Jaci e Oxalá encontraram Emanuel bastante agitado e feliz, mas não estranharam o comportamento de seu amigo. Ele sempre ficava em assumido estado de euforia nas semanas que antecediam ao seu aniversário. Mas não eram o ouro, o incenso e a mirra presenteados por Melquior, Gaspar e Baltazar, ou mesmo a perspectiva de ganhar qualquer outro presente material, as razões da empolgação do aniversariante. Real e modestamente, Emanuel sempre esclarecia que gostava do dia em que a manjedoura de Belém acolheu o seu primeiro contagiante choro, em razão do efeito positivo que provocava nas pessoas.
– E então, amigo? – comentou Oxalá. – Quais as são as suas perspectivas para este Natal?
– Não percebe a empolgação? – brincou Jaci. – Ele e o velho Noel fazem sucesso nesta época do ano.
– Assumo de que gosto do clima natalino. Acho comovente o gesto carinhoso de doação espalhada por infinitos cantos – assentiu Emanuel. – Vibro quando os anônimos e os exageradamente assumidos se unem em comunhão, mesmo que com visões de mundo distintas.
– Eu gosto particularmente dos amigos secretos e ocultos – revelou Jaci. – Neles as amizades e as criatividades são embrulhadas nos presentes, conferindo um toque especial ao já especialíssimo dia.
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– Eu aprecio muito as campanhas natalinas, especialmente as destinadas aos chamados “sem” – acresceu Oxalá. – É raro não encontrarmos uma campanha ou caixinha destinada a provir o Natal dos destituídos de bens ou esperanças. A lógica é simples: os que têm, mesmo que um pouco, ajudam os milhões de “sem”.
– Verdade! As promessas de um “Natal sem fome” e de “criança sem carência ou sem a tristeza pela ausência de um presente” são propostas marcantes do bom espírito natalino – apontou Emanuel – É por isso que gosto tanto do significado do meu aniversário.
– Pena que o milagre do Natal tenha dia e hora para começar e acabar – refletiu Jaci. – Apenas exatas vinte e quatro horas por ano são dedicadas ao esforço universal de amar o próximo.
– É isso mesmo, Jaci – concordou Oxalá. – Dois milênios depois do nascimento de Emanuel, ainda não conseguimos criar um sentimento permanente de solidariedade entre as criaturas que criamos. Os que “têm” e os “sem” continuam se encontrando apenas uma vez por ano.
– Nos demais dias, os “sem-teto” buscam abrigo nas marquises dos palácios, sonhando que seus moradores despertem do sono eterno provocado por uma apatia proposital – suspirou Emanuel. – Sabemos que os “sem-terra”, que não mais sonham em ver a terra dividida, gritam palavras surdas, pois nunca ouvidas. Os “sem-trabalho” ocupam o tempo garimpando os classificados em busca de empregos que não surgem. Os “sem-escola” qualificam-se nos liceus da vida, ainda que esta não tenha sido bem-vinda. Crescem até os “sem-coragem”, que se escondem no anonimato para assacar contra a honra de pessoas dignas. São tantos os “sem” que fico torcendo para que o “com” seja o melhor presente a ser distribuído neste Natal.
– Bem que este Natal poderia ser diferente, não é? Quem sabe o Natal da virada, aquele que, por ser tão bom, se tornou eterno – esperançou Jaci. – Imaginem sermos despertados com gestos de amizade para, à noite, dormirmos embalados pelo sono da solidariedade.
– Essa é uma solução muito boa, Oshupá – assentiu Oxalá. – É só acreditarmos no nosso poder de reinventar o calendário oficial, inscrevendo na folhinha que todo dia é Natal.
– Natalizar diariamente o Natal, é reinventar a própria vida – encerrou, emocionado, Emanuel. – O ter-compartilhado seria o grande presente de Natal concedido à humanidade. Este é o presente que vou querer, eternamente.
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