*Nilto Tatto
Em paralelo ao ataque frontal à democracia no episódio do compartilhamento de um vídeo pelo presidente Jair Bolsonaro que incita a participação em ato a favor do fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, um outro assunto acabou em segundo plano diante do crime de responsabilidade praticado pelo chefe do Poder Executivo federal. Trata-se da publicação do Decreto 10252/2020, que altera a estrutura regimental do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
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O decreto praticamente determina o fim das políticas de democratização do acesso à terra e da efetivação de algum tipo de reforma agrária no país. O Incra, autarquia pública cuja missão prioritária era a realização da reforma agrária e de administração das terras da União, passa a ser agora subordinado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), perdendo sua autonomia na formulação de políticas públicas. Agora, o Incra passa a estar submetido aos grupos que dominam a pauta do MAPA, os mesmos que estão patrocinando o maior esquema da história republicana do país de entrega de terras públicas a desmatadores e criminosos ambientais, transformando grandes áreas hoje ambientalmente protegidas em canteiros de obras para lucros de megaempresários.
Essa é apenas uma das facetas nefastas do decreto que esfacela as atribuições do Incra. Em nome de uma suposta racionalização da estrutura e de cargos da autarquia, foram extintas a Ouvidoria Agrária Nacional, instrumento de mediação de conflitos no campo e consolidação de informações sobre tensões iminentes, encerradas ou com potencial de explosão. Renomeada “Câmara de Conciliação Agrária”, na prática, virou uma espécie de ombudsman de serviços prestados pelo Incra, tal qual uma empresa privada.
Os pequenos proprietários de terra, produtores familiares e assentados também são duramente atingidos pelo decreto 10252. Não está mais entre as atribuições do Incra o desenvolvimento socioprodutivo, o que significa o fim dos programas de assistência técnica e de agroindustrialização, tirando dos pequenos produtores o acesso a possibilidades de melhoria em seus processos produtivos. Como a agricultura familiar é responsável por 70% dos alimentos que chegam em nossa mesa, o governo gera um risco de desabastecimento alimentar que seria suprido pelo alimento oferecido por grandes produtores, adeptos de modelos de produção com doses cavalares de agrotóxicos.
Por fim, destaco a lamentável extinção da Coordenação-Geral de Educação no Campo e Cidadania, responsável pela gestão do Programa Nacional da Educação na Reforma Agrária (Pronera), que permitia o acesso de jovens e adultos de assentamentos a cursos de educação básica, técnicos profissionalizantes de nível médio, cursos superiores e de pós-graduação (especialização e mestrado). O Pronera formou milhares de especialistas em diversas áreas que retornaram às suas comunidades com os saberes adquiridos, promovendo o desenvolvimento social, econômico e produtivo nos assentamentos.
O governo Bolsonaro assume cada vez mais que seu papel é de regularização de terras griladas pelo grande latifúndio e o agronegócio. A quem interessa um governo voltado a tão pouca gente? O ódio ideológico injustificável aos movimentos de luta pela reforma agrária, como o MST, maior produtor de arroz orgânico do Brasil e responsável por mostrar a viabilidade de novos modelos produtivos sustentáveis e integrados à natureza, resulta em uma política pública que acaba com direitos do agricultor familiar, pequenos produtores e assentados.
Encerro com essas reflexões no ar e a certeza de que nosso mandato irá lutar e denunciar com veemência esse decreto, lutando por sua anulação. Bolsonaro não tem o direito de destruir o Brasil.
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