Por Luciana Dytz* e Vladimir Ferreira Correia**
Nós, os defensores públicos federais, estamos acostumados a trabalhar na adversidade. Nunca é uma tarefa simples atender as pessoas mais carentes, os excluídos, aqueles que vivem à margem da sociedade e dos direitos básicos à cidadania. Menos ainda num país que teima em excluir e relegar boa parte de seus cidadãos a condições precárias de vida e subsistência, por falta ou má qualidade de serviços de saúde, educação, previdência e proteção social, pela desigualdade de renda, oportunidades, gênero e raça, dentre outros.
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Nos últimos dias, os defensores públicos federais se depararam com mais um desafio. Um acordo firmado entre o Ministério da Cidadania e a Defensoria Pública da União (DPU) atribuiu a nós a tarefa de análise e revisão dos indeferimentos de processos dos milhares de brasileiros que, por motivos diversos, não obtiveram o auxílio emergencial de R$ 600 prometido pelo governo para que possam suportar os duros tempos de pandemia da covid-19.
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Somos solidários aos 41 milhões de brasileiros que tiveram seus pedidos de auxílio emergencial indeferidos. Faremos tudo que estiver ao alcance das nossas capacidades operacionais para assisti-los na proteção de seus direitos.
Na verdade, este assunto já era matéria de atenção e preocupação dos defensores públicos federais bem antes do acordo com o Ministério da Cidadania. Um levantamento no site da DPU mostra que, entre maio e junho deste ano, defensores públicos federais já haviam instaurado 27 mil processos para auxiliar os cidadãos que enfrentaram algum tipo de dificuldade para ter acesso ao auxílio emergencial. Esse número impressionante significa, praticamente, mil processos por dia útil nos últimos dois meses. A DPU também havia sugerido medidas para diminuir a aglomeração de filas em torno de agências da Caixa Econômica Federal e a redução da burocracia para dar entrada nos pedidos de auxílio emergencial.
A parceria com o Ministério da Cidadania suscita, porém, um desafio para o qual a atual estrutura da DPU não tem como responder, por mais boa vontade e disposição inesgotável que possam ter – e têm – os defensores públicos federais.
Para todo o Brasil, a DPU dispõe tão somente de 642 defensores públicos federais. Um cálculo simples demonstra que, se uma fração dos 41 milhões de brasileiros que tiveram seus pedidos de auxílio emergencial recusados procurar o apoio da DPU, cada defensor terá de atender um número impossível – na casa das centenas de milhares – de procedimentos.
A situação agrava-se porque, enquanto os possíveis indeferimentos no Ministério da Cidadania, são feitos de maneira automatizada, a análise dos recursos precisa ser feita direta e pessoalmente por um defensor público. Seria demagógico e enganoso tentar vender à cidadania brasileira, no momento em que talvez mais precise do nosso apoio, que os defensores públicos federais teriam condições de dar vazão a tamanha demanda na urgência em que as respostas são necessárias.
Apesar da luta histórica por sua expansão para todo o território nacional, com capacidade efetiva para a defesa dos direitos dos mais necessitados, a Defensoria Pública da União está presente em apenas 30% dos municípios onde há unidades da Justiça Federal. Ainda assim, a Defensoria tem índices de confiança da população acima de 80% e, no ano passado, foi a única, dentre todas as instâncias governamentais, a não extrapolar o teto de gastos definidos pela Emenda Constitucional 95.
A nova tarefa que foi dada aos defensores públicos federais torna ainda mais justas as demandas da DPU por melhores condições de atender a cidadania excluída ou vulnerável do Brasil. Reiteramos, portanto, junto às autoridades competentes – a começar pelos responsáveis pelo orçamento da Defensoria – o apelo a que nos sejam dados os meios adequados e suficientes para que executemos todas as tarefas que nos correspondam, com a finalidade de proteger e promover os direitos dos desassistidos e despossuídos, dos que para alguns (mas não para os defensores públicos) eram “invisíveis”.
Com a consciência de que o atendimento às necessidades orçamentárias e funcionais da DPU não seguirá o ritmo da necessidade dos cidadãos à procura de seus direitos, nós, os defensores públicos federais, reafirmamos nosso empenho e disposição para seguirmos lutando.
Ao mesmo tempo, e lamentando não podermos fazer mais, sugerimos que sejam procuradas as unidades da Justiça Federal dos municípios para se fazer a atermação dos casos de indeferimento de auxílio emergencial. Outra alternativa seria procurar constituir advogado. Existe um entendimento de que, nesses casos, o profissional pode abrir mão de pedir honorários advocatícios, atendendo de maneira voluntária.
Os defensores têm consciência de seu papel neste momento. Não cruzaremos os braços diante das dificuldades e, quando as ações forem superiores às nossas capacidades de atendimento, daremos sugestões para que os assistidos busquem seus direitos. É nosso perfil, é nosso compromisso, é nossa missão.
*Luciana Dytz é presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais
**Vladimir Ferreira Correia é vice-presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais
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