Nunca se falou tanto em “reforma”. Paradoxalmente, nunca se reformou tão pouco. A reforma política empacou e não deve andar até que se consiga fechar um acordo capaz de reformar o “modus operandi” da política sem mexer na zona de conforto em que se encontram os “operadores” dessa reforma, ou seja, os próprios políticos.
“Desse jeito nunca vai haver reforma porque ninguém joga contra o patrimônio, néaaaann?”, argumentará a loura falsa, jogando o cabelo pro outro lado. “Claro que não, miga. Uma reforma dessas só será aprovada com prazo de entrada em vigor num futuro bem distante, que não comprometa os planos imediatos dos políticos que venham a aprová-la”, completo eu. E segue o baile.
A reforma trabalhista, criticada por gregos, troiados, hunos e baianos, reformou bem pouca coisa. O pouco onde mexeu só ajudou o patronato e prejudicou relações trabalhistas estáveis e históricas. A Universidade Estácio de Sá, com base na nova legislação, acaba de demitir 1.200 professores para recontratá-los por um salário menor e sem obrigações trabalhistas.
Por sua vez, a reforma tributária subiu e se aboletou no telhado. Não sai de lá nem com reza forte. Para aprová-la em sua plenitude é necessária uma articulação com atores de todos os níveis e estratos políticos e econômicos. E considerar interesses nacionais, estaduais e municipais. É serviço pra gente grande, tarefa que exige política de alto coturno. Por isso tão cedo ela não vai descer do telhado. Se descer.
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Já a reforma previdenciária é alvo de artilharia pesada tanto de quem fala com propriedade quanto de quem só quer se aproveitar da onda pra fazer politicagem barata. Está mais desidratada do que nordestino na seca. Se for aprovada este ano, do que todas as torcidas duvidam, o que restará dela será um fiapo do projeto original.
Quem concorda em abrir mão de um privilégio?
Pouco se fala é da necessidade de uma reforma dos privilégios (na verdade, sua extinção), que deveria anteceder a todas as outras reformas. É muito difícil abrir mão de um privilégio. Quem, a não ser o Tiririca naquele discurso em que renunciou sem renunciar, está disposto a abrir mão do carro oficial? E do auxílio-moradia, mesmo tendo casa em Brasília? E do auxílio-creche?
Será que aquele juiz do Mato Grosso abriria mão dos R$500 mil reais que embolsou num único mês? E as viagens oficiais? E os penduricalhos nos contracheques? Suas excelências topariam abrir mão do foro privilegiado, única proteção que restou aos gatunos de Pindorama?
Os privilégios são de tal ordem que deixam o realismo mágico de Gabriel García Marquez num chinelo de dedo. Absurdos como punir o magistrado criminoso com a “pena” de aposentá-lo com salário integral. Parece gozação. Mas não é. Pindorama é extremamente criativa. Mesmo em países onde também há a “pena” da aposentadoria compulsória, como Portugal, também existe a hipótese de pura e simples demissão do magistrado do serviço público, “com a cessação de quaisquer vínculos com a função pública, inclusive de caráter remuneratório.
Além disso, há a previsão de suspensão temporária do serviço público, também sem o recebimento dos vencimentos”, como lembra o deputado Wadih Damous, do PT, ex-presidente da seccional da OAB no Rio de Janeiro. Na saltitante Terra dos Papagaios, não. Magistrado condenado vai é pra casa, viver no bem-bom, com salário integral, sem nada pra fazer nada pelo resto da vida, em pleno gozo da “condenação” compulsória. Realismo mágico? Não: realismo safado.
Privilégios imorais e… ilegais!
Privilégios são requeridos mesmo quando não há provisão legal. Tal como aquela ministra tucana cara de pau que queria porque queria acumular – superando o teto constitucional – vencimentos de desembargadora aposentada com os de ministra de estado. Só recuou diante da indignação e de gozações de toda ordem. Sua excelência só queria um privilegiozinho: embolsar R$61 mil bagarotes por mês, superando o teto e a decência. Sabem o que aconteceu com ela? Nada. Continua ministra.
