edson Sardinha
A Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor no Distrito Federal abriu ontem (30) uma investigação para apurar as diferenças nos valores das taxas de embarque nos aeroportos brasileiros, apontadas como umas das mais caras do mundo. A Infraero (estatal que administra os aeroportos), a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que regula o setor, e as companhias áreas terão dez dias para explicar os critérios utilizados na definição das tarifas e as razões das divergências dos valores cobrados dos vôos que têm a mesma origem.
A suspeita dos promotores é de que as empresas estejam embutindo na tarifa despesas que, por lei, deveriam ser arcadas por elas mesmas, como taxas de pouso e permanência e de uso das comunicações, ou incluídas no custo da própria passagem. “É algo a ser investigado. O consumidor tem de ser informado sobre a composição da taxa, não pode haver disparidade”, defende o promotor Leonardo Roscoe Bessa, autor do procedimento de investigação preliminar.
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Caso as explicações não convençam a Promotoria, representantes das empresas, da Anac e da Infraero podem ser chamados a esclarecer pessoalmente as razões das diferenças para os promotores. Se forem identificadas irregularidades na cobrança, o Ministério Público pode propor um termo de ajustamento de conduta ou até mesmo uma ação coletiva.
Segundo Bessa, que tomou conhecimento das diferenças pela reportagem, o consumidor que se sentir lesado pode procurar a Promotoria de Defesa do Consumidor no DF para registrar sua queixa pelo telefone 61-3343-9552. “As reclamações, inclusive, serão anexadas à investigação”, disse.
De acordo com o Decreto 89.121/83, que regula a Lei das Tarifas Aeroportuárias (6.009/73), a única tarifa a ser paga pelo passageiro é a de embarque, fixada em função da categoria do aeroporto e da natureza da viagem (doméstica ou internacional). As demais devem ser pagas pela empresa aérea, pelo operador do avião ou ainda pelo consignatário (no caso de cargas).
PublicidadeAssim como na maioria dos países, no Brasil a taxa é cobrada do passageiro por intermédio das companhias aéreas. Mas nem elas, nem as agências de viagem, nem a Anac, nem a Infraero conseguem se entender sobre o assunto. A confusão se dá, sobretudo, nos vôos internacionais.
Nos aeroportos classificados como de primeira categoria, como os de Guarulhos (SP) e Brasília, o valor é de US$ 36, segundo a Infraero – valor equivalente a R$ 75, na conversão referente aos meses de junho a agosto, fixada pela própria estatal. Mas, segundo a Anac, agência que regula a aviação civil, o valor a ser cobrado em aeroportos dessa mesma categoria até 30 de novembro deste ano é de R$ 69.
Valores desencontrados
A variação pode ser sentida pelo cliente na hora de comprar o bilhete. Em um vôo (de ida e volta) em setembro, de São Paulo para Buenos Aires, por exemplo, as duas principais companhias aéreas brasileiras cobram valores distintos nas taxas de embarque, conforme simulação feita há duas semanas pelo Congresso em Foco.
Na TAM, o cliente pagará em taxas o equivalente a R$ 133,52. Na Gol, pagará R$ 75 na ida e R$ 23,98 na volta (total de R$ 98,98). O detalhe é que a taxa de embarque na Argentina é de US$ 31 – algo em torno de R$ 62. O mesmo se repetiu em outras simulações feitas pela reportagem, como num vôo de São Paulo para Nova York. O valor apresentado por uma agência de viagem de Brasília foi menor do que o verificado nas empresas aéreas.
Promotor na área de Defesa do Consumidor no Espírito Santo, Fábio Vello culpa a Anac pelo desencontro de informações. “A grande responsável é a Anac, que não está cumprindo seu papel de fiscalizar. É difícil acreditar que ela não tenha conhecimento disso”, critica.
O presidente da Anac, Milton Zuanazzi, mostrou-se irritado quando indagado pela reportagem sobre o assunto. Questionado pouco antes de uma audiência pública no Senado sobre o motivo das divergências sobre as taxas de embarque, Zuanazzi afirmou que não teria como responder sobre o assunto. “Só sobre taxas de embarque há mais de nove leis na Anac”, limitou-se a dizer.
