Padre Ton *
Os 300 indígenas que estiveram na Câmara dos Deputados e conseguiram suspender a instalação da comissão especial que será encarregada de oferecer um parecer à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000 viveram um dia para não esquecer.
Na comemoração deste 19 de abril, etnias de todo o Brasil resgataram a oportunidade de ser agentes de seu próprio destino. Saíram da expressiva participação na audiência promovida pela Frente Parlamentar de Defesa dos Povos Indígenas sobre propostas legislativas que julgam afetar a demarcação de seus territórios, como protagonistas de sua própria história.
A ocupação do plenário da Câmara dos Deputados, no último dia 16, foi uma ação política absolutamente legítima, uma vez que os índios não têm representação na Casa, restando a eles a participação direta como única forma de se fazer ouvir. Na Casa em que são feitas as leis que afetam suas vidas.
A pressão de seu ato político resultou no gesto histórico do presidente Henrique Alves (PMDB-RN) de constituir um grupo para passar um pente fino em todos os projetos legislativos que tramitam na Câmara, em sua maioria de iniciativa de parlamentares pecuaristas ou empresários do agronegócio, claramente identificados como tentativa de barrar o processo de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e, até mesmo, reverter demarcações já homologadas.
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Lideranças indígenas terão assento no grupo e, para que produzam bom resultado em tão complexa tarefa, precisam unificar propósitos, manter diálogo com os parlamentares pró e contra mudanças no processo de demarcação de terras indígenas e muito especialmente com o governo.
A Funai precisa dar mais agilidade aos processos administrativos de demarcação evitando casos intermináveis e doloridos, como os que dizem respeito aos laudos e estudos etnológicos envolvendo áreas em que vivem os Guarani Kaiowá, em Mato Grosso do Sul, onde em dez anos foram assassinados 500 índios, dos quais 270 lideranças.
O povo da aldeia Pyelito Kue, por exemplo, comemorou a suspensão da ordem de despejo, no ano passado, mas aguarda a demarcação definitiva de sua área. Enquanto isso, o povo Guarani Kaiowá segue sofrendo toda sorte de violência, extermínio e preconceito patrocinada diariamente pelos próprios agentes do Estado em conluio com fazendeiros da região.
Há morosidade de ações também na Justiça. Em todos os estados, são acolhidas ações que bloqueiam simples medidas administrativas da Funai, como, por exemplo, a produção de um novo laudo sobre delimitação da terra onde vivem os Karitiana, em Rondônia.
A PEC 215 e outras 11 a ela apensadas existem e se alimentam da incapacidade dos poderes da República em responder aos crimes fundiários, da ausência de cooperação e diálogo com os entes federados, da desorganização administrativa e do conflito de competências entre instâncias governamentais e, especificamente tratando-se da Funai, pela histórica inanição que sofre em decorrência de precários orçamentos.
A gravidade desses entraves pode ser superada, em larga medida, com o protagonismo indígena que crescerá na proporção em que as lideranças estiverem unidas e determinadas a um só objetivo, único e indissociável de sua história: a defesa e manutenção dos territórios em que vivem e reivindicam.
A Frente Parlamentar de Defesa dos Povos Indígenas tem a avaliação inequívoca de que poderosos interesses econômicos estão incomodados com a crescente atuação política dos indígenas, porque – na defesa do usufruto de terras da União que tão bem preservam e que, se consultados, permitiriam a exploração de suas riquezas em prol de todos brasileiros –, a demarcação e homologação desses territórios aniquila a possibilidade de sua entrada no mercado fundiário.
Por isso, a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas manterá rigorosa observância à Constituição Federal, que reconheceu os direitos originários dos indígenas às terras ocupadas por eles, inscrevendo o artigo 231, juntamente com outros dispositivos relativos aos índios, no fundamento de um dos objetivos fundamentais da nossa República – construir uma sociedade livre, justa e solidária.
*É deputado federal pelo PT de Rondônia e coordenador da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas.
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