Lázaro Thor Borges, especial para o Congresso em Foco
Corrupção, fraude eleitoral e assassinato: estas são algumas das acusações feitas, durante o regime militar, contra o atual presidente da Comissão de Ética do Senado, Jayme Campos (DEM-MT). Os relatos das investigações estão em documentos arquivados pelo Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de espionagem dos militares. Nestes arquivos, Jayme e seu irmão, Júlio Campos (DEM-MT), que é candidato ao Senado na eleição suplementar decorrente da cassação do mandato da ex-senadora Selma Arruda (Podemos-MT), são apontados por investigadores do SNI como autores de diferentes crimes.
Apesar dos relatórios produzidos, das cartas, dos dossiês e outros documentos, Jayme e sua família nunca foram formalmente acusados. Os Campos são o clã político mais poderoso de Mato Grosso e grande parte deste poder foi conquistado nos 1980, quando dominavam o PDS, principal herdeiro da Arena, legenda de apoio à ditadura.
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Uma das denúncias aparece em um dossiê elaborado pelo SNI em 25 de maio de 1984, que aponta o enriquecimento da família Campos às custas de dinheiro público. Caçula do clã, Jayme Campos estava no primeiro ano de mandato como prefeito de Várzea Grande, cidade contígua a Cuiabá e berço político da família.
No comando do governo de Mato Grosso estava o irmão de Jayme, Júlio Campos (DEM-MT). O documento, que foi classificado como “confidencial” na época, estava depositado no Arquivo Nacional, onde permanece até hoje. Segundo o relatório, a família Campos participava direta e indiretamente do quadro societário de pelo menos oito empresas que venceram licitações no governo do estado e que, já no primeiro ano das gestões de Júlio e Jayme, elevaram seu capital social.
PublicidadeA família Campos controlava, segundo o SNI, as empresas Empreendimentos Santa Laura S.A., Rádio Industrial de Várzea Grande S.A., Aquário Engenharia e Comércio S.A., Eletroeste Comércio de Produtos Elétricos S.A., JHG Recuperadora de Transformadores Ltda., Terramat Terraplanagem Matogrossense Ltda., Asteca Mineração Ltda. e Rádio e Televisão Brasil Oeste.
Jayme era sócio direto de pelo menos duas dessas empresas: Terramat e Empreendimentos Santa Laura. A Terramat foi a segunda construtora que mais ganhou contratos com o governo e, principalmente, com a prefeitura de Várzea Grande, comandada pelo próprio Jayme. De 1983 a 1984, a Terramat venceu 11 licitações, duas realizadas na prefeitura, com valores de obras que não foram divulgados.
A Aquário Engenharia, outra empresa que segundo a investigação do SNI era controlada pelos Campos, venceu 12 licitações no mesmo período. Seu capital social saltou de Cr$ 236 milhões em dezembro de 1982 para Cr$ 1,3 bilhão em março de 1984. Em março de 1982, antes da eleição em que os Campos venceram, a Terramat tinha um capital social de Cr$ 58 milhões, depois da posse de prefeito e governador este valor passou para Cr$ 260 milhões e, no ano seguinte em 1984, a empresa chegou a Cr$ 850 milhões.
“Torna-se evidente, pelo número de licitações que as firmas Aquário e Terramat se saíram vencedoras em apenas um ano do governo Júlio José de Campos, que as mesmas estão sendo beneficiadas. Por outro lado, causa estranheza os súbitos e elevados aumentos de capitais que tais empresas tiveram, a partir do momento em que Júlio Campos teve certeza de ter ganho as eleições de 1982”, diz trecho do relatório do SNI.
Os investigadores do SNI também suspeitavam que Jayme e Júlio elevaram o capital social de suas empresas em dezembro de 1982 já cientes de que ganhariam a eleição e que, com o capital aumentado, poderiam participar de licitações com o poder público. Além disso, de acordo com o relatório, essa movimentação seria um indicativo de aumento do patrimônio depois que eles já estivessem em seus cargos.
Suspeita de propina
Parte desse relatório revela que uma investigação preliminar, feita pela Agência Regional do SNI em Cuiabá, indicou a possibilidade de existência de um esquema de cobrança de propina envolvendo empreiteiras que tinham negócio com o governo comandado por Júlio Campos.
Conforme o relatório, a Dinâmica Nasser Representações Ltda., sediada em Campo Grande, no estado vizinho de Mato Grosso do Sul, intermediava irregularmente credores do estado. A empresa, ainda segundo o documento, encaminhava credores para tratarem de suas dívidas com o empresário Jorge Pires de Miranda, cunhado de Júlio, que repassava a negociação para o governador.
