Uma frase atribuída a Ésquilo, considerado o pai da tragédia grega, diz que “na guerra, a verdade é sempre a primeira vítima”. Nos dias atuais, dois mil e quinhentos anos depois de Ésquilo, estamos nós a constatar quão insofismável é essa afirmação, ao vermos que por meio de cada aparelho celular, somos afetados pela tragédia dos combates contemporâneos que transformam pessoas comuns em fontes de informações que são, em sua maioria, sofrivelmente suspeitas.
Hoje, é cada vez mais difícil separar informação de boato e a verdade segue desatinadamente vítima primeira das guerras de versões e de visões distopicas. Bom lembrar que nas distopias, o Estado normalmente é corrupto, as normas que visam ao bem comum são flexíveis e a tecnologia é utilizada como ferramenta de controle, seja dos indivíduos, do Estado ou de corporações. Desvendar tudo isso nunca foi uma tarefa fácil. E no Brasil da atualidade está cada vez mais difícil.
Para confirmar esse quadro dealentador, basta vermos o que está acontecendo no campo da educação e da pesquisa em nosso País, com levantes coletivos de indignação e pedidos de demissão como forma de protesto às investidas contra os interesses maiores da cidadania.
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Vejamos o que aconteceu no Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão ligado ao MEC que tem a função de elaborar e aplicar o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e avaliar a educação básica e a superior (graduação) no País.
Em outubro, dezenas de servidores do Inep pediram demissão por não aceitarem a interferência governamental no exercício de suas funções. Isso ocorreu às vésperas da realização do Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) e do Enem.
Episódio similar repete-se, agora, na Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) onde seus integrantes decidiram recorrer à Justiça para poder retomar a avaliação dos programas de pós-graduação no País e que denuncia a política de desmonte que a instituição tem sofrido.
Essa ação judicial busca garantir que mais de 4.000 programas de pós-graduação ativos no Brasil possam continuar sendo avaliados à luz da ciência e da lucidez acadêmica. Os membros da Capes querem evitar que os cursos que formam cientistas e que fazem pesquisa em áreas como genética, astronomia ou linguística fiquem às cegas, sem o balizamento definido pelos indicadores da Capes. Ou seja, tempos de trevas, de guerra contra a ciência, onde a verdade se torna uma primeira e definitiva vítima, impactando toda a pós-graduação do País, que vem se desenvolvendo há décadas, sendo baseada em um sistema de notas.
A Capes, que foi criada na década de 1950, assumiu, na década de 1970, o papel de avaliar e reconhecer os programas de mestrado e de doutorado do Brasil a partir de comitês em diferentes áreas do conhecimento, constituindo-se, segundo os especialistas, num dos maiores acertos da nossa política de ciência e de educação superior, com a avaliação feita de forma independente, o que ajudou na postura do próprio sistema acadêmico que passou a se autorregular com aquilo que ele definia ser pós-graduação de qualidade.
Nada menos que 80 pesquisadores de áreas como química e física pediram desligamento da agência, alegando que esse tipo de interferência mina as bases mínimas que a política de ciência e ensino superior do País alcançou nas últimas décadas, já que os critérios desenhados pelos comitês da Capes tornaram-se padrão de qualidade perseguidos pelos programas brasileiros de pós-graduação.
Mais danosa ainda tal interferência porque rompe com o sistema criado pela própria Capes que atribuiu ao desempenho dos programas a distribuição de recursos para infraestrutura e para concessão de bolsas de pesquisa. Quanto melhor o programa, mais verba receberia.
Quero me somar aos que consideram que a violência dessas interferências são simplesmente inaceitáveis.
As instituições federais responsáveis pela avaliação de sistemas de educação do País (Inep e Capes) não podem ser vítimas de um colapso orquestrado de quem quer que seja por não sentir-se à vontade com a bem fundamentada autonomia acadêmica que, muita vezes, desnuda realidades que colocam em cheque posições ou inações de governantes que não conseguem sintonia com as reais necessidades da nossa gente.
Ésquilo defendia que a presença do mal está no próprio homem, sem a interferência divina pregada pela mitologia grega. Sua visão espiritualizada era a principal característica que o distinguia dos demais dramaturgos. Por meio de uma linguagem sonora e metáforas ousadas, tratou de temas humanos, mitológicos e políticos.
Seguramente teria muita dificuldade para descrever o quadro atual da tragédia brasileira.
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