João Paulo R. Capobianco[1], Guilherme B. Checco[2] e André Lima[3]
Os anos de 2016 a 2018 registraram a maior crise hídrica já vivida pelos brasilienses. A capital do Brasil chegou perto de um verdadeiro colapso no abastecimento, evitado pela imposição de um rigoroso racionamento e pela chegada das chuvas. Foram um ano e cinco meses de restrições, com pelo menos 24 horas sem água a cada seis dias, em algumas regiões do DF até 48 horas, período em que o principal reservatório da cidade, o Descoberto, caiu para o seu mínimo histórico de 5,3%.
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Superada a crise, a água voltou a jorrar pelas torneiras e todos parecem ter se esquecido do problema. É como sentencia um conhecido ditado popular: “a primeira coisa que a chuva lava é a memória da seca”. Esse comportamento é, infelizmente, comum entre nós. As ações humanas e as políticas públicas costumam, em grande medida, reagir a impulsos e demandas conjunturais, deixando de lado os aprendizados necessários a evitar que os problemas se repitam.
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A crise no abastecimento de Brasília e de outros locais que experimentaram situações semelhantes nos últimos anos no país, no entanto, jamais poderia ser esquecida. Todos os modelos climáticos desenvolvidos pelos mais importantes estudiosos, apontam para riscos de que novas secas ocorram no futuro próximo, ameaçando a segurança hídrica de milhões de brasileiros.
Nesse cenário de aumento dos eventos climáticos extremos, é fundamental atuar de forma preventiva e planejada, a fim de racionalizar o consumo, combater perdas e desperdícios, coibir a poluição dos corpos d’água e garantir o aumento da resiliência dos mananciais.
Esse é o caso da Bacia Hidrográfica do Descoberto, distante cerca de 50 quilômetros do Plano Piloto e responsável pelo abastecimento de 65% da população do Distrito Federal. Além da água, de suas terras sai parte considerável da produção de alimentos – morango, milho, alface, goiaba, limão e outros – que abastecem a região. No ano de 2017 foram ali produzidas mais de 76 mil toneladas de hortaliças e 19 mil toneladas de frutas, garantindo emprego e renda para milhares de trabalhadores.
Durante a recente crise hídrica travou-se uma disputa entre a Caesb – Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal -, responsável pelo fornecimento de água para a população, e os agricultores que a utilizam na irrigação de suas lavouras. A prioridade legal ao abastecimento humano levou à imposição de restrições aos proprietários rurais, impactando a produção. Essa situação aumentou o desestímulo à atividade agrícola que já vinha sendo gradativamente substituída pela urbanização desordenada. Entre os anos de 2000 e 2016 a área urbana da bacia hidrográfica aumentou de 4% para 17,6%, comprometendo sua capacidade de produção de água. Situação agravada pelo intenso desmatamento da vegetação nativa de Cerrado por meio da grilagem de terras públicas.
Diante desta realidade a implantação de medidas capazes de reverter o processo de mudança do perfil de ocupação das terras na Bacia Hidrográfica do Descoberto e a degradação de sua vegetação, a fim de garantir a proteção do manancial, se tornaram fundamentais para a segurança hídrica da população.
Foi exatamente esse o desafio enfrentado pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (Iabs) e o Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), com apoio da ONU Meio Ambiente, na elaboração da proposta de Programa de Desenvolvimento Rural Sustentável (PDRS) para a bacia do Descoberto. Veja a íntegra aqui.
Trata-se de um planejamento de desenvolvimento local, com o objetivo de promover o uso múltiplo dos recursos hídricos, de tal forma que a Caesb possa prestar o serviço de abastecimento público e os agricultores mantenham suas atividades. Para tanto, prevê o estímulo à redução do consumo e desperdício nas cidades e no campo, apoio à transição para sistemas agrícolas menos intensivos em uso de água e que garantam a sua qualidade por meio do manejo adequado do solo, implantação sistemas agroflorestais e produção orgânica, gerando renda local e protegendo o meio ambiente.
Uma das principais inspirações para propor o PDRS do Descoberto foi o reconhecido caso de sucesso de Nova York, que ainda nos anos de 1990 resolveu investir US$ 500 milhões na proteção ambiental de seus mananciais. Cálculos atuais, revelam que essa iniciativa pioneira vem gerando a economia de até US$ 5 bilhões em gastos que seriam necessários para garantir a segurança hídrica da metrópole.
Assim como em Nova York, a proposta para o Descoberto parte do princípio de que os agricultores locais são os principais guardiões do manancial. Nesse sentido o PDRS está estruturado em 5 eixos: agricultura, meio ambiente, infraestrutura/saúde/segurança, comunicação e turismo. Cada um desses eixos envolve um conjunto de ações estratégicas, como viabilizar a assistência técnica aos agricultores, promover a regularização fundiária e das outorgas de direito de uso de recursos hídricos e a implantação de 19 Unidades Demonstrativas visando o aumento da produção sustentável da atividade agrícola.
O Programa prevê que essa transição seja feita gradualmente ao longo de 10 anos, com um custo estimado inicialmente em R$ 539 milhões. Uma das fontes para investimentos deve ser a própria tarifa de água e esgoto cobrada pela Caesb de todos os usuários do sistema de saneamento básico. É possível que a Adasa, agência reguladora que determina os valores dessa tarifa, crie um dispositivo que garanta recursos para viabilizar esses investimentos – somente em 2018 a Caesb teve uma receita líquida de R$ 1,6 bilhão, com um lucro bruto de R$ 618 milhões. A destinação de parte dos recursos advindos da tarifa para investimentos em proteção e recuperação de mananciais já é uma realidade em alguns locais do Brasil e no mundo.
A transição para um modelo de desenvolvimento rural sustentável na bacia do Descoberto, que garanta a segurança hídrica e alimentar da capital do País, é possível e viável. Para tanto, é necessário que o brasiliense seja ativo nesse debate vital para a garantia de sua qualidade de vida hoje e no futuro. Que sirva de estímulo para isso a data em que se celebra o Dia do Cerrado, 11 de setembro, bioma conhecido como caixa d’água do Brasil.
[1] Biólogo, Doutor em Ciência, vice-presidente do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS)
[2] Mestre em Ciência Ambiental, Pesquisador do IDS e Coordenador do projeto PDRS Descoberto.
[3] Advogado, Ex Secretário do Meio Ambiente no DF, Mestre em Política e Gestão Ambiental pelo CDS/UnB.
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Um dos fatos do qual ninguém se deu conta é responder: onde foi parar as águas que antes circulavam livremente pelos rios, lagoas, cachoeiras. charcos e? tudo o mais? Eu responto: lagos (artificiais é claro), caixas d´água, piscinas, irrigação de terras sem vegetação “perene” e por aí vai. Ah! De quantos % é constituído o corpo humano? Então, a superpopulação também é responsável pelo desaparecimento da água! Legal, não é?