Neste último estágio, prosseguia o SNI, o pagamento só era viabilizado se o credor aceitasse retornar, para as mãos de Júlio, 10% do que o estado lhe devia. “O motivo alegado para a ação corrupta é o de criar um ‘fundo’ para financiar sua campanha ao Senado Federal”, diz o documento da investigação.
Fraude nas eleições e assassinato
A convicção na vitória daquela eleição não era tão firme em novembro de 1982 quanto se tornou em dezembro do mesmo ano, quando o capital social das empresas foi elevado. Nas vésperas da disputa, os Campos temiam a derrota. Os primeiros a relatarem publicamente a angústia do clã Campos foram os policiais civis Márcio Roberto Tenuta França e Laury San Martin da Paixão, presos quatro anos depois, em 1986, acusados de comporem um “Esquadrão da Morte” que, segundo os próprios acusados, era liderado pelo governador Júlio Campos.
Márcio Tenuta e Laury Paixão contaram em depoimento prestado à polícia por conta de outros crimes que, no início de novembro daquele ano, a família Campos se reuniu na Rua 24 de Outubro, em Cuiabá, para pensar estratégias que pudessem frear o avanço dos candidatos Celso Mendes Quintela, rival de Jayme na prefeitura de Várzea Grande, e do Padre Raimundo Pombo, rival de Júlio para o governo do estado. Os dois, Quintela e Pombo, eram filiados ao MDB.
Os dois policiais contaram que o empresário Jorge Pires de Miranda, cunhado dos Campos, ofereceu, logo depois da reunião, quarenta milhões de cruzeiros para que os dois matassem Celso Mendes Quintela. Os policiais afirmaram que recusaram a proposta e que, dias depois, outro policial, a mando da família, executou o adversário emedebista.
“Foi o Jorge que ofereceu dinheiro para matar o Quintela, mas eu e o Peninha não aceitamos; no dia seguinte o Jorge me propôs um dinheiro, não lembro quanto, para matar o Padre Pombo, e eu não aceitei”, diz trecho do depoimento de Márcio Tenuta, que foi entregue ao SNI através de um relatório classificado como “urgentíssimo”.
A morte de Quintela fez surgir, no ambiente político de Mato Grosso, uma cortina de silêncio. No dia 26 de novembro de 1982, quando foi morto, o advogado iniciava uma busca desenfreada para tentar provar que as eleições em que saiu derrotado tinham sido fraudadas.
“Ele estava na Alameda Júlio Muller, em Várzea Grande, tinha conseguido pegar uma testemunha das fraudes, exigia que o sujeito falasse”, conta um membro do MDB da época, que pediu anonimato. “Um outro carro se aproximou e alguém disparou um tiro que acertou a cabeça do Quintela, todos sabiam que ele estava investigando as fraudes”, completa.
No dia 27 de novembro, um dia depois da morte do candidato, o MDB entrou com recurso na 1ª Zona Eleitoral de Cuiabá solicitando a anulação de toda disputa daquele ano. Os documentos entregues pelos diretores do MDB apontavam a existência de mais de 30 mil nomes repetidos nas urnas, além de nomes de pessoas falecidas ou não habilitadas para votar.
A repercussão da denúncia se tornou ainda mais intensa nos jornais, com a revelação de imagens de urnas eleitorais que foram encontradas boiando no rio Cuiabá. Nos registros oficiais no Tribunal Regional Eleitoral, Jayme venceu Quintella por uma diferença de 3 mil votos e Júlio venceu o Padre Raimundo Pombo por uma diferença de 14 mil votos. Mas, na visão dos que viveram intensamente aquela disputa, as fraudes comprovadas reverteram totalmente o resultado.
“Eu me lembro muito bem que, logo depois da morte do Quintela, fomos procurar o padre Raimundo Pombo para protestarmos e ele, religioso que era, pediu que desistíssemos, me falou ‘esqueça esta história, meu filho’, acho que ele estava com medo”, conta outro militante da época, que também prefere não revelar seu nome.”
Aos poucos, o silêncio foi tomando conta do cenário político. Os protestos iniciais realizados pelo MDB e monitorados pelo SNI foram desaparecendo. O caso só voltou à tona em 1986, justamente por conta do depoimento dos policiais. Depois da divulgação das denúncias na imprensa, o diretor do MDB em Várzea Grande redigiu uma carta ao ministro chefe do SNI na época, general Ivam de Souza Mendes, em que denunciou com mais detalhes como foi o assassinato de Quintela.
“As provas já se avolumaram de tal sorte a ponto de ninguém mais duvidar de que as eleições seriam indubitavelmente anuladas”, diz trecho da carta sobre a investigação paralela que Quintela teria realizado. “No dia 24.11.82 recebe o Dr. Celso uma estupenda oferta para abandonar a luta pela anulação da eleição […] nada mais, nada menos que Cr$ 50 milhões a alta cúpula pedessista oferecia à Quintela com um certo ar de ameaças, como quem diz: aceita ou daremos um jeito”, narra a missiva, assinada por um diretor do MDB que, ao ser procurado pela reportagem, se recusou a comentar sobre o assunto.
