Em sua primeira entrevista após ter deixado a Procuradoria Geral da República, Rodrigo Janot revela angústia com as ameças que têm sofrido e mágoa com a sua sucessora, Raquel Dodge, pela troca da equipe da Lava Jato e por não tê-lo convidado para a posse dela. Janot diz que passou a ser tratado como “vilão” por políticos que querem investigar quem os investigou. “Vão tentar usar todo mundo e tudo contra mim”, diz ele em entrevista exclusiva ao Correio Braziliense.
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O ex-procurador-geral afirma que vai viajar e descansar pelas próximas duas semanas, mas que está preparado para enfrentar as pressões, que tendem a aumentar agora que ele deixou a chefia do Ministério Público. “A notícia que tive é: vai aumentar. A pressão para cima de mim só vai aumentar”, relata. Mesmo assim, diz que não tem temor pelo que o aguarda: “Temer, não (risos)”.
Na entrevista às jornalistas Ana Dubeux, Ana Maria Campos e Helena Mader, publicada nesta quarta-feira, Janot demonstra cansaço, ceticismo em relação ao futuro da denúncia contra o presidente Michel Temer (PMDB) e diz que tem sofrido com pressões. “O nível é muito baixo, chegaram à minha família, à minha filha”, declara, sem entrar em detalhes.
Na entrevista, Janot conta bastidores de sua passagem pela PGR, revela que se sentiu traído e vomitou quatro vezes ao solicitar a prisão do procurador Ângelo Goulart acusado de atuar como agente infiltrado da JBS no Ministério Público. O ex-procurador-geral explica por que aceitou o acordo de delação premiada com executivos da J&F com imunidade penal, decisão considerada controversa no meio jurídico.
Janot também confirma que sua relação com a sucessora não é das melhores. Ele diz que não foi à posse dela por um motivo simples: “Na minha terra, se diz o seguinte: a gente não vai a festa sem convite. Quem vai em festa sem convite é penetra.(…) Para a posse, definitivamente, não fui convidado”.
Leia os principais trechos da entrevista de Janot ao Correio Braziliense:
Ausência na posse de Raquel Dodge
“Na minha terra, se diz o seguinte: a gente não vai a festa sem convite. Quem vai em festa sem convite é penetra.(…) Para a posse, definitivamente, não fui convidado. A gente tratou como seriam colocados os termos no convite. A primeira proposta foi com meu nome: “O procurador-geral da República convida”. Mas o pessoal da transmissão pediu para sair em nome do Ministério Público da União, por e-mail. Eu é que expedi esse e-mail. Mas não recebi convite nenhum. Os convites para chefes dos poderes pediram para que eu fizesse nominalmente. Mandei aos presidentes do Supremo, da Câmara, do Senado, da República, aí sim, um ofício meu, enquanto procurador-geral. Meu mandato terminou domingo, dia 17, até lá eu era procurador-geral. Perguntei se queriam uma transmissão de cargo, mas me informaram que eu não posso transmitir aquilo que eu não tenho mais. Por isso que não fui, porque não fui convidado.”
Constrangimento
“Não sentaria à mesa (com Temer, Eunício e Rodrigo Maia, presentes na sessão de posse da nova procuradora-geral). Mas eu estou na minha casa, as pessoas que têm que se sentir constrangidas, não sou eu. Fiz o meu trabalho. Se tivesse sido convidado, iria, com certeza. Outro detalhe: também não tinha lugar reservado para mim no auditório, não. Eu teria que chegar e bater cabeça para achar uma cadeirinha.”
Trocas na Lava Jato
“Em tese, todos estão preparados para esse tipo de trabalho. É claro que as pessoas têm que trabalhar com quem têm afinidade. Isso é normal. Eu me espantei porque havia ofício formal, com convite para que toda a equipe da Lava-Jato continuasse. Existia um ato formal dela. Houve uma conversa com o pessoal da equipe, em que ela disse novamente que todos estavam convidados. Depois, ela começou a desconvidar.”
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Delação da JBS
“Eu tinha uma escolha de Sofia. Ele chega, nos traz uma demonstração, que foi um pequeno take do áudio, que revelava crimes em curso praticados pelo alto escalão da República. O presidente da República, um senador importante que teve 50 milhões de votos na eleição anterior, um deputado federal, a prova fazia menção a um colega meu infiltrado. Eram crimes gravíssimos e em curso. Tomo conhecimento disso, vejo que tem indicativo de prova. Eles disseram: ‘A gente negocia qualquer outra coisa, menos a imunidade’. A minha escolha de Sofia era: se eu não pego o material que eles tinham, eu não poderia investigar, eu teria que ficar quieto vendo esses crimes acontecerem ou então eu tinha que negociar a imunidade.”
