Além de dizer que o ex-deputado Eduardo Cunha “funcionava como um banco de corrupção de políticos”, o doleiro Lúcio Bolonha Funaro, operador do PMDB em esquemas de corrupção e delator da Operação Lava Jato, disse em depoimento que o presidente Michel Temer (PMDB) atuou para defender interesses de empresas portuárias por meio da tramitação da MP dos Portos, medida provisória editada em 2012, quando Temer era vice-presidente. Em vídeo veiculado no site do jornal Folha de S.Paulo nesta sexta-feira (13), Funaro diz que o então vice pedia a Cunha, então líder do PMDB na Câmara, para atuar no sentido de aprovar projetos que beneficiassem as corporações, especialmente em projetos no Porto de Santos.
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“Essa MP foi feita para reforma do setor portuário e ela ia trazer um grande prejuízo para o grupo Libra, que é um grupo aliado de Cunha e, por consequência, de Michel Temer, porque é um dos grandes doadores das campanhas de Michel Temer. O grupo Libra não ia mais poder renovar suas concessões portuárias, porque tinha vários débitos fiscais inscritos em dívida ativa”, relatou Funaro, apontando a restrição contida na MP e, em seguida, a providência tomada por Cunha.
Publicidade“O que Eduardo Cunha fez? Pôs dentro [sic] dessa MP uma cláusula [garantindo] que empresas que possuíam dívida ativa inscrita pudessem renovar seus contratos no setor portuário desde que arbitrassem arbitragem para discutir esse débito tributário”, acrescentou o delator, para quem Temer recorria a Cunha porque o então deputado estava à frente das negociações em torno da votação da medida provisória.
Veja no vídeo (a citação relacionando Temer à MP é feita a partir de 8:43):
Isso porque, para Funaro, Temer tinha interesses diretos em fortalecer as empresas do setor. “Tanto a Eldorado quando a Rodrimar tinham interesses. E o Eduardo me narrou que, na época, o Michel pediu a ele: ‘Ó… Tem que fazer isso, tem que cuidar disso’… Para que o negócio não saísse do controle”, acrescentou o operador do PMDB, referindo-se a empresas com projetos no Porto de Santos.
“Ele [Temer] tinha interesse em atender todos os pleitos do Joesley. Ele tinha um bom relacionamento com o Joesley. […] E como ele tinha uma atuação forte no Porto de Santos, de vários anos, o Michel Temer, ele conseguia para licitar. […] Todo mundo sabe – lá em São Paulo, quem convive no mundo político – que o Porto de Santos é área de influência do Michel Temer”, arrematou Funaro.
A defesa de Temer diz que as acusações de Funaro são “vazias e sem fundamento” (veja nota abaixo). “As afirmações do desqualificado delator não passam de acusações vazias, sem fundamento em nenhum elemento de prova ou indiciário, e baseadas no que ele diz ter ouvido do ex-deputado Eduardo Cunha, que já o desmentiu e o fez de forma inequívoca, assegurando nunca ter feito tais afirmações”, diz trecho do documento.
MP da discórdia
Com novas regras para o setor portuário, a Medida Provisória 595/2012, editada no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, foi aprovada em 16 de maio de 2013 a cinco horas de perder a validade, em meio a um verdadeiro turbilhão de protestos da oposição da época, formada principalmente por PSDB e DEM, e disputa de bastidores. Revogando a Lei dos Portos, que estava em vigência desde 1993, a matéria liberou os portos privados para operarem qualquer tipo de carga, entre outras disposições.
As novas regras concederam à União a prerrogativa da gestão e planejamento estratégico do setor e, para os estados, a prerrogativa de administrar os portos. A medida também permitiu a movimentação de cargas de terceiros nos Terminais de Uso Privado (TUPs) e muda os critérios de desempate das futuras licitações. Para o governo, a proposta daria competitividade ao setor.
“‘Isto aqui não é hospício’. Dita em tom de desabafo pelo líder do governo na Câmara, o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), a frase revela o nível de tensão de uma semana que teve de tudo – e quase nada – no Congresso Nacional. Troca de acusações e insultos entre os líderes do PR e do Democratas, deputado agarrado pela cintura por segurança e sessão estendida por quase 50 horas. A MP dos Portos foi um pavio de pólvora que explodiu os ânimos entre os parlamentares e estilhaçou a pauta do Congresso. Para alívio do governo e protestos da oposição, o texto foi aprovado na noite de ontem no Senado, cinco horas antes de perder a validade, e segue para sanção presidencial”, registrou o Congresso em Foco na ocasião.
