Rogério Schmitt
O Congresso Nacional decidiu não mais permitir que deputados e senadores apresentem emendas estranhas ao conteúdo das medidas provisórias que são editadas pelo Palácio do Planalto. A iniciativa é um passo na direção correta, mas também pode gerar alguns efeitos políticos não antecipados.
Essa já é a segunda alteração no rito de tramitação das medidas provisórias adotada pelo Congresso nesse semestre. Já estava em vigor a “flexibilização” do trancamento da pauta de votações do plenário. Graças a ela, a Câmara vem realizando sessões deliberativas extraordinárias para aprovar projetos que não poderiam ser apreciados nas sessões ordinárias de votação.
A última novidade é que as emendas apresentadas pelos parlamentares às medidas provisórias do governo somente poderão versar sobre o(s) mesmo(s) assunto(s) que consta(m) do texto original de cada MP. Assim, em medidas provisórias que tratem, por exemplo, da liberação de créditos extraordinários para algum órgão federal, não serão admitidas emendas concedendo isenções fiscais a um determinado setor da economia.
O chamado “contrabando” de emendas era mais comum do que se pensava. Muitos projetos individuais dos congressistas que tramitavam lentamente nas comissões técnicas acabavam se transformando em emendas que eram “penduradas” às medidas provisórias do governo. Essa era uma maneira de recuperar o tempo perdido.
Essas duas boas iniciativas do Congresso em relação às medidas provisórias não dependeram de nenhuma mudança na legislação, e resultaram tão somente de atos normativos das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado. No fundo, as novas regras sinalizam uma real (e bem vinda) disposição do Congresso em limitar cada vez mais o poder de iniciativa legal do Executivo.
No entanto, o banimento do contrabando de emendas parlamentares nas medidas provisórias também criará incentivos de outra natureza, que por sua vez produzirão algumas conseqüências legislativas não antecipadas a priori.
Não é preciso muito esforço para perceber que os parlamentares perderão o principal “atalho” de que dispunham para aprovar rapidamente os seus próprios projetos individuais. O inevitável acúmulo desses projetos na lista de espera das comissões e do plenário deve gerar, ao longo do tempo, uma pressão crescente pela criação de novas brechas regimentais que substituam o contrabando de emendas através das medidas provisórias. A parte mais irônica da história é que – graças à primeira mudança mencionada acima – esses projetos sequer poderão ser votados nas sessões extraordinárias com pauta flexibilizada (por se tratarem de legislação ordinária).
Essa contradição aparente entre as duas iniciativas adotadas até aqui pode, na verdade, ser um incentivo para que o Congresso prossiga em sua tarefa de disciplinar a edição de medidas provisórias pelo governo. Aliás, essa vem sendo também uma preocupação do Supremo Tribunal Federal. Estariam as MPs condenadas a desaparecer totalmente no futuro? Os candidatos ao Palácio do Planalto em 2010 talvez devam considerar esse cenário como plausível.
P.S.: Sugiro aos leitores que discordaram da minha coluna da semana passada que experimentem ler novamente o texto, mas desta vez ignorando o título obviamente provocativo que utilizei. Eles perceberão que a “volta por cima” do Congresso era muito mais uma hipótese a ser investigada do que um diagnóstico conclusivo. Os dados empíricos que apresentei ainda não foram seriamente contestados.
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