Mas, por trás da nuance dramática do apelo de Temer, há a figura do experiente político a saber que, em caso de queda de Dilma, caberá a ele comandar o país até que sejam realizadas novas eleições. Na condição de interlocutor frequente dos presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o vice-presidente sabe que tem satisfações a dar também na condição de presidente nacional do PMDB, partido decidido a levar adiante candidatura própria à sucessão presidencial de 2018, como este site revelou em primeira mão em 24 de junho. Em recente viagem aos Estados Unidos, o cacique peemedebista palestrou para advogados e investidores em Nova York e, em declarações à imprensa, admitiu o desembarque do governo antes do pleito. Em hipótese de impeachment presidencial, Temer também sabe que esse caminho seria encurtado.
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“É possível que alguém tenha a capacidade de reunificar a todos, de fazer este apelo, e estou tomando esta liberdade de fazer este pedido. Caso contrário, podemos entrar em uma crise desagradável para o país”, acrescentou o vice-presidente, que chegou a criticar o governo durante a estada no Estados Unidos.
Apesar de garantir estar decidido a se manter firme na articulação política de Dilma, Temer manifestou desânimo principalmente em relação aos aliados na Câmara, onde Eduardo Cunha, já oficialmente rompido com o Planalto, tem patrocinado seguidas derrotas contra o governo. Além da “pauta-bomba” imposta contra o Planalto, Cunha já articula com a oposição – e até membros rebeldes da base – uma maneira de dar ares de decisão coletiva a iniciativas pelo impedimento presidencial. Uma eventual aprovação, em Plenário, de pedido de impeachment seria insustentável para Temer, avaliam seus interlocutores.
“Ele vai até onde der. Imagina se aprovam tudo no Congresso [contra o governo]? O que vão fazer? Acho que ele deu uma intimidada nos parlamentares da base [na reunião], para ver se a base pensa no país. Se ele não tiver mais o que fazer, ele tem que sair [da articulação], não é?”, confidenciou ao Congresso em Foco um dos homens de confiança de Temer na vice-Presidência. Na avaliação do interlocutor, Temer vai continuar na função de “bombeiro” do governo, mas com limites.
“Os líderes da base aliada não são mais líderes coisa nenhuma. O Temer até tem feito uma boa articulação, mas a coisa não avança no Congresso. Se formos ouvir bem o recado do vice-presidente, veremos que ele quer alertar para o risco de uma crise política incontornável. Ora, já não é uma questão de governo, mas de país!”, acrescentou a fonte, referindo-se ao apelo do peemedebista em favor de uma pauta de unificação do país rumo ao fim da crise político-econômica.
Publicidade“Boi brabo”
As principais lideranças governistas no Senado reverberaram nesta quarta-feira (5) as preocupações de Temer. As críticas recorrentes são à chamada “pauta-bomba” que Cunha põe em votação na Câmara, com efeitos como o aumento dos gastos em tempos de ajuste fiscal. A primeira derrota do governo neste segundo semestre foi a aprovação, já na madrugada desta quinta-feira (6), da proposta que concede reajuste salarial para servidores da Advocacia-Geral da União (AGU), procuradores estaduais e municipais e delegados das polícias Federal e Civil estaduais. A matéria, que ainda precisa passar por mais um turno de votação antes de seguir ao Senado, representará impacto extra de quase 2,5 bilhões para os cofres públicos, nas contas do governo.
Temer e aliados também estão de olho nas decisões unilaterais com as quais Cunha, nesta fase oposicionista, tem colocado o governo contra a parede. Uma delas aposta na rejeição, por parte do Tribunal de Contas da União (TCU), das contas de Dilma referentes ao ano-calendário de 2014. Para abrir caminho para essa análise por parte dos deputados, o peemedebista fez o que jamais havia sido feito na Casa: pautou o exame das contas dos três governos anteriores ao da petista, para que então possa ser apreciado o parecer do TCU. Uma vez confirmada a rejeição das contas pelos parlamentares, estaria aberta a passagem para um processo de cassação de Dilma.
Desde seu rompimento com o governo, feito na véspera do recesso parlamentar (entre 17 de julho e 1º de agosto), Cunha tem ignorado os apelos de Temer em nome da governabilidade e agido de maneira cada vez mais irascível em relação ao Planalto. A justificativa encontrada pelo deputado para a guinada à oposição é o suposto conluio entre Planalto e Procuradoria-Geral da República (PGR) para incriminá-lo na Operação Lava Jato – argumento que, segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, também foi usado por Cunha, no início de julho, para convencer Temer de que ele mesmo corre o risco de figurar entre os investigados. Cunha nega esse diálogo, como também tem negado as conversas com o PSDB sobre o impeachment.
