Em 1987, o genial e saudoso cartunista Henfil dirigiu seu único filme no cinema, cujo título era “Tanga, deu no New York Times?”. O filme não foi um grande sucesso, mas a ideia do título acabou colando, especialmente depois que foi parar numa canção de Jorge Benjor.
Em um país com forte espírito colonizado e com o tal complexo de vira-latas cunhado por Nelson Rodrigues, aparecer nas páginas do principal jornal americano, o New York Times, parece um grande motivo de orgulho. Bem, o Brasil “deu” na edição de hoje do New York Times. Em uma reportagem de capa de jornal e com uma página interna inteira. Poderia ser um grande motivo de orgulho se não viesse a ser um grande motivo de apreensão, tanto por lá, nos Estados Unidos, como por aqui.
Assinada pelo correspondente do jornal no Brasil, Jack Nicas, a reportagem tem como título o seguinte: “A conexão Trump-Bolsonaro ameaçando as eleições brasileiras”. E detalha como os ideólogos de direita americanos ligados ao ex-presidente Donald Trump estariam em permanente contato com a turma aqui ligada ao presidente Jair Bolsonaro, especialmente com seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
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A reportagem do New York Times é mais um capítulo a mostrar como funciona o esquema de estica e puxa, avança e recua, utilizado por Bolsonaro – e por Trump também – decalcado de táticas militares, sobre o qual já falamos por aqui. Bolsonaro tenta estabelecer aquilo que no jargão militar chamam de cabeças de ponte. Trata-se de avançar uma tropa em um ponto estratégico do campo do inimigo. Se o inimigo ceder, avança-se desse novo ponto. Se o inimigo reagir, recua-se.
No Sete de Setembro, Bolsonaro tentou seu avanço mais extremado para alcançar nova cabeça de ponte sobre o território do inimigo no seu discurso de contestar as regras democráticas. A reação do adversário foi fortíssima. E Bolsonaro recuou com a carta que a sua mão escreveu guiada pela mão do ex-presidente Michel Temer. Até então, Bolsonaro tem ficado quieto. Segundo a reportagem do New York Times, essa quietude, porém, não se reflete nos bastidores. E não seria surpresa um novo avanço em busca de outra cabeça de ponte.
A reportagem inicia, na verdade, com um episódio que aconteceu antes do Sete de Setembro. Mais exatamente, ás vésperas. O Congresso Conservador que houve em Brasília no fim de semana antes do feriado da Independência. O congresso foi um esquenta do que houve no Sete de Setembro. E, depois disso, Bolsonaro recuou. Mas o que a reportagem mostra é que as conversas são intensas, até porque os movimentos da direita por aqui não são movimentos isolados.
Publicidade“Para os ideólogos da nova direita, o Brasil é uma das peças mais importantes no tabuleiro de xadrez global”, diz Jack Nicas na sua reportagem. “Com uma população de 212 milhões de pessoas, é o sexto maior país do mundo, força dominante na América Latina e lar de forte comunidade cristã que continua pendendo para a direita”, continua.
Segundo a reportagem, há hoje um movimento mundial das forças conservadoras, que enxerga o país sob Bolsonaro como posto fundamental não apenas para o avanço político de uma ideologia de direita, mas também como oportunidade de negócios para empresários com esse cunho conservador – e o próprio Donald Trump é um deles.
“Para o presidente brasileiro, que busca fugir do isolamento internacional e da queda de popularidade local, o suporte americano é muito bem-vindo”, escreve Jack Nicas. Ele completa: “Trump é um nome de apelo para a direita brasileira e seus esforços para determinar que o sistema eleitoral americano foi fraudado servem de inspiração para Bolsonaro e seus apoiadores”.
A reportagem cita alguns nomes que estariam dando esse assessoramento. Um deles já é nosso conhecido, Steve Bannon, o estrategista da vitória de Trump nos Estados Unidos e que já ajudou Bolsonaro na sua eleição em 2018. Mas outros nomes são citados. Um parlamentar do Partido Republicano, do Tennessee, Mark Green, já teria colocado seus advogados à disposição para discutir no Brasil “políticas de integridade do voto”.
Deu no New York Times: o Brasil é um caldeirão. Que poderá explodir no ano que vem…
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