Após quatro meses de espera, André Mendonça será sabatinado, nesta quarta-feira (1), no Senado para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). A resistência do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) em pautar a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) trouxe dúvidas quanto a uma possível rejeição de Mendonça pela Casa. Porém, em toda a história da República brasileira só há registros de desaprovações em um único governo: o de Marechal Floriano Peixoto, em 1894.
Advogado-Geral da União, André Mendonça é, atualmente, o nome “terrivelmente evangélico” indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para integrar a Corte. A votação será secreta e entre os parlamentares governistas há expectativa de que ele seja aprovado com média de 42 a 48 votos de uma Casa com 81 pares.
Cinco rejeições em um só governo
Em 1894, o “Marechal de Ferro”Floriano teve nada menos que cinco nomes barrados pelo Senado.
O levantamento é da Agência Senado que aponta, também, para o caso mais emblemático, o de Cândido Barata Ribeiro, que amargou a reprovação quando já atuava como ministro do STF. Na época, o escolhido podia assumir as funções antes de o Senado votar a indicação. Após dez meses julgando processos, Barata Ribeiro foi obrigado a deixar o casarão da Rua do Passeio, no Rio de Janeiro, onde os juízes da alta corte despachavam.
Leia também
O breve ministro Barata Ribeiro foi uma das figuras mais influentes do país. Ele era médico-cirurgião e lecionava na Faculdade de Medicina do Rio. A história também o guarda como expoente dos movimentos pelo fim da escravidão e da monarquia e, mais tarde, prefeito do Distrito Federal (o status do Rio após a queda de dom Pedro II).
Apesar dessas credenciais, os senadores concluíram que Barata Ribeiro não poderia ficar no STF. Isso porque ele não possuía formação jurídica.
Floriano tinha nomeado Barata Ribeiro aproveitando-se de uma brecha na lei. A Constituição de 1891 exigia dos ministros do STF “notável saber” — sem especificar o tipo de saber. Atualmente o texto traz “notável saber jurídico”.
“Mentiria a instituição [STF] a seus fins se entendesse que o sentido daquela expressão ‘notável saber’, referindo-se a outros ramos de conhecimentos humanos, independesse dos que dizem respeito à ciência jurídica, pois que isso daria cabimento ao absurdo de compor-se um tribunal judiciário de astrônomos, químicos, arquitetos”, entenderam os senadores em setembro de 1894.
Para Barata Ribeiro, o “não” dos senadores não era novidade. Em 1893, ele havia passado por um constrangimento parecido. Após meses governando a capital, nomeado por Floriano, o médico foi defenestrado porque os senadores não lhe deram a aprovação. Naquele tempo, também o prefeito do Rio precisava do crivo do Senado.
De acordo com o historiador Marco Antonio Villa, autor de A História das Constituições Brasileiras (ed. Leya), não é saudável que o STF abrigue juízes com passado político:
“Os embates são muito comuns na política, e os rancores acabam ficando. Quem garante que esse ministro vai julgar os casos políticos com a isenção necessária?”, indaga.
A recusa dos senadores não foi exclusivamente técnica. Houve razões políticas. Nem o Senado nem o STF viam Floriano com simpatia. O segundo presidente, que governou de 1891 a 1894, protagonizou episódios de desrespeito às leis e de violência — daí a alcunha Marechal de Ferro.
Sua própria posse foi feita na marra. Como o marechal Deodoro da Fonseca, o primeiro presidente, renunciou menos de dois anos depois de ter sido eleito pelo Congresso, a Constituição previa nova eleição. O vice Floriano atropelou a lei e assumiu o poder.
Por causa da Revolução Federalista, nos estados do Sul, e da Revolta da Armada, no Rio, o presidente pôs boa parte do país em estado de sítio. Isso lhe permitiu prender os adversários com facilidade, sem processos policiais ou judiciais. Vários presos, porém, ganharam a liberdade graças aos habeas corpus pedidos pelo advogado e senador Ruy Barbosa e concedidos pelo STF. Irritado, Floriano ameaçou prender os juízes:
“Se os ministros do tribunal concederem ordens de habeas corpus contra os meus atos, eu não sei quem amanhã dará aos ministros os habeas corpus que eles, por sua vez, necessitarão”, disse o presidente.
Exigência por expoentes para o STF
Depois de Barata Ribeiro, Floriano indicou onze nomes para o STF. O Senado rejeitou quatro. Dois deles também não tinham formação em direito: Ewerton Quadros, general que havia sido decisivo para o fim da Revolução Federalista, e Demóstenes Lobo, diretor-geral dos Correios.
Os outros recusados eram graduados em direito, mas não chegavam a ser expoentes do mundo jurídico: o general Galvão de Queiroz e o subprocurador da República Antônio Seve Navarro. De qualquer forma, nunca se souberam os motivos exatos que levaram o Senado a não aceitar as indicações. As sessões eram secretas, e as atas se perderam. A divulgação do parecer sobre Barata Ribeiro foi exceção.
Sem ter detalhes sobre as sessões do Senado, o jornal O Paiz precisou se desculpar com os leitores: “Não entram cronistas nem repórteres no recinto, os empregados mais familiares da Casa são banidos do local e as próprias paredes pouco ouvem”.
Diz a servidora do STF Maria Ângela Oliveira, autora de um estudo sobre as cinco nomeações recusadas em 1894:
— Apesar dos problemas, não se pode dizer que o método de escolha dos ministros era ruim. Antes, o imperador escolhia livremente os conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça [antecessor do STF]. Depois, a indicação do Executivo para o Judiciário passou a depender do aval do Legislativo. Isso tornou a escolha dos ministros democrática e fortaleceu a independência dos três Poderes.
Constatada a lacuna da Constituição de 1891, todas as Constituições posteriores deixaram claro que os ministros do STF precisariam ter notável saber “jurídico”. O processo no Senado foi aperfeiçoado. As sessões se tornaram públicas, e o indicado passou a ser sabatinado pelos senadores.
Barata Ribeiro era uma personalidade poderosa. A perda dos cargos de prefeito e ministro não lhe abalou o prestígio político. Poucas semanas depois de ser retirado do STF, ele fundaria o Partido Republicano Constitucional. Cinco anos mais tarde, ironicamente, seria eleito senador e passaria a ser colega de muitos dos políticos que lhe haviam negado a prefeitura e o Supremo Tribunal Federal.
> Eliziane Gama deverá ser favorável à aprovação de André Mendonça
Deixe um comentário