Um assessor da liderança do governo no Senado confidenciou ao Congresso em Foco que, durante a reunião entre Temer e aliados, o termo “boi brabo” surgiu para conotar a nova postura de Cunha, aquele “que ninguém consegue segurar”. A saída, entenderam os presentes, seria apelar a Renan Calheiros – que, como este site mostrou ontem (quarta, 5), retornou do recesso com postura governista e dizendo que desarmaria a pauta-bomba da Câmara. “Já que o governo não pode contar com Eduardo Cunha, que o Senado faça a sua parte. Ele [Temer] ainda aposta no Senado, e vai querer contar com o capital político de Renan”, relatou.
Líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS) disse que as ações da Câmara contra o governo, patrocinadas por Cunha, serão contidas pelos senadores. “Há uma preocupação do Senado com relação a essa pauta. O que ficou encaminhado é que a gente ajustaria uma pauta, de comum acordo com todas as lideranças, que mostre nosso esforço e responsabilidade com o Brasil”, declarou o petista, para quem “a instabilidade política traz a instabilidade econômica”. “Temos de colocar um freio de arrumação nisso, se não ninguém aguenta”, emendou.
Aliados avaliam que a pressão de Temer sobre os partidos da base é decorrente da incoerência entre o que representantes dessas siglas fazem no Congresso e o espaço que ocupam no governo. Eles lembram que ministérios estratégicos são comandados por partidos como PR (Transportes), PP (Integração Nacional) e PSD (Cidades), com grandes cifras orçamentárias envolvidas, mas congressistas dessas legendas não agem como governistas, votando contra o Planalto em diversas ocasiões.
“Ou os ministros têm ascendência sobre os parlamentares de suas bases no Congresso, ou então… Para que servem os ministros?”, indagou outro interlocutor do governo, depois da reunião promovida por Temer no Palácio do Jaburu.
O bombeiro Sarney e a geração “whatsapp”
Um ex-deputado peemedebista, atualmente acomodado em um ministério estratégico, fez a mesma leitura da reunião entre Temer e os líderes da base no Congresso. Confidente do ex-presidente da República José Sarney (PMDB), o ex-parlamentar disse à reportagem que não há comando do governo no Parlamento, por mais que Temer tenha feito esforços, e que “algo grave” pode acontecer se essa situação perdurar.
Interlocutor privilegiado do PMDB, o ex-congressista acredita que a própria configuração atual do Parlamento inviabiliza a tarefa de Temer. “Os líderes não estão conseguindo comandar. Se os liderados não obedecem, como é que faz? Se a articulação não avançar, Temer vai lavar as mãos”, sentencia o ex-deputado, que também é próximo do presidente do Senado, Renan Calheiros.
“Tem um bando de garoto que chegou agora aqui [no Congresso] e vive no [aplicativo de mensagens] whatsapp. Não têm experiência, não têm ideia da gravidade da crise e sobre o que pode acontecer”, reclamou.
O ex-deputado disse ainda que Sarney, a exemplo do ex-presidente Lula, foi escalado para ajudar, com suas décadas de experiência parlamentar, a convencer membros rebeldes da base a votar com o governo nas deliberações do Congresso. Mas o cacique peemedebista sofreu um acidente doméstico e, retirado do front por orientação médica, tornou ainda mais difícil a missão de Temer. “Sarney estava atuando como um grande bombeiro, com sua experiência, seu estilo de promover a paz, o entendimento. Agora, está temporariamente fora de combate”, arrematou.
Calada da noite
Na terça-feira (4), foi o próprio Renan Calheiros que, com a justificativa do diálogo, protagonizou a movimentação nos bastidores de Brasília. Depois de almoçar com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e lideranças da Câmara e do Senado, o peemedebista deixou o encontro com discurso afinado a respeito de uma solução para a crise. “Não haverá ‘pauta-bomba’ no Congresso. Pelo contrário, nós estamos preocupados em desarmar a bomba que está posta na economia”, ensaiou Renan, em uma espécie de desafio lançado ao colega da Câmara.
Mas, segundo informações de bastidor, Renan almoça com o governo, mas janta com a oposição. E sempre de maneira que Temer fique informado a respeito das movimentações do correligionário. Depois do primeiro dia de votações no Senado, com pauta de certa forma favorável ao governo, Renan viu sua assessoria divulgar à imprensa a realização de um jantar com a bancada do PSDB. Os tucanos queriam que o encontro fosse realizado secretamente, e manifestaram a insatisfação a Renan.
Depois de informações desencontradas, o jantar foi desmarcado em um primeiro momento. Para despistar, senadores do PSDB se reuniram na casa de um deputado do partido, representante do Distrito Federal, no início da noite, e oficialmente sem a presença do senador. Mas a noite estava apenas no começo – a reportagem descobriu que, depois do convescote inicial, a bancada tucana seguiu, agora com a participação de Renan, para a casa do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Desta vez, em caráter quase que totalmente confidencial.