Ricardo de João Braga *
Qual renovação se deseja? Essa pergunta pode ter várias respostas, que estão interligadas:
1) mudar o grupo que hoje está na política; ou
2) modificar as práticas políticas; ou
3) produzir outros resultados em termos de políticas públicas.
Se o objetivo é APENAS mudar o grupo que está na política, isso é em boa medida inocente e desmentido pelos fatos. Embora algumas figuras políticas mantenham-se em evidência por longo tempo no cenário nacional e estadual, há uma taxa de mudança bastante alta nos postos políticos no Brasil.
Por exemplo, a taxa de renovação na Câmara dos Deputados gira em torno de 40% a 50%, o que é bastante alta se comparada a padrões internacionais (nos EUA, por exemplo, a renovação gira em torno de 5%, com extremos de 10% a 2%). Mesmo o Senado Federal brasileiro apresenta uma taxa de renovação razoável.
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O gráfico abaixo mostra a percentagem de deputados de primeiro mandato na Câmara dos Deputados desde 1826.
Novos deputados/Total de eleitos no Brasil (em %)
Fonte: Ricardo de João Braga, André Rehbein Sathler & Roberto Campos da Rocha Miranda (2016) “The institutionalisation of the Brazilian Chamber of Deputies”, The Journal of Legislative Studies, 22:4, 460-483, DOI: 10.1080/13572334.2016.1235332
Mesmo se considerarmos a existência de clãs políticos que se mantêm no poder ao longo de gerações, o nível de “rotatividade” das elites políticas no país não é baixo. (Um parêntesis é que a manutenção, a estabilidade de um grupo político, também é positiva, no sentido de acumular conhecimento, experiência etc. Países que impedem a reeleição para o Legislativo, como o México, podem acabar por enfraquecer a instituição, sempre composta por políticos iniciantes.
Para compreender melhor o que se deseja mudar, é preciso distinguir entre pessoas e instituições, regras, organizações.
Se as pessoas têm mudado com uma certa frequência no cenário político, o que realmente desejamos que mude? Provavelmente a resposta está nos itens (2) e (3) acima. Desejamos novas formas de fazer política e outros resultados em termos de política pública.
Pode-se mudar pessoas (1), para que elas produzam diferentes 2 e 3.
Hoje, o problema na forma de fazer política reside na interconexão entre (a) a atávica postura brasileira de licenciosidade na aplicação da lei (uma espraiada frouxidão dos regramentos gerais e o apelo às relações pessoais, favores etc.) e (b) o sistema eleitoral que exige caríssimas campanhas.
Eu creio que a licenciosidade na aplicação da lei está submetida a um longo processo de transformação cultural, em que a Lava Jato é um tijolo importante, mas é apenas “um tijolo”. Esse processo passa por mais educação em geral e pela formação política das pessoas.
“Com as novas regras eleitorais, as campanhas terão menos dinheiro lícito, fica a dúvida de quanto dinheiro ilícito irá surgir”
As campanhas caríssimas levaram a política não apenas a propiciar a subtração de recursos públicos como praticamente exigiu, tornando regra do jogo, que recursos fossem extraídos do Estado para a sobrevivência dos políticos em seus cargos e reeleições. Nessa barafunda se confundem, infelizmente, os bandidos contumazes que conseguiram entrar na política e pessoas realmente dedicadas à política, mas que tiveram de fazer concessões morais e legais para “permanecer no jogo”.
É importante que nós, que trabalhamos com política, saibamos discernir os vários tipos de jogadores no cenário político. Sobre o assunto, vale a pena ler o interessante artigo publicado na Folha por Bruno Wanderley Reis, com quem tive oportunidade de tratar do tema recentemente, numa mesa de congresso.
Agora com as novas regras de proibição de financiamento privado criadas pela Justiça, não sabemos exatamente como vai ser o “jogo”.
Por um lado, as campanhas terão menos dinheiro lícito, mas por outro fica a dúvida de quanto dinheiro ilícito irá surgir. O ponto central é o tipo de campanha que os políticos querem fazer e que tipo de campanha o eleitor espera. A permanecer o esquema político federal paga o estadual que paga o municipal que paga as lideranças locais na compra de votos, dinheiro ilícito vai fazer muita diferença.
A questão é em que grau isso vai ocorrer em 2018 e nas eleições futuras.
