Márcia Denser *
Acaba de ser lançado Poder Global (Boitempo, São Paulo, 2007), do cientista político José Luís Fiori, uma coletânea de 50 artigos para se entender geopolítica de uma vez por todas. Com erudição e isenção (duas qualidades que não costumam andar juntas e muito menos reunidas na mesma pessoa) e uma ausência absoluta de ilusões (sejam quais forem), Fiori desvenda os mecanismos que, interna e externamente, longe e perto, determinam o funcionamento do “sistema mundial moderno” desde o século 16 até nossos dias, um universo movido pela competição e pelas lutas entre Estados e economias, que são obrigadas a se expandirem eternamente para não entrarem em colapso.
Segundo o autor, a expressão “poder global” significa um modo de olhar e analisar o sistema político e econômico mundial que privilegia o movimento, o conflito e as contradições que movem esse sistema, impedindo sua estabilização e qualquer tipo de “paz perpétua” ou “governança estável”.
Dois aspectos são fundamentais no pensamento de Fiori:
1) O sistema capitalista necessita de conflito (competição e guerra) para não entrar em colapso;
2) O que determina o fim da crença na abolição das fronteiras e na possibilidade dum comércio mundial “estável”.
Utopias não se enterram. Por definição, elas são eternas, não foram feitas para serem realizadas. Por isso, permanecem através dos séculos como um objetivo inalcançável, como o sonho liberal do desaparecimento das fronteiras econômicas nacionais e da possibilidade de uma paz cosmopolita eterna, conceito que se mantém vivo desde o século 17. Um sonho que marcou toda formação e expansão colonial do sistema político e econômico europeu.
PublicidadeAlgo muito diverso, contudo, é a ideologia da globalização, que confunde, intencionalmente, a existência de uma força internacionalizante dentro do sistema capitalista com a possibilidade e a defesa do desaparecimento das fronteiras econômicas
nacionais. Uma ideologia que sempre foi esgrimida, ao longo da história, pelas potências ganhadoras e que sempre serviu de chave de entrada, pretexto e conquista de economias mais fracas e periféricas.
Fundamental é ter claro, dum ponto de vista realista, que a globalização, vista como ponto de chegada em que desapareceriam a competição e a luta entre Estados e economias nacionais, seria a negação do sistema político moderno e o colapso do sistema capitalista, porque significaria o desaparecimento do próprio motor que alimenta a expansão do poder e da riqueza do sistema.
Nenhum superpoder nunca será capaz de estabilizar o sistema mundial, porque ele mesmo precisa da competição e da virtual guerra crônica para continuar a definir-se “superpoder”. E, em nome dessa expansão eterna, é o próprio poder hegemônico – caso atual dos Estados Unidos – que inventa competidores e adversários porque não pode crescer e se manter sem ter concorrentes, por mais que seu poder pareça absoluto e incontestável. A globalização incentiva a nacionalização, fomenta o surgimento de poderes e economias nacionais.
Assim, o poder hegemônico norte-americano, o terrorismo, o narcotráfico e o desemprego estrutural são praticamente quadrigêmeos!
E vem mais por aí! Próxima coluna continuamos com Fiori e o desvendamento da geopolítica. Cuja eitura só não aconselho se você ainda acredita em Papai Noel.
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