De tempos em tempos, volta à pauta política o debate sobre a conveniência de o Brasil manter um Parlamento bicameral, com a Câmara dos Deputados e o Senado compartilhando a responsabilidade de legislar no âmbito federal.
É uma discussão que não prospera. Até porque, geralmente, ela se apresenta mais inspirada pelo mesmo equívoco ultraliberal que prega “economizar” com o Poder Legislativo, reduzindo o número de representantes no Congresso — e consequentemente, a pluralidade e representatividade — do que propriamente na natureza do bicameralismo.
Câmara e Senado são duas estruturas indispensáveis na nossa democracia. Cabe à Câmara abrigar a representação plural, diversa e proporcional das forças presentes na sociedade. A missão do Senado é ser a representação dos estados, uma expressão da nossa federação. É verdade que o peso do poder econômico e midiático certamente distorce o espelhamento da real composição e dos diversos interesses presentes da sociedade na representação parlamentar, mas este não é o tema deste artigo.
O que quero debater aqui é a necessidade de se reforçar os papéis distintos e complementares das duas Casas Legislativas no nosso processo democrático e afirmar as atribuições do Senado, vulgarmente descritas como “ser a Casa revisora” do Legislativo Federal — o que, reiteradas vezes gera a expectativa de que nos encolhamos à tarefa de atuar como “Casa carimbadora” de decisões tomadas pelo Executivo — as medidas provisórias — ou pela Câmara dos Deputados.
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Há alguns anos, o desconforto com os sucessivos atropelos de medidas provisórias que chegavam ao Senado a poucas horas de caducarem, obrigando a Câmara Alta a carimbar o texto discutido e votado na Câmara, levou a Mesa Diretora do Senado acordar um rito que exigia no mínimo de prazo para que a Casa examinasse medidas provisórias, preservando sua prerrogativa de alterar a matéria e remetê-la de volta à Casa de origem, sem a pressão do “aprova como está ou a MP cai”.
É o mínimo devido aos representantes dos estados, à expressão da Federação: poder debater, opinar e alterar matérias que tramitam no Senado. Esse rito foi justificavelmente flexibilizado pela pandemia — eram muitas as urgências do povo que precisavam ser atendidas, em uma conjuntura peculiar, quando sequer tínhamos sessões presenciais.
Mas, ainda que a pandemia não tenha acabado, o funcionamento em ritmo de emergência do Congresso acabou. Já retornamos ao debate presencial em Plenário e já contamos com o funcionamento das comissões temáticas e demais colegiados. É hora, portanto, de se encerrar o modelo de “fast track pandêmico” que vigorou no trato das medidas provisórias durante a fase mais aguda da crise sanitária.
Além de ser prejudicial ao Senado, enfraquecido em sua prerrogativa de discutir e propor, é ruim para o Brasil, que deixa de contar com a contribuição tantas vezes fundamental da Casa na formulação de propostas e construção de alternativas. É, também, um instrumento que vem sendo despudoradamente usado pelo governo Bolsonaro, que detesta debate e sonha ainda dispor da varinha de condão do decreto-lei — “Estou mandando, cumpra-se”.
Na normalidade democrática, o Legislativo tem mais do que a prerrogativa de opinar sobre as propostas do Executivo. Essa é uma obrigação da qual não podemos abrir mão em respeito ao povo que nos confere os mandatos. E isso vale para as duas Casas do Congresso Nacional.
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