A Procuradoria da República no Distrito Federal quer proibir a Câmara e o Senado de reembolsar, mediante apresentação de notas fiscais e comprovantes, determinadas despesas feitas por deputados e senadores. Em ação civil pública protocolada na 20ª Vara Federal, o procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes questiona a utilização da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap), o chamado cotão, para a cobertura de gastos com a contratação de bens e serviços em que se exige a abertura de licitação.
O procurador argumenta que o Congresso Nacional contraria a Constituição e a Lei de Licitações ao ressarcir os parlamentares por despesas “ordinárias”, “previsíveis” e “rotineiras”, como a compra de material para consumo em escritórios, a aquisição de combustíveis e lubrificantes para veículos, a contratação de segurança particular e a divulgação da atividade parlamentar. Nesses casos, o procedimento licitatório é obrigatório por lei, observa. Ele pede, na Justiça, que a Câmara e o Senado parem de reembolsar deputados e senadores com gastos dessa natureza e passe a realizar licitação para esses bens e serviços.
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Só no ano passado, de acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o Congresso gastou mais de R$ 207 milhões com reembolso de despesas dos parlamentares. Para o MPF, apenas os gastos considerados “imprevisíveis”, como a locação de imóveis ou veículos, a compra de passagens aéreas e o pagamento de hospedagens, contas telefônicas e assinaturas de publicações, continuariam sendo ressarcidos pelo cotão. Esse tipo de despesa, afirma Anselmo, está livre de licitação.
Sob investigação
O valor da cota é definido conforme o tamanho de cada bancada estadual. Os estados que mais recebem verbas são Roraima, Acre, Amapá, Ceará, Pernambuco e Pará. Apenas na Câmara, considerando-se os atuais valores, essas despesas reembolsáveis podem chegar até a R$ 18 milhões por mês , ou R$ 216,6 milhões por ano, calcula o MPF. No Senado, o limite pode bater em R$ 33,7 milhões. Ou seja, somadas as duas Casas, os gastos poderiam passar dos R$ 250 milhões por ano.
A ação civil pública (veja a íntegra) movida pelo Ministério Público Federal é desdobramento de um inquérito instaurado pelo próprio MPF para apurar a legalidade do uso da verba no Congresso. “Por meio de tais cotas estão sendo ressarcidas, com recursos públicos federais, despesas que poderiam ser planejadas e contratadas de forma mais eficiente e impessoal pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados, por meio do procedimento licitatório previsto na legislação”, escreve Anselmo Henrique.
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Como mostrou na quinta-feira (27) o Congresso em Foco, a Câmara paga até gastos dos deputados com pacotes recheados de TV por assinatura, com direito a pay-per-view de futebol e até canal pornô. O procedimento para o reembolso é simples: basta o gabinete apresentar um formulário específico juntamente com a nota fiscal da compra ou serviço. Para o MPF, a falta de critérios para a prestação dos serviços favorece o uso indiscriminado da verba por deputados e senadores.
Por decisões internas, a Câmara e o Senado fazem análise apenas dos aspectos relativos à regularidade fiscal e contábil das prestações de contas dos parlamentares para autorizar o ressarcimento das despesas. Os técnicos examinam somente se o serviço contratado se enquadra entre aqueles alcançados pelo cotão ou não.
“Dessa forma, não oferece qualquer garantia de que os bens e serviços supra descritos sejam contratados de forma eficiente e impessoal. A mera apresentação de nota fiscal pelo parlamentar já garante o ressarcimento de despesas que, como se percebe, poderiam ser executadas de forma concentrada pela própria Câmara com ganho de economicidade, impessoalidade e transparência, com o respeito das regras legais que exigem a licitação para tais execuções de despesas públicas”, sustenta a ação.
Campeões do cotão
O MPF destaca que a realização de licitações para casos hoje cobertos pela verba parlamentar já está prevista na Constituição Federal e na Lei de Licitações, que pregam a observância dos princípios de isonomia, impessoalidade e moralidade na contratação de serviços e compras no setor público.
Desde o início da atual legislatura, 12 parlamentares já receberam da Câmara, na forma de reembolso, R$ 1,4 milhão cada por despesas atribuídas ao mandato, segundo levantamento feito pelo ativista digital Lúcio Batista, o Lúcio Big, colunista do Congresso em Foco. Por meio de uma iniciativa batizada por ele de Operação Política Supervisionada (Ops), Lúcio recebe de internautas de todo o país informações sobre o uso do cotão nos estados. Alguns desses casos foram apurados e objetos de reportagens publicadas pelo site.
Lúcio Big acionou o Ministério Público Federal com um dossiê sobre o uso da cota por 23 parlamentares. Já ao Tribunal de Contas da União ele apresentou duas denúncias contra congressistas pelo mesmo motivo.
Violações às regras
Para o procurador, o ressarcimento de despesas que deveriam ser objeto de licitação viola regras constitucionais e legais de exigência de licitação e os princípios de isonomia, impessoalidade, moralidade, eficiência e supremacia do interesse público. Anselmo Henrique diz que as licitações serviriam como prevenção a atos de corrupção.
“Ao se permitir a contratação direta e pessoalizada, acaba-se por eliminar um dos mecanismos criados pelo Estado brasileiro para prevenção contra atos de corrupção: o próprio procedimento licitatório. Dessa forma, a admissão de tais cotas parlamentares termina por significar uma válvula de escape para possíveis ímprobos, ou mesmo uma forma de os administradores despreparados desperdiçarem verbas públicas, o que vai de encontro aos compromissos internacionais do Brasil de combate à corrupção”, escreve o procurador.
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