Descolada dessa prática tradicional, está surgindo um novo modo de fazer política em que a internet é a infraestrutura. À medida em que a população adentra mais e mais nas redes sociais, fazer política por essa via pode modificar a forma das campanhas e tornar mais democrático o lançamento de candidatos.
Assim, vê-se que o ponto é transformar o modo como as pessoas se lançam na política e como são eleitas.
Aqui então podemos fazer algumas sugestões:
– Garantir que os recursos lícitos (via doação ou fundo público) sejam distribuídos pelos partidos de forma igualitária entre seus candidatos;
– Diminuir o tamanho dos distritos eleitorais para os cargos de deputado a fim de proporcionar campanhas mais baratas;
– Permitir o uso intensivo de meios mais baratos de campanha, como internet, e restringir ações que sejam mais caras. Isso em boa medida vem sendo feito pela legislação, cortando programas de tevê, edições etc. e liberando mais a internet;
– Aumentar o tempo de campanha, de modo a facilitar a renovação, no sentido oposto ao que têm seguido as mudanças legais mais recentes. Reduzir o tempo de campanha dificulta a renovação, pois os políticos já nos cargos são mais conhecidos. É preciso ligar esse ponto com o anterior para permitir mais oportunidades de campanha para os novos políticos, sem elevar os custos;
– Estimular ações de formação de lideranças políticas. Alguns movimentos têm atuado nessa direção, como o RenovaBR, que é suprapartidário.
Nas ações acima não sugiro limite para reeleições ao Legislativo ou algumas coisas estranhas como testes de conhecimento etc. Acho que é preciso fomentar uma relação saudável entre eleitor e candidato, e privilegiar o debate, o convencimento, a prestação de contas e assim a democracia. Mecanismos institucionais como bloqueio à reeleição, no caso do Legislativo, não são eficientes.
O que ser quer, em relação ao ponto (2) inicial, é mudar os parâmetros sob os quais as pessoas se apresentam para a política e são eleitas. É preciso mudar os comportamentos, o que pode ocorrer mudando as pessoas ou não. O que se sabe é que apenas mudando pessoas isso não está garantido, já que são eleitas pelo mesmo sistema.
Quanto aos resultados de políticas públicas (3), mas ainda também considerando a forma de fazer política (2), é preciso refletir sobre como funcionam as casas legislativas.
A porta de entrada para a renovação do sistema político deve ser o Legislativo. É mais fácil vencer uma eleição para o Legislativo do que para governador ou prefeito. É no Legislativo que as pessoas ganham experiência na política formal.
E como funciona nosso Legislativo? Há hoje uma prevalência enorme do Poder Executivo na definição da agenda pública, dando pouco espaço para o Legislativo atuar. Somam-se a isso os recursos públicos legais e ilegais que fluem da mão do Executivo e cria-se um Legislativo subalterno, sem vigor para formar novas lideranças.
Para completar, a estrutura interna do Legislativo é centrada nos líderes, esvaziando comissões e a ação dos parlamentares individualmente.
É preciso movimentar um pouco o centro de gravidade da política brasileira. Levar um pouco mais de importância para o Legislativo e, dentro do Legislativo, valorizar o deputado individualmente.
Algumas sugestões nesse ponto:
– Tornar mais restrito o uso de medidas provisórias;
– Diminuir as vinculações legais do orçamento, abrindo espaço para discussões mais frequentes e contemporâneas sobre prioridades de gasto;
– Valorizar as comissões permanentes, em detrimento das comissões ad hoc, manipuladas pelos líderes (como as especiais) e em detrimento do Plenário, onde os parlamentares individuais pouco conseguem influir. A ideia aqui é dar mais poder e responsabilidade política ao parlamentar individual;
– Impedir as licenças de parlamentares para assumir postos no Executivo (como parte do plano de fortalecer o Legislativo – se o Legislativo é mais forte, é melhor ficar nele).
Em suma:
– É preciso mudar práticas. Apenas mudar pessoas não garante mudança de práticas.
– É preciso fazer mudanças nas campanhas eleitorais e no funcionamento das casas legislativas, permitindo que mais pessoas se apresentem à política, que a barreira à entrada não seja tão alta, e que a ação política no Legislativo seja significativa a fim de formar mais lideranças.
* Ricardo de João Braga, analista legislativo da Câmara dos Deputados, é economista e cientista político (com doutorado pela Uerj). Cursa atualmente programa interdisciplinar em Democracia na Universidade de Siegen, Alemanha.
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