Na última semana, o cenário político mostrou que temos motivos de sobra para nos preocupar com o estado de ânimo que vai tomar conta do Brasil nessas eleições. Num dia, ouvimos o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, relator da Lava-Jato, pedir proteção policial para sua família, após receber ameaças; no outro, soubemos que a caravana em que viajava o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, pelo país, sofreu um atentado a tiros.
Os episódios aconteceram duas semanas após o assassinato da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro, ainda não esclarecido. O que eles nos dizem sobre como nós, brasileiros, nos comportamos em situações extremas? O que sua análise exige dos formuladores de políticas públicas?
É justamente esse cenário de horrores que temia quando escrevi meu artigo “Eleições 2018 e o direito de escolher as melhores alternativas para o país”, publicado em 13 de fevereiro. Naquele texto, eu apontava a preocupação com o chamado “risco Bolsonaro”. O deputado pelo agora PSL pode não estar em evidência neste momento, mas o fenômeno que ele representa parece ter ganhado força com a elevação da bandeira da segurança ao status de principal preocupação nacional.
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O psicanalista Christian Dunker, em entrevista ao Nexo Jornal, apontou um caminho, ao tratar da relação entre política nacional e angústia pessoal. Dunker explicava que as narrativas mais capazes de dar conta do sofrimento e do medo das pessoas são aquelas que mais geram mobilização popular. Buscamos aquilo que nos conforta e atacamos o que nos incomoda, como se não fôssemos capazes de lidar com o assunto. É como se o inimigo, ou a pessoa que pensa contrariamente a nós, se tornasse a figura do mal de forma ampliada, já que não conseguimos reconhecer o mal em nós mesmos.
“Não é à toa que as grandes instâncias mediadoras estão sendo atacadas: a imprensa, o Judiciário, a universidade, os intelectuais, os artistas, que são profissões que têm por ofício tratar do conflito, tornar o conflito um conflito produtivo. Na hora em que atacamos os mediadores, estamos atacando o que, na verdade, seria o remédio para essa situação”, dizia o psicanalista.
Fica claro, assim, que a violência política resulta da soma da fragilidade da nossa democracia com a imaturidade emocional do nosso caráter. Se diante de um outro que pensa diferente de mim eu só conseguir agir como um adolescente apaixonado, como eu conseguirei me engajar numa construção coletiva?
É curioso falarmos de paixão após a Semana Santa dos católicos. Pela tradição, Jesus Cristo ressuscita após a violenta passagem pelo calvário. Ou seja, para que ocorra a renovação, é preciso que haja antes o sofrimento da paixão. No Brasil, porém, o calvário não tem sido passageiro. O assassinato, a violência e a ameaça contra figuras públicas choca o país inteiro e chega a chamar a atenção da imprensa internacional. Mas quantos crimes assim acontecem todos os dias no interior do país sem que ninguém diga nada, com medo de ser vítima da violência também – especialmente em períodos eleitorais?
Esses episódios de violência trazem à tona contradições da nossa formação histórica, social e psíquica. A construção de um Brasil mais humano passa por cobrar pelos devidos esclarecimentos que precisam ser feitos e pela punição dos culpados em cada episódio, especialmente no caso da vereadora brutalmente assassinada. E mais. Passa também por uma análise subjetiva de como se constroem tipos sociais que acreditam na necessidade de eliminar o contraditório.
O único antídoto à intolerância e à violência do pensamento único é estimular o questionamento. Volto ao Dunker quando diz “não torne inimigo aquele que no fundo é apenas seu adversário. Ele só pensa diferente de você”. Seres humanos pensam, e pensar é fazer perguntas e saber ouvir opiniões divergentes, em nome das formas democráticas de convivência social.
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