Protocolado em 14 de dezembro de 2016, o Projeto de Lei 6726/2016, que estabelece limites aos chamados “supersalários” do setor público sequer recebeu indicação de relatoria na Câmara. De autoria do Senado, onde foi elaborada pela Comissão Especial do Extrateto, a proposição foi apenas distribuída naquela data para a Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público e está emperrada desde então, longe de ser incluída na pauta do colegiado ou ser cogitada para encaminhamento de votação em plenário. A matéria foi aprovada no Senado naquele mesmo dia 14, depois de ter passado pela comissão do extrateto uma semana antes.
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A apresentação do projeto é decorrente da série de reportagens que o Congresso em Foco publicou sobre o assunto em 2010 – o primeiro veículo de imprensa do país a divulgar, na íntegra, a lista de supersalários nos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Em resposta à revelação deste site, o Sindicato dos Servidores do Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis), que tinha centenas de servidores filiados ganhando supersalários à época, abriu mais de 50 ações judiciais individuais – quando poderia tê-las unificado, já que tinham o mesmo propósito – com o objetivo de inviabilizar a operacionalização dos trabalhos da redação. Respaldado em preceitos constitucionais como publicidade, o site venceu todas as demandas no Judiciário.
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Entre outras disposições, o projeto pretende impedir que penduricalhos salariais (adicionais diversos, gratificações, bônus e demais auxílios remuneratórios) que, somados aos rendimentos brutos, extrapolam o teto constitucional do funcionalismo público, percebido por ministros do Supremo Tribunal Federal. Atualmente fixado em R$ 33,7 mil, esse limite é sistematicamente violado em todos os níveis da administração pública (municipal, estadual e federal).
Irritado com a situação, o deputado Rubens Bueno (PPS-PR) disse que vai reunir assinaturas entre os pares para que a matéria seja levada ao plenário em regime de urgência. Para tanto, o requerimento de urgência tem que ser assinado pela maioria absoluta de deputados ou líderes de bancada que representem tal número mínimo (257), que também deve se repetir para a aprovação da tramitação especial em plenário. Para Rubens, o Congresso tem entre suas funções justamente impedir que distorções sejam praticadas, desrespeitando-se a Constituição.
“Não é possível que algumas corporações que têm o peso de decidir sobre a lei extrapolem o teto já estabelecido pela Constituição. Não é mais possível que tenhamos alguém recebendo 30, 40, 50, 90, cem mil reais por mês! Até quando isso? Temos que dar um basta, o país não suporta isso vendo tantos trabalhadores desempregados, ganhando salário mínimo – enquanto aqui temos verdadeiros marajás ganhando cem mi por mês”, disse Rubens ao Congresso em Foco.
“Temos que fazer a lei mais clara ainda, se é isso que o Poder Judiciário e o Ministério Público estão buscando – de uma forma ou de outra, buscam algum tipo de arranjo, de jeitinho brasileiro para aumentar os seus salários toda hora e todo tempo. Temos que dar um basta nisso. Não é possível que o poder público brasileiro não tenha mais condições de financiar saúde e educação e pague salários desse tamanho”, acrescentou o deputado.
Rubens cita o exemplo de São Paulo. No maior estado da Federação, de um total de 2.536 juízes e desembargadores, 718 receberam em junho vencimentos líquidos acima do teto constitucional. Recentemente, uma reportagem do jornal Gazeta do Povo revelou que magistrados, mesmo depois de toda a discussão iniciada desde 2010, ganhavam até R$ 60 mil líquidos no Paraná. O caso ganhou proporções semelhantes àquela deflagrada na Justiça pelo Sindilegis contra o Congresso em Foco, com grande rejeição da opinião pública contra os privilégios salariais.
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O deputado lembra que, logo no início do governo Michel Temer, definitivamente empossado em 31 de agosto, foi aprovada uma proposta de emenda à Constituição que estabeleceu limites de gastos, pelos próximos 20 anos, como forma de equilibrar as contas públicas – medida que, agora, tem curso com ameaça de mais impostos. “Não é possível que se pense em aumentar impostos e não se promova uma adequação responsável nos salários do setor público para reduzir os gastos dos governos. A votação do projeto extrateto é urgente para que possamos acabar com essa farra”, concluiu Rubens, para quem a Câmara não pode manter engavetada o projeto sobre a “aberração” dos supersalários.
Mas, se foi relativamente rápida a tramitação da matéria no Senado, na Câmara o texto enfrenta resistências para além dos prazos. Em ofício encaminhado à Comissão de Trabalho em maio deste ano, o Ministério Público do Estado de São Paulo, por meio da Procuradoria-Geral de Justiça, ressalta em parecer (leia a íntegra) a importância do projeto, mas aponta “vícios” em sua redação “que não recomendam a aprovação do texto tal como encaminhado pelo Senado à Câmara”.
“[…] o projeto trata de maneira igual situações que são desiguais na realidade, equiparando remuneração com indenização. Remuneração é a contrapartida pelo trabalho prestado, enquanto indenizações são reposições eventuais e compensatórias. Desse modo, mais adequado que a discriminação do caráter indenizatório ou remuneratório seja determinada pela lei específica que institui o referido pagamento […]”, diz o documento, subscrito pelo procurador-geral de Justiça de São Paulo, Gianpaolo Poggio Smanio, em 13 de junho passado.