Patrícia Rangel*
O Congresso Nacional é consensualmente considerado lugar de debate dos grandes temas nacionais e instituição fundamental do processo decisório, o que o investe de um crescente interesse por parte dos acadêmicos e o transforma em objeto de estudo dos mais relevantes. Ao longo dos anos de contato com a Ciência Política, já ouvi muitos comentários questionando a utilidade dos estudos sobre o Poder Legislativo. Afinal, qualquer um pode ler os jornais e se informar sobre o que nossos representantes estão fazendo; qualquer consulta na internet nos oferece a composição das casas legislativas; temos o conteúdo das proposições disponível nos sítios eletrônicos das assembléias legislativas. Outros argumentos, verdadeiros no fim das contas, vão pela mesma linha. Isso significaria então que os estudos sobre o Legislativo não têm utilidade?
Definitivamente, a afirmação não procede. Os estudiosos que se dedicam a pesquisar o funcionamento e as ações do Legislativo não são meros compiladores de informações quaisquer. O mérito do trabalho está na seleção das informações relevantes para determinado assunto, na sistematização dos dados e, sobretudo, nas análises e interpretações desenvolvidas com base em um arcabouço teórico amplo e sólido, capaz de oferecer respostas satisfatórias para problemas complexos.
Vejamos um exemplo: a sub-representação parlamentar feminina. Qualquer pessoa pode, através do uso de ferramentas da internet, descobrir que só há 46 mulheres na Câmara dos Deputados e 10 no Senado. Mas o que faria com esse dado por si só? Não seria capaz de entender porque esse problema ocorre, qual seu significado para a qualidade da democracia brasileira, como o sistema político/eleitoral contribui para perpetuar essa situação, nem poderia dizer em que medida esse dado se insere no debate sobre reconhecimento e redistribuição. Os estudiosos sobre Legislativo, por outro lado, oferecem respostas a essas perguntas que oferecem de forma embasada e fundamentada.
Uma das referências nesse tipo de trabalho é o Núcleo de Estudos sobre o Congresso (Necon), vinculado ao Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ. O grupo de pesquisa, coordenado pelo professor Fabiano Santos, se dedica a “contribuir para o avanço desta área de estudos através da constituição de um laboratório de pesquisas dedicado à investigação de diversas questões ligadas ao Congresso Nacional e Assembléias Legislativas, desde índices e taxas de coesão e disciplina , informações sobre trajetória política dos parlamentares , tramitação de políticas públicas e problemas de organização interna”.
Uma das produções do grupo é o lançamento de análises sobre a participação política das mulheres no parlamento, principalmente no que tange a Bancada Feminina da Câmara dos Deputados. Os temas abordados por esses estudos, que começaram a ser produzidos pelo Necon recentemente, refletem não apenas os enclaves do acesso feminino ao poder, mas principalmente à própria rotina legislativa. Em abril deste ano, foi lançando um boletim com duas contribuições: um texto da que vos escreve, que visa resgatar o desenvolvimento histórico da bancada e suscitar questionamentos sobre a participação política das mulheres nas instituições de poder brasileiras, e um informativo sobre a atuação da bancada no primeiro trimestre de 2009, produzido pelas pesquisadoras Joana Seabra e Claudia dos Santos. Trata-se do primeiro de uma série de boletins de periodicidade mensal, que terão como proposta a apresentação de um texto de caráter analítico e teórico, acompanhado de um informativo resumindo o que há na política brasileira relacio
nado ao tema em debate.
Joana Seabra e Cláudia dos Santos, em “A Bancada Feminina da Câmara dos Deputados Federais”, argumentam que as dificuldades relativas a uma ativa cidadania política se traduzem não apenas ao acesso das mulheres ao poder, mas também à rotina legislativa, e que tais desigualdades de direitos acabaram por fomentar a criação da Bancada Feminina. As autoras explicam o funcionamento da Bancada, apresentam uma lista com todas as deputadas que a compõem e discorrem sobre os compromissos da mesma, bem como sobre suas reivindicações e sobre a prioridade do ano: a aprovação da PEC 590/06 (de autoria da Deputada Luiza Erundina PSB/SP).
Em minha contribuição ao boletim, “O outro lado do Congresso nacional: um histórico da bancada feminina”, além da fazer um resgate da trajetória da Bancada e apresentar dados sobre a inserção das mulheres na política institucional, problematizo a sub-representação parlamentar e a situo como uma questão de déficit democrático, ressaltando que cada vez mais a representação das mulheres tem sido considerada fator relevante para se analisar as instituições democráticas e critério para se mensurar a cidadania e a igualdade de oportunidades.
O trabalho, de uma forma geral, aponta que o processo de redemocratização do Brasil, apesar de significar a possibilidade de maior representação e reconhecimento político, não se traduz ainda, em paridade entre os sexos no legislativo, mesmo que o propósito de igualdade pressuponha um aspecto participativo e qualitativo não apenas quantitativo. O esforço de democratização revela que a marginalização histórica da mulher no espaço de poder político institucional, se verifica também no âmbito acadêmico. Pela riqueza de dados e análises que são apresentados neste boletim, sua leitura é obrigatória aos que se interessam pelos estudos sobre o Legislativo e que primam por trabalhos de qualidade.
*Aluna do doutorado em Ciência Política da UnB, colabora com o Núcleo de Estudos sobre o Congresso (NECON), vinculado ao IUPERJ.
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