Uma nova reunião entre representantes de caminhoneiros e entidades do setor de abastecimento e transporte com o governo, prevista para as 14h desta quinta-feira (24) no Palácio do Planalto, vai dizer se a crise do combustível vai se aprofundar ainda mais ou se as greves e bloqueios de rodovia começarão a diminuir. Fruto da nova política de preços da Petrobras, que varia conforme a alta do dólar e a oscilação do preço do barril de petróleo, o aumento do diesel e outros combustíveis balança o país nos últimos dias e, diante da resistência da estatal, tem colocado sob risco de colapso diversos nichos da economia popular. Mas a petrolífera e o próprio Executivo não têm outra alternativa senão recuar, dizem líderes dos transportadores de carga, e garantir estabilidade dos valores por ao menos seis meses.
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Um deles disse ao Congresso em Foco ter recebido informações de que outras categorias vão iniciar suas próprias greves a partir desta, o que pode apertar o nó no pescoço do governo Michel Temer (MDB). Abatido por denúncias de corrupção e por impopularidade recorde, o emedebista cedeu a auxiliares e a caciques de sua base aliada no Congresso a tarefa de fazer frente ao impasse. Presidente da União Nacional dos Caminhoneiros (Unicam), José Araújo Silva foi à primeira reunião na Casa Civil, que consumiu três horas no final desta quarta-feira (23), e depois fez um relato sobre a situação de fragilidade do governo frente à ação de milhares de caminhoneiros mobilizados pelo país.
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“Daqui para frente não vamos abrir não. Tem que mudar. Eles viram que, com o país parado, não é brincadeira. Tem pessoas que estão aqui [em Brasília] e foram viajar, mas estão voltando para o hotel porque no aeroporto não tem querosene para os aviões, pois os caminhões [transportadores] estão parados lá em Goiânia, não conseguem passar. O governo entendeu que não tem para onde correr. O que estamos percebendo é que a sociedade também vai entrar nessa história”, declarou o dirigente ao Congresso em Foco, pouco depois da reunião na Casa Civil com ministros e deputados.
A estratégia parece ter surtido efeito: o próprio Temer admitiu ter pedido “trégua” aos caminhoneiros, na tentativa de reativar a atividade. Nada feito. “Está difícil para o governo. Lá [na Casa Civil] ficaram mais ou menos uns 30 deputados para ver o que eles vão fazer no Congresso para ajudar a encontrar uma saída, fazer uma lei. Nós queremos um plano de governo para o setor de transporte rodoviário de cargas, e disso não vamos abrir mão de forma alguma. Isso já está bem claro para eles”, acrescentou.
O presidente da Unicam já avisou que paliativos como os que estão em curso no Congresso, por meio de votação de projetos, não serão bem recebidos. Ontem, como parte das primeiras providências ensaiadas por Executivo e Legislativo, deputados aprovaram o projeto que, entre outras disposições, reduz benefícios fiscais concedidos pelo governo a vários setores da economia e promove alterações na legislação que reduzem o preço do óleo diesel. A proposição, que põe fim à desoneração da folha de pagamento em 56 setores, aguardava votação há pelo menos um mês, e só com o agravamento da situação foi pautada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
A providência legislativa, até se tornar lei depois de também passar pelo Senado, revela-se inócua, diz José Araújo. Para o dirigente, a Petrobras tem que reduzir o preço do combustível a patamares aceitáveis, de maneira simples, clara e direta. “Isso [votação projetos] não adianta. O que nós queremos é que, a cada seis meses, não aumente o óleo diesel”, resumiu o líder de classe.
José Araújo relatou que, em determinados momentos da primeira reunião na Casa Civil, o clima ficou tenso. A possibilidade de intervenção de forças policiais e do próprio Exército para debelar ações como bloqueios de rodovias chegou a ser cogitada, mas depois os ânimos serenaram. “Teve bate-boca, mas todo mundo entendeu. Agora, a sociedade está ajudando. Se pararmos mesmo, para o Brasil inteiro. E está sendo gozado que até motoristas de táxi, de Uber, motoqueiros estão todos nos apoiando. As pessoas passam batendo palmas para os caminhoneiros, dando água, dando bolacha. Está uma coisa muito bonita. Depois de tantos anos nós chegarmos onde queríamos chegar e fazermos esse Brasil crescer com trabalho. Não é com sacanagem, esse não é o caminho”, ponderou.
Quarto dia
As mobilizações entram no quarto dia e estão em curso em quase todos os estados do país. Basicamente focados na interrupção do abastecimento e no bloqueio de rodovias, os protestos são encabeçadas pela Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), com apoio de diversas outras entidades do setor, como a própria Unicam e a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), que representa principalmente os empresários da área. Segundo informações veiculadas pela imprensa nos últimos dias, variam entre 200 e 300 os focos de protestos.
Além dos contratempos na locomoção decorrentes dos bloqueios em estradas, a crise dos combustíveis provoca desabastecimento, falta de gasolina em postos (com consequente formação de filas nos que têm o produto), cancelamento de voos em aeroportos e alta de preços de produtos diversos. E abusos diversos. Em Águas Claras, cidade nos arredores de Brasília, o funcionário de um posto foi flagrado quando reajustava o litro da gasolina comum para R$ 9,99. O vídeo já começou a viralizar nas redes sociais.
Veja:
Reação
Ontem (quarta, 23), diante da determinação dos caminhoneiros em não ceder, a Advocacia-Geral da União (AGU) conseguiu duas decisões judiciais determinando o imediato desbloqueio de rodovias federais que ligaram o estado de Santa Catarina ao município de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul. O uso de força policial foi autorizado.
Em outra frente, a AGU também conseguiu liminar para garantir o abastecimento de combustível no Aeroporto dos Guararapes, em Pernambuco, que havia sido interrompido após bloqueio de caminhoneiros na via de acesso ao terminal. Desde a última segunda-feira (21), o órgão reverteu na Justiça nove obstruções de rodovias federais em Paraná, Minas Gerais, Goiás, Santa Catarina, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Sul, Rondônia e Distrito Federal. Outras ações estão em curso.
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Mesmo diante do esforço da AGU, a mobilização nacional dos transportadores avança e parece sensibilizar outros setores da sociedade, também vítima da alta do preço de combustíveis. Por outro lado, todas as providências do governo esbarram na insatisfação da categoria. Sequer o anúncio feito ontem (quarta, 23) pelo presidente da Petrobras, Pedro Parente, serviu para arrefecer os ânimos dos caminhoneiros. Ele comunicou, em entrevista coletiva, que haverá redução de 10% no preço do óleo diesel cobrado nas refinarias – ajuste que, na verdade, será um paliativo a perdurar apenas por 15 dias, além de representar só R$ 0,26 a menos no litro do combustível.
O líder do governo no Senado, Romero Jucá (MDB-RR), entrou em campo para anunciar apoio ao projeto de resolução do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) que pretende barrar aumentos no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente nas operações internas com combustíveis. A proposição fixa alíquota máxima para cobrança do ICMS, hoje responsável por 30% do preço total pago pelo consumidor nas bombas. Mas já há quem diga que a fixação de alíquota vai levar à redução na arrecadação das gestões estaduais, causando reação negativa em governadores.
Conhecedor da distância que separa o Congresso da realidade do setor de transporte de cargas, José Araújo faz menção ao pedido do governo para que os caminhoneiros interrompessem a greve por uma semana, para que negociações pudessem avançar, e aproveitou para denuncia a postura do Executivo até hoje. “Estamos há anos discutindo esse problema com o governo e ninguém nunca deu bola”, concluiu.
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