Os editais do concurso do Senado foram divulgados ontem (23/12) e já causam polêmicas. O valor cobrado pela participação dos candidatos, que varia entre R$ 180 e R$ 200, é considerado alto pela maioria dos especialistas. Mas o mais problemático é o conteúdo do documento que orienta a seleção de consultores legislativos. Ele foi quase que totalmente copiado do edital do concurso realizado em 2001, o que faz com que esteja completamente desatualizado. Ao todo, serão selecionados 246 novos servidores para ocupar cargos de técnicos, analistas e consultores legislativos e oferecidos salários de R$ 13,8 mil a R$ 23,8 mil.
A Fundação Getúlio Vargas (FGV), empresa responsável pela seleção, publicou o conteúdo programático do edital para consultor legislativo (veja aqui) com uma grande parte das informações iguais às encontradas nas regras para o mesmo cargo do concurso de 2001, elaborado pelo Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (Cespe/UnB). O texto da organizadora carioca foi divulgado junto com os editais para os cargos de técnico e analista legislativo.
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O contrato firmado entre o Senado e a FGV também estava no Diário Oficial da União desta sexta-feira. O acerto foi feito mediante dispensa de licitação (veja extrato abaixo) e, conforme o combinado, a empresa receberá somente o que for arrecadado com as inscrições.
Conteúdo desatualizado
PublicidadeO presidente da Comissão do Concurso Público do Senado, Davi Anjos Paiva, disse à Agência Senado que “os conteúdos programáticos do certame foram criteriosamente selecionados pela FGV. O objetivo é garantir o acesso aos quadros do Senado dos candidatos mais bem preparados, capazes de prestar à sociedade um serviço público de elevada qualidade,” garante. Se isso for verdade, o fato é que boa parte do mérito não será bem da FGV, mas do concurso de 2001, porque o conteúdo é idêntico. E não será a primeira vez que a FGV enfrentará a mesma acusação, no mesmo Senado. A fundação foi a organizadora que elaborou o concurso de 2008 para o Senado Federal (veja detalhes aqui) e, na ocasião, já foi alvo de críticas e acusações de plágio em provas. A comparação dos editais – atual e de 2001 – do cargo de consultor legislativo dá indícios de que os problemas podem vir a se repetir.
No novo edital, encontram-se orientações iguais às descritas no texto do edital elaborado pelo Cespe (veja íntegra aqui) em 2001. No item que diz respeito às matérias comuns às diversas subáreas do posto de consultor, somente Língua Portuguesa e Língua Inglesa não têm textos idênticos. Os demais, Conhecimentos Gerais, Direito Constitucional e Administrativo, Administração e Políticas Públicas e Raciocínio Lógico, têm o mesmo conteúdo e sequência de assuntos.
Veja abaixo:
O problema não seria tão grande se o copie e cole da FGV não tivesse tornado o conteúdo exigido completamente desatualizado (veja quadro de vagas do concurso aqui). Nos itens da área “Agricultura”, há descrições sobre “As crises da Rússia e da Argentina e seus reflexos na economia brasileira”. As tais crises exigidas aconteceram em 1998. Em seguida, pede conhecimentos sobre “A desvalorização de janeiro de 1999 e seus impactos sobre a produção, a renda e o balanço de pagamentos”. O edital ignora, portanto, que depois das crises do final da década de 90, Luiz Inácio Lula da Silva tornou-se presidente em 2002, governou por dois mandatos e elegeu sua sucessora, Dilma Rousseff, em 2010. A crise de 1998 já passou. Uma outra crise econômica abalou os Estados Unidos durante o governo Lula e chegou aqui apenas como “uma marolinha”. E o mundo enfrenta agora uma outra crise econômica, que não afetou – pelo menos por enquanto – significativamente o Brasil.
Veja abaixo:
Estes dados são repetidos também nas subáreas de Economia do Trabalho, Renda e Previdência, Economia Regional e Políticas de Desenvolvimento Urbano, Minas e Energia, Política Econômica e Finanças Públicas, Política Econômica e Sistema Financeiro e Políticas Microeconômicas.
Legislações revogadas
Se o concurso confunde história recente do Brasil com atualidades, o mais grave é que no copie e cole ele exigirá o estudo de legislações que simplesmente não existem mais. É o caso da Resolução do Senado N° 96, de 1989, que consta no conteúdo a ser cobrado em prova. Essa resolução foi alterada em janeiro de 2007, e vários dos seus itens foram revogados (veja aqui). Outro exemplo é a Lei do Simples, Lei 9.317/2003, que deixou de vigorar em 2006, quando foi editada a Lei Complementar N° 123/2006. Em ambos os casos, o conteúdo desatualizado pode gerar recursos e anulação de questões da prova.
E a FGV poderá ganhar R$ 15 milhões …
Caso a expectativa de 80 mil inscrições da comissão organizadora interna se confirme, a FGV irá levantar cerca de R$ 15 milhões, levando em consideração as isenções e a variação dos valores das inscrições. Para participar da seleção, cada candidato terá que desembolsar R$ 180 (nível médio) e R$ 200 (nível superior). Os preços das taxas cobradas são abusivos na opinião de especialistas.
Para o professor de Direito Administrativo Ivan Lucas, “os organizadores se aproveitam do fato de a remuneração ser alta para aumentar o valor da taxa de inscrição de forma desmedida,” afirma. “Precisamos de uma lei que regulamente a questão para evitar o lucro excessivo. Existe um princípio na administração pública que é chamado de modicidade das tarifas. Esse princípio tem o objetivo de evitar que prestadores de serviços para órgãos públicos tenham lucros excessivos. Isso deveria se aplicar também aos concursos públicos. Não há nada de errado na organizadora obter lucros pelos serviços prestados. No entanto, não se pode exagerar. Um concurso grande como o do Senado é o foco de muita gente. Quantas pessoas devem ficar de fora por não poderem pagar uma taxa tão alta?”, indaga.
“O valor da inscrição é abusivo”, afirma o professor de administração financeira e orçamentária, Sérgio Mendes, do site Estratégia Concursos. “É inadmissível que o valor pago para a inscrição seja o primeiro limitador para a conquista da vaga. Todos os interessados devem ter igual acesso de oportunidades. Tal fato está longe de ser o objetivo de um concurso público”, lamenta.
Na opinião do professor de economia e coordenador do site Estratégia Concursos, Heber Carvalho, há dois pontos de vista a serem analisados. “Se observarmos sob a ótica das remunerações envolvidas, em que um cargo de nível médio no Senado tem vencimentos maiores do que a maioria dos cargos de nível superior de outros órgãos públicos, os preços das inscrições seguem a lógica de mercado. No entanto, do ponto de vista de ser uma taxa para uma seleção de candidatos de nível médio, aí realmente podemos entender que está caro”, explica. Ele ressalta que se trata de uma seleção mais complexa. “Também devemos considerar a questão da correção de provas discursivas que é onerosa para a organizadora. Haverá provas discursivas para todos os cargos, o que normalmente tende a encarecer bastante o processo seletivo,” relativiza.
Colaborou Eduardo Militão
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