Privilégios são resquícios do absolutismo, quando o rei podia tudo e a patuleia lambia as sobras, se as houvesse. Naturalizaram-se de tal forma que nem os prejudicados percebem. Uma vez, numa cidade do interior do Piauí, ouvi uma senhora comentar que, “agora sim, o fulano foi eleito, portanto vai mandar fazer uma estrada passando na fazenda dele”. “Mas ele não pode governar em causa própria”, contestei, ingenuamente. “Claro que pode”, respondeu. E acrescentou, definitiva: “Trabalhou pra se eleger e se elegeu. Se não pudesse usufruir do poder que conquistou, pra que iria se candidatar?”
Lustosa da Costa, amigo saudoso, uma vez apontou para um figurão que descia de um carro oficial e comentou: “Aquele ali tem mais de 30 anos que não abre porta de carro”.
Outro dia o jovem deputado Pedro Cunha Lima, do PSDB da Paraíba, fez um discurso lapidar, em que defendeu uma reforma dos privilégios, lembrando que, em nosso país, as “necessidades” (aspas minhas) das excelências estão sempre à frente das necessidades do trabalhador, da dona de casa e da população mais pobre. O diabo é que só as excelências têm o poder de inverter a prioridade, aprovando leis que extingam os privilégios. E as excelências, cada vez mais, vêm se tornando indignas do título pelo qual são tratadas. Entre extinguir os privilégios e usufruir deles, coração, adivinha de que lado nossas excelências estão?
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Com este comentário, Paulo José Cunha entra no ‘campo de batalha’, para o qual convocou o Sr Charles Alcântara em seu comentário neste C&F. Cunha tem todas as credenciais, profissionais e morais, para encarar a luta aflita e o bom combate contra os desatinos desse governo-zumbi e seus seguidores “ideológicos”. A propósito, algumas notas parecem pertinentes, sem deslustrar o brilho e a contundência do ‘manifesto’ de Cunha. Primeiro, é preciso ter sempre presente que o patrimonialismo é uma praga que vem de longe, e está distante de infectar somente a má-consciência dos políticos macaqueiros. Por exemplo, no caso da ministra do PSDB que invocou a ‘pobreza’ pra conseguir acumular, é preciso lembrar que a acumulação lícita de cargo com proventos de aposentadoria está fora do teto, graças à omissão do STF sobre a matéria (que tende a manter a licitude do ‘fura-teto’, como sinalizam outros julgados). Outro aspecto que devemos ter em conta, quando apontamos fogo contra parlamentares e juízes vorazes, é que o quadro salarial de servidores do serviço público federal é nefando e caótico, insustentável perante um juízo de decência e equidade, como bem sabe Paulo José Cunha em função de sua cobertura do dia-a-dia da Câmara dos Deputados. ‘Privilégio’, signo manipulado pela situação para enganar os trouxas e os desprovidos de luzes, tem várias faces, e nenhuma delas deve ser tolerada em ambiente dito democrático.
E espantosa a incapacidade deste país de combater privilégios. Não é só o juiz que tirou 500 mil num mês, é também aquela dentista filha de desembargador que nunca trabalhou e herdou uma pensão perpétua de 50 mil. A classe dos magistrados é a desgraça deste país. STF: suprema troca de favores
A relação trabalhista no Brasil não é sustentável, essa é a verdade, senão vejamos, um funcionário com um salário de R$ 3.000 recebe líquido uns R$ 2.600, mas custa (com vale transporte, vale refeição, etc), cerca de R$ 5.300 para a empresa. A diferença de valores (fora as outras formas de assalto como IPVA, ISS, ICMS, IPTU, CIDE, etc) vai pra bancar o custo das castas superiores do funcionalismo público. Me expliquem como um desembargador consegue ganhar R$ 200 mil por mês. Isso é salário de altíssimo executivo de multinacional com excelente formação (e uma tonelada de responsabilidades por resultados) e não de um burocrata ! Resumindo, por vias democráticas é impossível mudar o quadro. Como dito pelo colunista, quem tem a caneta não vai usá-la contra si e seus iguais.