Democracia não se confunde com baderna ou anarquia. Liberdade é um conceito complexo. Centenas de autores e filósofos consumiram litros e litros de tinta para discutir as relações entre liberdade individual e convivência social. O senso comum já propagandeou com sabedoria: “A minha liberdade termina onde começa a do outro”. As regras ficam consignadas nas leis, nos valores éticos, nos princípios filosóficos e religiosos vigentes e nos costumes.
A democracia nasceu para limitar o poder absoluto do Rei. Na Constituição e nas leis estão traduzidos os direitos e deveres dos cidadãos, o papel do Estado e as regras do jogo. Representam o pacto de convivência e o contrato social que vão arbitrar as relações entre as múltiplas liberdades individuais e coletivas que coabitam em um mesmo ambiente comunitário.
Digo isso tudo em função do turbulento momento brasileiro, onde somos tomados por certa perplexidade e por um gosto amargo preventivo de que as coisas estão fugindo do controle.
Os caminhoneiros e o setor de transporte têm todo o direito de reivindicar seus legítimos direitos. Mas certamente não têm o direito de bloquear estradas ou tornar a sociedade refém pela ameaça de uma crise de abastecimento. Os policiais civis e militares de Minas e os agentes penitenciários têm absoluta razão em se mobilizar em nome de seus salários.
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Mas, como agentes da Lei e da ordem, devem circunscrever seus movimentos às diretrizes constitucionais, evitando, por exemplo, até mesmo simbolicamente, a quebra do ícone do poder democrático em Minas, que é o Palácio da Liberdade, que não é de um ou outro governador, mas de toda a sociedade, fonte original de todo poder.
Na verdade, caminhoneiros, empresários, policiais e agentes penitenciários, líderes políticos de todos os partidos e toda a sociedade, devemos urgentemente erguer um amplo diálogo nacional para, a partir das legítimas divergências, atacarmos os graves problemas do país e os verdadeiros inimigos da democracia e da sociedade.
A barbárie se instalou em várias cidades brasileiras por dias seguidos. As nossas divergências e disputas se dão na órbita da vida democrática e sob a égide das instituições e republicanas. O crime organizado, não. Vive à margem da ordem constitucional e com regras próprias. Se sente no direito de desestabilizar a convivência social e levar pânico às pessoas. Foram mais de 30 cidades afetadas, mais de 60 ônibus incendiados.
Nosso compromisso primeiro deve ser com pessoas como as moradoras de Uberlândia e Passos, que nas páginas do Tempo, expressaram suas angústias: “Entro no ônibus já olhando para quem vai sentar do meu lado”, “Misericórdia! Estamos apavorados com medo até de sair de casa”.
Ao lado de nossas divergências políticas, ideológicas, corporativas ou setoriais, precisamos estar unidos contra aqueles que agridem a ordem constitucional democrática e querem instalar a barbárie e o caos entre nós.
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