Joesley Batista
“Ele foi mais esperto que ele mesmo. A esperteza capturou ele próprio. A gente tem que deixar muito claro: a colaboração premiada é um instituto novo para a gente, já aprendemos muito. Quando a gente faz um acordo desse, é de natureza penal, a gente está negociando com bandido, bandi-dê-ó-dó. O cara, porque é colaborador da Justiça, não deixa de ser bandido.”
Vilão
“Existem estratégias de defesa. Quando o fato é chapado, quando o fato é mala voando, são R$ 51 milhões dentro de apartamento, gente carregando mala de dinheiro na rua de São Paulo, gravação dizendo “tem que manter isso, viu?”, há uma dificuldade natural para elaborar defesa técnica nesses questionamentos jurídicos. E uma das estratégias de defesa é tentar desconstruir a figura do acusador. É assim que eu vejo. De repente, passo a ser o vilão da história, o dito vilão da história, porque há necessidade de desconstituir a figura do acusador. O que fizeram comigo vão fazer com outros. Tenha certeza absoluta.”
Sofrimento
“É um desgaste danado, você catalisar tudo sozinho… Eu tinha que manter a equipe funcionando até 17 de setembro. Foi tudo muito intenso. Investigações importantes foram chegando maduras nas duas ou três últimas semanas do meu trabalho. Essas investigações dependiam de atos de terceiros também. Para a denúncia da organização criminosa do PMDB da Câmara, tive que aguardar a conclusão do inquérito. O delegado só relatou o inquérito na segunda-feira, um excelente relatório, de mais de 400 páginas, que mostra um retrato da atuação dessa organização criminosa. De um lado, eu tinha que manter a equipe funcionando e tirando deles a pressão para que trabalhassem com eficácia e eficiência. Eu tinha que absorver tudo isso sozinho, não é para criança, não. Não é brinquedo, não. Só pancada. Não é para amador.”
Validade das provas da delação
“Eles esconderam fatos. Trouxeram “A” mas não nos trouxeram “B”. Porque não trouxeram “B”, está contaminado todo o acordo. Só que o fato de ele não trazer o “B” não influencia nem tangencia o “A”. Não contamina. A rescisão me permite continuar usando a prova. Mas dá um gosto amargo, o sujeito não pulou o lado, continuou ao lado da bandidagem.”
Vômito e traição
“Sim (ao ser questionado se vomitou quatro vezes ao solicitar prisão de procurador). É muito triste isso de prender um colega. Tem um crime militar que a gente chama de perfídia. Perfídia é o sujeito que é do teu grupo e que vende esse grupo para o inimigo. Ele passa a ajudar o inimigo a te dar tiro. Esse é o sentimento que deu na gente. A situação é muito ruim, sentir que contaminou.”
CPI da JBS
“A CPI não é da JBS. O relator já afirmou que o escopo da CPI é investigar os investigadores. O escopo da CPI não são os empréstimos da JBS no BNDES. Ninguém falou sobre isso. (…) A imprensa tem que ser muito atuante agora. Essa CPI não pode ser a CPI dos investigadores. Essa CPI tem que seguir o escopo dela. Não é a CPI dos empréstimos do BNDES? E querem investigar quem? Eu? Eu não participei de empréstimo nenhum da JBS. O acordo da JBS foi judicial. Foi homologado pelo Supremo e foi reafirmado pelo Supremo. Como o Congresso pode querer desconstituir isso (…) Vão tentar usar todo mundo e tudo contra mim… Tudo é possível, vão tentar desconstituir a figura do investigador. Não levei dinheiro do Miller nem autorizei ninguém a receber mala de dinheiro em meu nome. Nem tenho amigo com R$ 51 milhões em apartamento.”
Risco para a Lava Jato
“Está cedo para avaliar. É preciso aguardar para ver como a coisa evolui. Se houver risco, não acredito que isso contamine nem Curitiba, nem Rio, nem São Paulo, que já têm investigações com pernas próprias.”
Encontro com advogado de Joesley
“Não era um bar, era uma distribuidora de bebidas. Vou àquele lugar todo sábado. Chego ali, tomo uma cerveja e vou embora para casa. Conheço todo mundo, conheço o dono, o César, desde a época em que ele vendia minhocas, conheço todos os frequentadores. A gente conversa, passa ali meia hora, uma hora. Abriu uma feijoada ali do lado aos sábados que é ótima. Meio dia, em um lugar público, frequentado por um zilhão de pessoas? A conversa não durou 10 minutos, não falamos de trabalho, de nada disso. Falamos de cerveja. Aconselho passearem por lá, tem tudo quanto é cerveja artesanal. (…) Relacionamento da gente com advogado é uma coisa normal. Dos meus amigos que fiz em Brasília quando cheguei há 33 anos, a maioria é advogado. Todo mundo se conhece. E advogado de bandido não é bandido, a gente tem que ter esse relacionamento.”