De acordo com a legislação em vigor, as taxas de embarque não vão para os cofres das empresas. São apenas arrecadadas por elas, que têm a obrigação de repassar o valor integral para a Infraero. A estatal é responsável por aplicar toda a verba arrecadada nos terminais, visando à manutenção das áreas de “embarque, desembarque, orientação, conforto e segurança dos usuários”. A taxa entra para o chamado Fundo Aeronáutico.
O governo, contudo, tem utilizado parte da verba do fundo para alcançar as metas do chamado superávit primário – dinheiro que um governo economiza para pagar os juros de sua dívida –, contribuindo ainda mais para o colapso do setor aéreo.
Na conta do consumidor
Mas por que, então, as empresas chegam a cobrar uma taxa maior do que o estipulado? As explicações variam. “Elas não são obrigadas a cobrar taxas como a de combustível e a de segurança, mas acabam cobrando”, afirma Alfredo Rodriguez, presidente da Junta das Companhias Aéreas Internacionais no Brasil. Essa falta de regulamentação é que leva muitas vezes os clientes a pagar mais do que as taxas de embarque, explica o argentino.
As empresas aéreas precisam pagar à Infraero tarifas de pouso e permanência, entre outras, de acordo com o peso da aeronave e o tempo de permanência no aeroporto. “Elas podem incluir isso no custo da passagem, mas não na taxa de embarque”, contesta Fábio Vello. O promotor adverte que o consumidor pode estar pagando essas despesas duas vezes: no preço da passagem e na taxa de embarque.
Especialista em direito aeronáutico e comercial, o advogado José Gabriel Assis de Almeida diz não ver irregularidades na inclusão de outras despesas nas taxas de embarque. “Não há nenhuma anomalia. As empresas aéreas podem ou não repassar as taxas para os passageiros. É como um produtor de feijão, que decide se vai incluir no seu preço final o que gastou em agrotóxicos ou combustível”, explica o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Ao Congresso em Foco, a TAM deu a mesma explicação. A empresa afirmou que o valor da taxa de embarque citado refere-se também às tarifas de segurança e combustível. “Cobramos tudo que está previsto em lei”, declarou a TAM, por meio de sua assessoria de imprensa. Já a Gol, para justificar o baixo valor da taxa no embarque de volta da Argentina, disse que o passageiro precisaria pagar uma taxa num guichê do próprio aeroporto portenho.
As agências de viagens também se eximem de qualquer culpa sobre a diferença nos valores cobrados. “Elas não colocam um centavo em cima disso. Não somos formadores de preço, não temos como mascarar o valor”, afirma o presidente da Associação Brasileira das Agências de Viagens (Abav) do Distrito Federal, João Quirino Júnior.
Há, contudo, uma reivindicação da Abav. Ela quer que uma parte da verba arrecadada com as taxas seja repassada às agências. O motivo, explica João Quirino, é que as agências de viagens vendem aproximadamente 90% das passagens com destino ao exterior.
Infraero
O novo presidente da Infraero, Sérgio Gaudenzi, disse que ainda “não teve tempo para se informar” sobre todas as questões. “Tudo isso tem de ser revisto. Ainda estou me inteirando sobre tudo, mas vamos analisar essa questão, e com calma”, afirmou. Segundo ele, há “uma reclamação” sobre a demora do repasse do dinheiro arrecadado com as tarifas para a Infraero.
O Congresso em Foco também procurou o Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (SNEA), que não quis se manifestar. Por meio de sua assessoria de imprensa, o SNEA afirmou que não é sua atribuição – nem das companhias aéreas – falar sobre as taxas de embarque. “Esse é um problema da Infraero”, disse a assessoria.
Clique aqui para ver quais são as tarifas aeroportuárias e de quem é a responsabilidade pelo pagamento de cada uma delas, segundo a Infraero.
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