O discurso difundido por vários deputados de que não se pode falar em anistia para o caixa dois porque a prática não é reconhecida como crime é duramente atacado pela atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia. Em setembro de 2012, durante uma das sessões do julgamento do mensalão, a ministra criticou o argumento utilizado pela defesa do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, que minimizou o crime de caixa dois admitido por seu cliente, ao afirmar que a prática era generalizada no país.
“Caixa dois é crime e agressão à sociedade”, rebateu.
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“A própria defesa assume isso e tenta dizer: ‘Ora, brasileiros, o ilícito é normal’. A ilegalidade não é normal, senhor presidente. No estado de direito, o ilícito há de ser processado e, se comprovado, punido”, disse. “Portanto, me causou um profundo desconforto mas, principalmente, significou que, se houve ilícito, e se esse ilícito dizia respeito a um partido, a um grupo, essa afirmativa significou que havia outros envolvidos, entrelaçamento”, acrescentou.
Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) à época, Cármen classificou como “grave” a comissão de caixa dois eleitoral. “Acho estranho e muito grave que alguém diga, com toda tranquilidade, que ‘ora, houve caixa dois’ na tribuna do tribunal supremo do país como se fosse algo banal, tranquilo, que se afirma com singeleza. Caixa dois é crime; caixa dois é uma agressão à sociedade brasileira; caixa dois compromete, mesmo que tivesse sido isso, ou só isso; e isso não é só; e isso não é pouco!”, refutou.
Veja o discurso de Cármen Lúcia no julgamento de 9 de outubro de 2012:
Para ela, confessar o crime na suprema corte do país dava a ideia de que o ilícito poderia ser praticado naturalmente entre os brasileiros. “E dizer isto da tribuna do Supremo Tribunal, ou perante qualquer juiz, parece-me, realmente, grave, porque fica parecendo que ilícito no Brasil pode ser praticado, confessado e tudo bem. E não é tudo bem, tudo bem é estar num país, num Estado de Direito, quando todo mundo cumpre a lei”, afirmou.
As declarações da atual presidente do Supremo não são bom presságio para os parlamentares que defendem livrar de qualquer punição políticos acusados de ter praticado caixa dois antes da vigência da nova lei de combate à corrupção, pacote de proposições encabeçado pelo Ministério Público Federal que está em votação na Câmara. Contrário à anistia, o relator Onyx Lorenzoni (DEM-RS) disse ao Congresso em Foco que a ideia era uma “maluquice” que será derrubada pelo Supremo caso seja aprovada e sancionada pelo presidente Michel Temer.
No Plenário da Câmara, alguns deputados recorreram ao jogo de palavras para negar a tese da anistia. “Se está sendo feita a legislação agora para criminalizar o caixa dois, anteriormente não há crime, a lei não pode retroagir. O princípio da anterioridade da lei é claro, e também o da legalidade. Portanto, não há nada de anistia, e sou contra a anistia também”, discursou na sessão desta quinta-feira (24) o deputado Delegado Edson Moreira (PR-MG), um dos apoiadores da emenda que exime “de punições criminais, eleitorais ou cíveis todo aquele que recebeu doação, declarada à Justiça ou não (caixa dois), para fins eleitorais e partidários até a publicação da lei”.
Os deputados aprovaram a toque de caixa regime de urgência para a votação da proposta de combate à corrupção concluída pela comissão especial. Em seguida, sob protesto de parlamentares, o plenário decidiu que todas as votações relacionadas à proposta serão simbólicas, ou seja, sem a declaração de voto por cada parlamentar. Depois de muita resistência e gritaria de opositores da emenda, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que participou das negociações para viabilizar a anistia, decidiu adiar a votação para a próxima terça-feira (29).
O próprio Rodrigo Maia discursou em plenário, pouco antes de anunciar o adiamento da votação, para negar a hipótese de anistia. “Não há anistia de um crime que não existe. Isso é só um jogo de palavras para desmoralizar e enfraquecer o Parlamento brasileiro”, declarou, imediatamente aplaudido pelos pares.
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