O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, reagiu às críticas direcionadas ao acordo de delação premiada que, depois de flagrar o presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves (PSDB-MG) em situações suspeitas, resultou em liberdade e autorização de viagem para o exterior aos delatores envolvidos – os irmãos Joesley e Wesley Batista, donos do grupo JBS (Friboi), entre outros. Janot rebate as críticas de que a colaboração judicial foi extremamente vantajosa para os irmãos Batista, que inclusive lucraram – mediante informação privilegiada, segundo as investigações, repassada secretamente por Temer – com a alta do dólar decorrente do noticiário negativo para o governo. Temer, é acusado, entre outras questões, de obstrução da Operação Lava Jato e associação criminosa.
Leia também
Dono da JBS grava Michel Temer avalizando compra de silêncio de Eduardo Cunha
Aécio é gravado pedindo R$ 2 milhões ao dono da JBS
De volta ao Brasil, deputado filmado recebendo dinheiro da JBS é hostilizado em aeroporto
Em artigo intitulado “O falso dilema de um bom acordo” (íntegra abaixo), originalmente publicado no Portal UOL, o procurador-geral diz por que defende os termos da ação coordenada. “Quanto valeria para a sociedade saber que a principal alternativa presidencial de 2014, enquanto criticava a corrupção dos adversários, recebia propina do esquema que aparentava combater e ainda tramava na sorrelfa para inviabilizar as investigações? Até onde o país estaria disposto a ceder para investigar a razão pela qual o Presidente da República recebe, às onze da noite, fora da agenda oficial, em sua residência, pessoa investigada por vários crimes, para com ela travar diálogo nada republicano?”, questiona Janot, mencionando ainda acusações sobre os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff.
“Que juízo faria a sociedade do MPF [Ministério Público Federal] se os demais fatos delituosos apresentados, como a conta-corrente no exterior que atendia a dois ex-presidentes, fossem simplesmente ignorados?”, acrescenta.
Da ação coordenada sob responsabilidade da força-tarefa da Operação Lava Jato, Procuradoria-Geral da República (PGR) à frente, alguns efeitos imediatos: afastamento de Aécio de seu mandato parlamentar e prisão de sua irmã, Andréa Neves, e de um de seus primos; investigação formal de Temer por corrupção, associação criminosa e obstrução de Justiça; e afastamento também do deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), filmado recebendo uma mala com R$ 500 mil em dinheiro.
No texto abaixo, Janot lista ainda os benefícios decorrentes do acordo de delação fechado com os irmãos Batista.
Leia a íntegra do texto:
“O falso dilema de um bom acordo
Três anos após a deflagração da Operação Lava Jato, com todos os desdobramentos que se sucederam, difícil conceber que algum fato novo ainda fosse capaz de testar tão intensamente os limites das instituições. Mas o roteiro da vida real é surpreendente.
Em abril deste ano, fui procurado pelos irmãos Batista. Trouxeram eles indícios consistentes de crimes em andamento – vou repetir: crimes graves em execução –, praticados em tese por um Senador da República e por um Deputado Federal.
Os colaboradores, no entanto, tinham outros fatos graves a revelar. Corromperam um procurador no Ministério Público Federal. Apresentaram gravações de conversas com o Presidente da República, em uma das quais se narravam diversos crimes supostamente destinados a turbar as investigações da Lava Jato.
Além desses fatos aterradores, foram apresentadas dezenas de documentos e informações concretas sobre contas bancárias no exterior e pagamento de propinas envolvendo quase duas mil figuras políticas.
Mesmo diante de tais revelações, o foco do debate foi surpreendentemente deturpado. Da questão central – o estado de putrefação de nosso sistema de representação política – foi a sociedade conduzida para ponto secundário do problema – os benefícios concedidos aos colaboradores.
Quanto valeria para a sociedade saber que a principal alternativa presidencial de 2014, enquanto criticava a corrupção dos adversários, recebia propina do esquema que aparentava combater e ainda tramava na sorrelfa para inviabilizar as investigações?
Até onde o país estaria disposto a ceder para investigar a razão pela qual o Presidente da República recebe, às onze da noite, fora da agenda oficial, em sua residência, pessoa investigada por vários crimes, para com ela travar diálogo nada republicano?
Que juízo faria a sociedade do MPF se os demais fatos delituosos apresentados, como a conta-corrente no exterior que atendia a dois ex-presidentes, fossem simplesmente ignorados?
Foram as perguntas que precisei responder na solidão do meu cargo. A gravidade do momento, porém, fez-me compreender claramente que já tinha em mim as respostas há pelo menos trinta e dois anos, quando disse sim ao Ministério Público e jurei defender as leis e a Constituição do país.
Embora os benefícios possam agora parecer excessivos, a alternativa teria sido muito mais lesiva aos interesses do país, pois jamais saberíamos dos crimes que continuariam a prejudicar os honrados cidadãos brasileiros, não conheceríamos as andanças do Deputado com sua mala de dinheiro, nem as confabulações do destacado Senador ou a infiltração criminosa no MPF.
Como Procurador-Geral da República, não tive outra alternativa senão conceder o benefício da imunidade penal aos colaboradores, alicerçado em três fortes premissas: a) a gravidade de fatos, corroborados por provas consistentes que me foram apresentadas; b) a certeza de que o sistema de justiça criminal jamais chegaria a todos esses fatos pelos caminhos convencionais de investigação; e, por fim, c) a situação concreta de que, sem esse benefício, a colaboração não seria ultimada e, portanto, todas as provas seriam descartadas.
Para os que acham que saiu barato, anoto as seguintes considerações pouco conhecidas: no acordo de leniência, o MPF que atua no primeiro grau propôs o pagamento de multa de 11 bilhões de reais; as punições da Lei de Improbidade e da Lei Anticorrupção ainda estão em aberto; no que se refere às operações suspeitas no mercado de câmbio, não estão elas abrangidas pelo acordo e os colaboradores permanecem sujeitos à integral responsabilização penal; e, por fim, a colaboração é muito maior que os áudios questionados.
Sem jactância e apesar de opiniões contrárias, estou serenamente convicto de que tomei, nesse delicado caso, a decisão correta, motivado apenas pelo desejo de bem cumprir o dever e de servir fielmente ao país.
Finalmente, tivesse o acordo sido recusado, os colaboradores, no mundo real, continuariam circulando pelas ruas de Nova York, até que os crimes prescrevessem, sem pagar um tostão a ninguém e sem nada revelar, o que, aliás, era o usual no Brasil até pouco tempo.
Rodrigo Janot, Procurador-Geral da República”