O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, nesta quarta-feira (1º), o julgamento sobre o chamado “marco temporal” de terras indígenas. O debate sobre a questão ocorre no Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, entre o povo Xokleng de Santa Catarina e o governo do estado de Santa Catarina.
O caso começou a ser julgado na última quinta-feira (26), mas acabou suspenso. Nesta quarta-feira, foram ouvidas algumas das manifestações das partes do processo – são 39 delas no total.
O advogado do Instituto de Meio Ambiente de Santa Catarina, Alisson de Bom de Souza, pediu que fosse reafirmada o direito do Estado à posse da terra. “Não se trata de colocar indígenas contra proprietários ou produtores, e a partir desta dicotomia resolver a questão fundiária”, buscou definir o representante. “O assunto deste processo versa sobre o que se entende por povo brasileiro e sobre como vamos construir uma sociedade livre, justa e solidária.”
Já o advogado do povo Xokleng, Rafael Modesto, apontou para um passado de perseguição aos indígenas, que teriam sido decapitados, envenenados e mesmo crucificados por caçadores no século XX. O advogado lembrou que a queda do marco temporal não abrirá espaço para requisições extremas. ” Ninguém reivindica Copacabana, mas 0,3 e até 1% de estados onde os indígenas são mais populosos”, disse. “É insignificante”. Outro advogado dos Xokleng, Carlos Frederico Marés de Souza Filho, disse que negar ao povo o seu território é negar-lhes a organização social. “Manter o marco social é dizer ‘os índios serão integrados’, e as sociedades desaparecerão”, disse.
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O advogado-geral da Uniã0, Bruno Bianco, disse que a corte deve tomar uma decisão mantendo o “marco temporal”, pelo bem da segurança jurídica. “[A ocupação] depende do reconhecimento da tradicionalidade, o que ocorre apenas com a conclusão do processo demarcatório”, afirmou Bianco.
Antes de suspender o julgamento, Luiz Fux já havia cedido a palavra a membros de diversos povos indígenas, ONGs, associação de Juízes, a Ordem dos Advogados do Brasil e servidores da Funai (Fundação Nacional do Índio), que participaram do caso na condição de interessados no caso. Nesta quinta-feira (2), outras partes retomarão a fala, além do procurador-geral da República, Augusto Aras. Apenas depois disso dá-se início à leitura dos votos.
Entenda o caso
A tese a ser discutida pela corte é se os indígenas do povo Xokleng tem direito a acesso a uma terra pública no norte de Santa Catarina. A tese que a corte deve julgar nas próximas semanas deve abordar se os indígenas só tem direito às terras onde já estavam ocupados após a promulgação da Constituição, em 1988, e demarcações realizadas após este prazo – ou se eles têm direito a reivindicar terras ocupadas anteriormente, ou de ocupação histórica de seu povo.
Como a decisão que a corte tomará servirá de parâmetro para outros 82 casos, uma decisão em favor dos indígenas poderá gerar o fenômeno de aumento de terras destinadas aos povos originários.
O ministro Edson Fachin, que é o relator do caso, já indicou que deve votar pela derrubada do marco temporal instalado durante o julgamento do caso Raposa Serra do Sol, em 2009. Um pedido de vista é considerado provável, uma vez que o caso é considerado sensível, e poderá suspender indefinidamente o caso.
Indígenas estão mobilizados desde a semana passada em Brasília, acompanhando o julgamento. Ao menos seis mil deles estiveram em manifestações na semana passada, no que é considerado o maior acampamento de povos tradicionais desde a fundação da cidade. Ao mesmo, parlamentares da bancada ruralista indicam que atuam para interromper o julgamento, e que consideram a demarcação um “equívoco” do governo.
Segundo cálculos do governo de Jair Bolsonaro – que é contrário à proposta – uma decisão favorável aos indígenas poderia dobrar o número de terras indígenas no país. Bolsonaro é o primeiro presidente desde o início da redemocratização a não homologar nenhuma terra indígena durante seu mandato.
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