Márcia Denser*
O momento foi o início dos anos 90, com o colapso da cultura brasileira, que até então cultivava o próprio imaginário e tinha orgulho de si, mediante o ataque da globalização e a imposição de seus parâmetros aos quais – agora eu sei – não era necessário render-se, não tão completamente, tal como ocorre hoje. Quem abre mão das suas raízes culturais está condenado à insignificância. É o que a burguesia brasileira está fazendo – detonando culturalmente o país – sempre a serviço do patrão ianque/europeu a quem ela serve como sócio menor. Mas não adianta dizer isso, estou gastando meu latim, as pessoas sabem disso – sabem e não se importam – isso é que é terrível.
Se a literatura é a empresa de conquista verbal da realidade, como definia Cortázar, para o Brasil, país do alheio e do alienado, ela tem uma importância fundamental, porque a função da literatura é materializar a ascendente e sucessiva tomada (conquista!) da consciência coletiva – da literatura e da realidade –, para que a apropriação de fato – da história e do território – se consume.
Existe uma fascinação quase mórbida para com os efeitos e produtos da globalização, o cara fica tão fascinado, achando que não é mais brasileiro – já não é necessário “ser brasileiro” – não existe mais estado-nação, etc.etc. Bobagem. Os norte-americanos, os ingleses, os franceses, os argentinos, os iraquianos continuam preservando integralmente suas tradições culturais. Ninguém existe como tabula rasa, está inevitavelmente ligado a algo que veio antes, a começar da própria língua. Esse desmanche cultural, a pretexto de globalizar-se, é suicídio.
Uma vez que o escritor só tem a língua-mãe como instrumento, para ele é fundamental saber trabalhar com sua língua, e isso significa trabalhar com suas tradições culturais. A partir do momento em que o escritor se desenraiza, ele se torna irrelevante, não só aqui como em toda parte. Por outro lado, é preciso entender que crítica e criação são uma só e mesma coisa. Porque a literatura só avança, se desenvolve e amadurece quando as obras são lidas, relidas, criticadas e discutidas. Os textos precisam ser avaliados, colocados na berlinda, o diabo, o que não pode de forma alguma é prevalecer o presente estado de coisas, amorfo, anômico, acrítico.
Será que a crítica da cultura e da literatura agora se resume em “exercícios de insinceridade estética”, que é como se podem definir resenhas/matérias/critérios de premiação/badalação publicados e praticados atualmente?
Pior que o pensamento único dominante é a própria ausência de pensamento que contamina os contemporâneos e suscita a generalização da cretinice e do oportunismo político enquanto embota a percepção, donde a falência da elite intelectual que parece ter desistido ao mesmo tempo do Brasil e da reflexão sobre o processo histórico
É importante captar a pulsação do espírito de época (ou da falta de espírito de época) porque essa "insinceridade cultural” praticada a torto e a direito, de efeitos catastróficos a longo prazo, é produto da Censura Econômica a que se sujeitou o ser humano que, ou se acanalha ou morre de fome, mandando, de passagem, para o diabo toda a literatura e a liberdade para escrevê-la.
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