Marina Pita
O jornalismo no Brasil não pauta política. A preferência, especialmente do jornalismo televisivo, é pelas questões morais. O único problema é a corrupção, o uso privado de recursos públicos, o conflito de interesses escancarado. Aquilo que pode separar os políticos entre bons e maus, simples de entender e convencer. Neste contexto, vale observar o caso, apurado e publicado pela Folha de S. Paulo semana passada, de conflito de interesses, envolvendo o atual chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), Fabio Wajngarten, sócio de empresa que recebe recursos das empresas de comunicação, sendo uma de suas responsabilidades orientar a aplicação de vultuosos recursos justamente nestas empresas. Faz parte do bom jornalismo fazer denúncias. Mas, quando não se vai além do mal feito individual, escamoteia-se a discussão política. Aos poucos, a conta gotas.
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A opção do jornalismo nacional pelas questões morais, fenômeno identificado e descrito por Renato Janine Ribeiro em publicação do Ministério da Cultura, em 2001, é relevante para entendermos por que o país pode até crescer, mas não supera as desigualdades estruturais. No caso do escândalo em questão, o do secretário especial de Comunicação Wajngarten, é possível identificar este tom. Certamente é um caso relevante de possível conflito de interesses, que merece a devida apuração. Mas, apurados os fatos e punidos os que tiver de punir pela lei. O que sobra?
Sobra a discricionariedade com que se aplicam os recursos do poder Executivo Federal em publicidade. E este debate não ganha o devido espaço, apesar da urgência de que seja feito amplamente – nos meios de comunicação de massas, inclusive.
O modelo de distribuição de verbas pelo Executivo Federal baseia-se na Instrução Normativa nº 7 da Secom, de 2014. A IN aponta (Art 7°) como diretrizes para a publicidade oficial “usar critérios técnicos na seleção de meios e veículos de comunicação e divulgação; desconcentrar o investimento por meios e veículos e valorizar a programação de meios e veículos de comunicação e de divulgação regionalizados”.
E, no entanto, ao definir quais são os critérios técnicos a serem utilizados para planejamento de mídia, a IN, limita-se a apontar pesquisas e dados técnicos de mercado, a necessidade de consideração da audiência auferida por dado de mercado e a orientação para programação abrangente. Bem genérico. A IN centra-se na importância de os órgãos federais apontarem dados que justifiquem as suas opções do plano de mídia, algum dado, algum.
Deve ter sido um avanço, em 2014, esta IN. Mas não tem se mostrado suficiente.
Em meados do ano passado, o Tribunal de Contas da União abriu um processo para investigar quais são os critérios adotados pela Secom de Jair Bolsonaro para a partilha das verbas de propaganda, após o UOL identificar aumento de 63% nos gastos do governo com propaganda no primeiro trimestre de 2019, em comparação aos três primeiros meses de 2018.
Agora, após a denúncia de que haveria conflito de interesses em Wajngarten estar à frente da Secom e, ao mesmo tempo, se beneficiar em negócios com empresas de comunicação, o Ministério Público de Contas, que atua perante o TCU, vai pedir à corte que obrigue a Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República) a distribuir as verbas de publicidade do Governo Federal com base em critérios técnicos, segundo reportagem da Folha de São Paulo. Em entrevista à Folha, o procurador Lucas Rocha Furtado declarou que a Secom não tem seguido critérios de audiência. Emissora mais assistida, a Globo recebeu em 2019 uma fatia da verba publicitária menor que a da Record e a do SBT.
Mas, se observada a IN 7, não há obrigação de dar mais recursos a quem tem mais audiência. Inclusive, a literatura é rica em questionamentos sobre quais seriam os critérios para investimento em publicidade, sendo apontada, por Venício Lima, por exemplo, a necessidade de proteger e garantir o pluralismo político e a liberdade de expressão de forma ampla, sendo que o critério audiência, unicamente, pode conduzir à homogeneização do discurso político e sustentar o controle histórico da liberdade de expressão por oligopólios de mídia. A questão é complexa e não cabe no “mocinho x bandido”.
Nos corredores de Brasília, os que se esforçam para evitar a polarização política argumentam que os governos do Partido dos Trabalhadores (PT) faziam o mesmo, direcionavam recursos para veículos alinhados. Como se fosse possível justificar uma coisa com a outra, ainda que se provasse alguma orientação dos governos de Lula e Dilma para além de maior diversidade de distribuição de verbas.
Por essas perspectivas, os debates giram em torno do “bom político” versus o “mal político” ou “política é assim mesmo, não tem jeito”. A resposta, sob estes ângulos, tão fartamente apresentados pelo jornalismo nacional, só pode ser a busca pelo salvador imaculado (ainda que de boca suja) ou a negação da política e dos políticos. Não podemos seguir por qualquer destas rotas. Maniqueísmos e populismos não encurtaram o caminho para reduzir o abismo da desigualdade brasileira. Pelo contrário. É premente ampliarmos o debate – e o jornalismo tem um papel a cumprir aí – sobre política, para além dos debates morais.
O movimento de comunicação e veículos de comunicação pequenos e independentes – alguns que já receberam verbas públicas, outros não – vêm historicamente defendendo a regulação, por processo amplo e transparente de debate, da destinação de verbas publicitárias pelo Estado. O critério de audiência é importante — anúncios precisam ser vistos -, mas outros critérios devem ser estabelecidos para garantia da diversidade e pluralidade. Uma das opções aventadas pela extinta Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação (Altercom) seria dedicar um percentual dos recursos (30%) a veículos de pequeno porte, regra que poderia fortalecer a produção local de informação, de forma a remediar o deserto de notícias brasileiro.
No Brasil, 62,6% dos municípios são “desertos de notícias” – onde não há veículo local de imprensa para informar a população sobre o que ocorre na cidade. Nessa situação, vivem 37,4 milhões de pessoas, de acordo com levantamento realizado pelo Atlas da Notícia, publicado em dezembro de 2019.
O tema não é simples. Sabemos mais sobre o que não queremos, do que sobre o aquilo que desejamos ver se tornar lei, de forma que é urgente um debruçar sobre o assunto. Na Câmara dos Deputados, os projetos de lei que tratam do tema parecem ter ficados paralisados no passado. Alguns, apensados a PLs que tratam de regras para limitação, foram prejudicados por aprovação de textos que não absorveram a temática. O burburinho em torno dos investimentos da Secom de Bolsonaro e as declarações do presidente, prometendo privilegiar uns em detrimento de outros, podia fazer reflorescer o debate, mas as chances, até agora, são de que siga apenas a disputa por quem é o bandido e o mocinho. Que se puna os mal feitos, mas que se entenda a necessidade de mudanças legislativas para acertarmos a direção.
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