Temor pela vida
“Temer, não! (risos).”
Divisor de águas
“Tem um momento para mim que foi um divisor de águas. O que deu impulso danado nas colaborações foi a decisão do STF, que disse: condenou em segundo grau, vai para a cadeia. Os caras começaram a fazer conta. A estratégia era empurrar, agora não tem mais jeito. Esse foi, na minha leitura, um dos pontos que gerou essa mudança. Grandes delações também chamaram todas as outras. (…) Não acredito que o STF vai recuar. Seria um prejuízo enorme. (…) Divisor de águas foi a colaboração do senador (Delcídido do Amaral). Ele gravou, os fatos eram gravíssimos, e era um senador, líder do governo. Quando fiz o pedido de prisão, sabia que tinha cruzado o rubicão e que tinha queimado a única ponte atrás da tropa, que não tinha mais recuo. Era só para a frente. Foi um momento de muita tensão, era uma novidade e eu não sabia o que aconteceria.”
Sérgio Moro
“A gente está no meio de um lamaçal, no meio de bandidos, cheiro de podre para todo lado, só tem uma maneira de não se contaminar, a gente tem que ser reto. O Moro é duro, eu fui duro, e tem que ser mesmo. (…) O grupo de Curitiba foi muito importante. O juiz foi muito importante. Uma parte que pouca gente fala, mas que permitiu chegar até agora, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que manteve com firmeza todas as decisões.”
Transformação
“Está mudando. Na minha terra, quando a gente fazia muita traquinagem, apanhava com vara de marmelo, aquela bem flexível. Aquilo na perna dói para caramba. Nós envergamos essa vara e temos que ter cuidado para ela não soltar, senão volta batendo em todo mundo e vai ficar em pé. Estamos nesse ponto de inflexão, a vara foi dobrada, mas não foi quebrada. E essa vara tem que ser quebrada. (…) Com três anos e meio de Lava-Jato, vimos várias conversas não republicanas, malas para cá, malas para lá. Mas seria mais grave sem a Lava-Jato. A vara está envergada, mas não foi quebrada. Tem que ser quebrada.”
Julgamento pela história
“Quero ser julgado de maneira isenta. Se eu errei, que apontem os erros. Se eu acertei, que mostrem os acertos. Só isso.”
Crime e castigo
“Essa história de que a gente prende para ter colaboração, muita gente falava isso, e a gente só mostrava a estatística: 85% são com pessoas soltas. A pessoa só tem medo de ser presa quando comete crime. É crime e castigo, tem até um livrinho com esse nome. A lei diz que a colaboração tem que ser espontânea, voluntária, se não for assim, não pode ser homologada. A iniciativa tem que ser do colaborador, com advogado. Não posso ter conversa escondida com colaborador. A negociação é dura. (…) Diziam que era coisa de X9, de dedo duro. Ele tem que dizer o crime que cometeu, o comparsa dele, como participou desse crime e revelar o caminho da prova. Se imputa falsamente, ele comete crime.”
Áudio rastreado
“Na leitura que fizemos, isso não poderia ter sido um equívoco, foi uma casca de banana mesmo. O ministro Fachin lacrou os 11 áudios, nem nós conhecemos. Eles, com medo de um dos 11 áudios ser um dos que estão recuperados pela polícia, colocaram um jabuti. Lá na frente, quando estourasse o negócio, diriam que entregaram e nós ficamos calados. É óbvio que foi uma armadilha. E como desarma uma armadilha? Coloca luz sobre ela.”
Carrasco de políticos
“Cada um tem que fazer o seu trabalho. O corrupto tem que entender que acabou a era de que nada acontece com ele. Grandes empresários, o poder econômico e o poder político, está todo mundo respondendo igualmente, não é mais a justiça dos três pês.”
Criminalização da política
“Primeiro eu era petista, indicado pela Dilma. Quando viram o meu radar, virei perseguidor de político. Não estou criminalizando a política, estou criminalizando bandido.”
Futuro
“Tenho projetos que quero tocar, não quero sair dessa área de combate à corrupção. As pessoas de fora me pedem para não sair dessa área. Nossa atividade virou paradigma. O Brasil deu um passo gigantesco no combate à corrupção. Mas isso, para o bloco, não é suficiente. Se o Brasil continua esse caminho, e acho que vai continuar, pode começar a exportar corrupção. O bloco tem que caminhar de forma harmônica e as pessoas pedem que eu seja uma voz no combate à corrupção. Na PGR, vou atuar na área criminal do STJ.”
<< A íntegra da entrevista de Janot ao Correio Braziliense
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