Em 2001, o acusado pela morte do candidato do MDB, Daniel Germano Gonçalves, foi absolvido por júri popular. Três anos depois, em 2003, ele foi condenado a cumprir pena em regime semiaberto após a Justiça determinar novo julgamento. Daniel disse aos investigadores que tentava defender seu irmão, Timóteo Gonçalves, que, segundo Quintela, tinha provas das fraudes naquelas eleições. O depoimento dos policiais do esquadrão da morte foi arquivado.
Em 2013, Júlio Campos voltou a ser relacionado a um assassinato. Nesse caso, ele foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) por homicídio, apontado como mandante das mortes do geólogo Nicolau Ladislau Eryin Haralyi e do empresário Antônio Ribeiro Filho, em 2004. Os dois foram, mortos segundo o MPF, por conta da disputa de uma terra de 87 mil hectares com diamantes em Mato Grosso. Em fevereiro deste ano o processo prescreveu e foi extinto.
Em 2014, quando era deputado federal, Júlio teve o mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, acusado de compra de votos e gasto ilícito de dinheiro público na sua campanha eleitoral. A cassação, no entanto, foi derrubada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Outro lado
A reportagem do Congresso em Foco procurou as assessorias de Júlio e Jayme Campos. Os dois decidiram que o senador falaria sobre o assunto. Em contato por telefone, Jayme afirmou que as denúncias sobre assassinato político e fraude eleitoral foram provocadas pelo MDB na época porque o grupo derrotado estava insatisfeito com o resultado daquelas eleições.
“O Quintela foi morto por pistoleiros dele”, afirmou Jayme. “Eu nunca fui ouvido nem ninguém da minha família, o MDB daqui, derrotado porque ganhamos as eleições, criou este factoide contra nós. Como tem envolvimento nosso se eu nem sei quem foi o autor e quem brigou com o cara? Ninguém nosso foi ouvido, nem eu nem o Júlio Campos”, afirmou.
“Quem pode ter matado ele eram adversários dele do MDB, conosco nunca teve nada, eu tive 70% dos votos. Quem poderia ter matado eram adversários dele dentro da coligação, nunca fui ouvido nem tenho conhecimento disso daí”, completou.
Em relação aos demais relatórios do SNI, que citam as denúncias de esquemas de corrupção e a participação de empresas da família, Jayme nega todas as acusações. Ele afirma que o relatório é mentiroso. Cita, por exemplo, que a Terramat estava falida no governo Júlio Campos.
“Chegou em 1981 a empresa quebrou, espatifou, mas não trabalhou no governo Júlio Campos nem no meu”, relata. “Este relatório está mentindo, está faltando com a verdade, esta firma foi montada em 1978 e por volta de 1981 ela faliu, nunca trabalhou no governo, isso aí tudo é denúncia de adversário. Nós somos limpos”, afirmou.
Jorge Pires de Miranda, que também foi procurado, disse não querer comentar as denúncias. Segundo ele, o caso do assassinato de Quintela já foi investigado e julgado e não há nada que ligue seu nome ao assunto.
Júlio Campos (DEM) também foi ouvido pela reportagem. Ele negou as acusações e alegou que as denúncias são uma “pilhéria” e que se realmente fosse culpado teria sido investigado e julgado. Ele lembrou que nunca foi chamado pelo chefe da SNI na época, cuja sede na ocasião era em Campo Grande (MS), e que era comum que adversários políticos procurassem o órgão para provocar factóides.
“Nas eleições de 82 o povo Mato Grosso é que optou por um cara jovem, deputado federal, e um padre de 70 anos, falando em plantar mangueira e goiabeira na beira da estrada, aquelas maluquice… Eu ganhei a eleição e o MDB ficou frustrado”, afirmou o ex-governador de Mato Grosso.
Júlio contou que nunca soube da existência das denúncias e que, mesmo assim, “nada o abalou”. Sobre a acusação de ter enriquecido empresas em que era sócio em seu governo, Júlio lembra que a família “nunca foi pobre” e que a maioria dos bens já pertenciam a seus parentes.
A família Campos define-se publicamente como descendente de Antônio Pires de Campos, o primeiro bandeirante a chegar em Mato Grosso. Pires de Campos chegou na região à procura de índios para vender como escravos em São Paulo.
“Todos nós estudamos no Rio de Janeiro e em São Paulo, nós nunca fomos pobres”, conta. “A maioria destes bens já eram da família Campos antes da política, meia Várzea Grande é nossa hoje, era da minha avó, da minha bisavó, naquele tempo quem morava em Cuiabá e conseguiu conservar ficou bilionário”, explicou.
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