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Quadrilhão
Funaro teve acordo de colaboração judicial homologado pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), no início de setembro. Temida pelo governo, a delação do operador, que compunha o grupo criminoso de Eduardo Cunha na Câmara – e, como o cacique peemedebista, está preso há meses –, fortalece a tese de obstrução de Justiça em consideração na segunda denúncia da PGR contra o presidente Michel Temer. Segundo o ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, Temer avalizou a compra do silêncio tanto de Funaro quanto de Cunha.
Acusado de participar dos desvios na Caixa Econômica, em parceria com Cunha, Funaro confessou crimes, descreveu o envolvimento de parlamentares nas negociatas e entregou provas “fortes” de movimentação ilegal de dinheiro durante as negociações da delação premiada. Tais relatos se somaram às delações e gravações de Joesley Batista e outros executivos da J&F na peça de acusação contra o presidente.
O peemedebista é alvo de inquérito no Supremo que apura o envolvimento dele e do ex-assessor da Presidência Rodrigo Rocha Loures, entre outros, em crimes como corrupção, obstrução à Justiça e organização criminosa, no que esquema que ficou conhecido como “quadrilhão do PMDB”. O ex-procurador-geral da República suspeita que Temer usava Rocha Loures para executar negócios escusos, receber propina da JBS e atrapalhar a Lava Jato já no exercício do mandato.
Segundo as investigações, Funaro fez revelações consistentes e reveladoras que reforçam as acusações de Joesley contra o presidente. Foi com base em depoimentos dele que a Polícia Federal prendeu o ex-ministro Geddel Vieira Lima por obstrução à Justiça.
Um dos peemedebistas mais próximos de Temer, Geddel é acusado de sondar a mulher do doleiro sobre a intenção dele de fazer delação premiada. Dinheiro não faltava para comprar o silêncio de Funaro, segundo a Polícia Federal, que encontrou 15 malas e caixotes recheados de dinheiroem endereço atribuído ao ex-ministro. Funaro confirmou o que áudios de conversa fora da agenda presidencial entre Temer e Joesley, em 7 de março, sinalizaram: que recebeu dinheiro da JBS, a mando de Temer, em troca de seu silêncio.
A nota de Temer:
O vazamento de vídeos com depoimento prestado há quase dois meses pelo delator Lúcio Funaro constitui mais um abjeto golpe ao Estado Democrático de Direito. Tem o claro propósito de causar estardalhaço com a divulgação pela mídia como forma de constranger parlamentares que, na CCJC da Câmara dos Deputados, votarão no dia 18 o muito bem fundamentado parecer do relator, deputado Bonifácio de Andrada, cuja conclusão é pela rejeição ao pedido de autorização para dar sequência à denúncia apresentada contra o Presidente Michel Temer pelo ex-Procurador-Geral da República.
É evidente que o criminoso vazamento foi produzido por quem pretende insistir na criação de grave crise política no País, por meio da instauração de ação penal para a qual não há justa causa. Só isso explica essa divulgação, ao final de uma semana em que a denúncia formulada pelo ex-Chefe do MPF foi reduzida a pó pelo parecer do deputado Bonifácio de Andrada.
Autoridades que têm o dever de respeitar o ordenamento jurídico não deveriam permitir ou promover o vazamento de material protegido por sigilo. É igualmente inaceitável que a imprensa dê publicidade espetaculosa à palavra de notório criminoso, que venceu a indecente licitação realizada pelo ex-PGR para ser delator, apenas pela manifesta disposição de atacar o Presidente da República.
As afirmações do desqualificado delator não passam de acusações vazias, sem fundamento em nenhum elemento de prova ou indiciário, e baseadas no que ele diz ter ouvido do ex-deputado Eduardo Cunha, que já o desmentiu e o fez de forma inequívoca, assegurando nunca ter feito tais afirmações. Assim como o fizeram todos os demais mencionados pelo delator em sua mentirosa história, que lhe serviu para a obtenção de prêmio.
Eduardo Pizarro Carnelós
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