Um debate promovido no plenário do Senado nesta quinta-feira (22) expôs divergências entre ambientalistas e ruralistas em relação à flexibilização do Código Florestal. Mostrou, ainda, uma divisão no agronegócio sobre o assunto. Parte do setor, amplamente representado no Congresso, apoia incondicionalmente a mudança na lei. Outro segmento, porém, se alinha a lideranças ambientais na preocupação de que o afrouxamento na legislação aumentará o desmatamento e trará prejuízos à economia, inclusive com embargos internacionais.
As discussões giraram em torno do Projeto de Lei 3511/2019, do senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS), que altera a legislação ambiental referente ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) e ao Cadastro Ambiental Rural (CAR). Autor do requerimento que resultou na sessão, Heinze disse que sua intenção não é estimular a devastação, mas adequar o Código Florestal à realidade de milhões de produtores rurais que, segundo ele, ainda padecem com a insegurança jurídica.
Na opinião de ambientalistas, a proposta vai anistiar de recomposição ambiental diversas áreas que de acordo com a lei atual deveriam ser reflorestadas. O projeto reproduz parte das mudanças feitas no texto da Medida Provisória 867/19, que perdeu a validade em junho sem ser votada pelo Senado.
Representante da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, movimento multissetorial composto por entidades que lideram o agronegócio e organizações civis da área de meio ambiente e clima, André Guimarães criticou a proposta durante o debate em plenário. Ele disse que a aprovação do projeto vai municiar o discurso internacional de que o Brasil está destruindo o meio ambiente.
“Hoje 30% do nosso PIB [Produto Interno Bruto] está ligado ao uso da terra. Quando a gente fala em mexer no Código Florestal, que sinal estamos mandando aos nossos clientes, que compram esta produção? Estive recentemente num evento com o presidente da Cofco [empresa estatal chinesa, maior importadora mundial da produção brasileira], e eles priorizam a sustentabilidade. Modificar uma legislação que pode gerar mais desmatamento não faz sentido”, declarou André, que é diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Para ele, o momento não é de flexibilizar o Código, mas de implantá-lo de maneira efetiva, harmonizando a produção e a conservação. “Agora é a hora de implementar o Código Florestal. Colocar mais assistência técnica para o agricultor familiar e médio, discutir crédito, ter mais incentivos para a produção sustentável, mais espaço no mercado internacional, pagamentos por serviços ambientais etc. Nós somos o maior produtor de serviços ambientais do mundo e ainda não temos uma legislação federal sobre o assunto. Mexer com legislação que tem possibilidade de aumentar o desmatamento nos dias de hoje não tem sentido”, concluiu.
PublicidadeDiscurso semelhante foi feito pelo vice-presidente do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), João Paulo Capobianco. Para ele, afrouxar o Código Florestal neste momento aumentará o desmatamento no país. Secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente durante a gestão de Marina Silva, Capobianco citou dados oficiais que indicam crescimento na devastação dos biomas brasileiros.
“Entre 2006 e 2017, o Brasil desmatou mais de 96 mil km² na Amazônia. E outros 134 mil km² no Cerrado. O país tem avançado muito rapidamente na destruição dos biomas. Temos a maior diversidade biológica do mundo graças a estes múltiplos biomas. E é esta riqueza inclusive que permite o alto desenvolvimento produtivo que atingimos. Tenho certeza que nenhum produtor rural é contra que nos esforcemos na preservação desta diversidade”, declarou.
Capobianco também defendeu a união de lideranças do agronegócio e de ambientalistas para a implementação do Código Florestal, o que, no entendimento dele, ainda não ocorreu. A mudança na legislação neste momento, de acordo com o vice-presidente do IDS, aumentará o cenário de insegurança jurídica no setor.
O senador Luiz Carlos Heinze, o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), e o ex-deputado Aldo Rebelo (Solidariedade-SP), que relatou o Código na Câmara, criticaram o Código e o ativismo judicial que, segundo eles, têm prejudicado os produtores rurais.
Heinze disse que um dos objetivos do Código Florestal era consolidar atividades agrosilvipastoris, o que, segundo ele, não está ocorrendo. “No bioma pampa por exemplo, há milhares de ações de promotores alegando que não se pode mexer no campo nativo. Os jesuítas chegaram ao Rio Grande do Sul e introduziram a pecuária há mais de 300 anos, e agora dizem que não pode mais. Só no meu estado já aplicaram de 30 a 40 milhões de multas a produtores que já exerciam a pecuária, multas entre R$ 7 mil a R$ 8 mil por hectare. Conheço gente que não planta há mais de dois anos”, disse.
O senador gaúcho alega que desde a sanção do Código, em 2012, diversos proprietários rurais esperam que seus estados definam regras de adesão ao Programa de Regularização Ambiental, bem como sua implantação. Como esses prazos já acabaram, ele defende que quem ainda não se cadastrou tenha um novo período para se regularizar, sem depender da regulamentação dos PRAs em seus estados.
Alceu Moreira também cobrou a aprovação do projeto. “Lá no Sul, os promotores dizem que mesmo nas áreas consolidadas, de campo nativo, se altera o cultivo, a pessoa é obrigada a estabelecer a reserva legal de 20%. Isso é algo totalmente injusto. Área consolidada é consolidada, não importa se planta milho, morango, tira leite ou cria gado”, protestou.
Para Aldo Rebelo, juízes e promotores de primeira instância têm interpretado de maneira equivocada a lei. “O artigo 68 é muito claro, foi negociado à exaustão, e explicita que quem no passado suprimiu vegetação nativa num percentual permitido pela então legislação em vigor, estão dispensados de compensar pelo atual Código Florestal. O problema é que no Brasil, em muitos domínios, as leis perderam força. O que vale é o que pensa o juiz ou o promotor. Aprovamos um Código, mas o MP e juízes de 1ª instância transformaram este Código numa outra coisa”, lamentou. “O debate está aberto por quem devia aplicar a lei. Não é aplicar a lei, mas qual lei deve ser aplicada. Esse é um problema que está posto”, acrescentou.
Também presente à sessão, o jurista Leonardo Papp defendeu a aprovação do projeto. Para ele, a proposta reconhece o tratamento diferenciado à pequena propriedade, previsto no Código Florestal, e permite a aplicação do Cadastro Ambiental Rural e do Programa de Regularização Ambiental mais condizente com a realidade vivida no campo.
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