Um parecer da Fundação Nacional das Artes (Funarte) negou o financiamento a um festival de jazz na Chapada Diamantina, interior da Bahia, sob argumento de que o festival poderia incentivar o uso errado do recurso público . Conforme a nota técnica, a música deve servir a Deus – o que não valeria ao festival “Jazz do Capão”.
“A candidatura deste que postulou a Arte ao concorrer à categoria de Projeto Cultural, apresenta-se desconfigurado e sem acepção a este atributo”, disse o parecerista, Ronaldo Daniel Gomes, que abriu sua conclusão com uma frase creditada ao compositor alemão Johann Sebastian Bach (1685-1750): “O objetivo e a finalidade maior de toda música não deveria ser nenhum outro além da glória de Deus e a renovação da alma.”
Veja a íntegra do parecer:
A análise busca nos céus por inspiração contra a cessão de verba: “no canto gregoriano, a Música pode ser vista como uma Arte Divina, onde as vozes em união se direcionam à Deus”, escreve Ronaldo Gomes em um trecho. Em outro, define que “a Arte é tão singular que pode ser associada ao Criador”.
Além da menção divina no parecer, a Funarte também indica que o corte de verba se deu por conta de críticas do festival ao governo federal. O parecerista indica uma postagem do festival, em junho de 2020, em que o festival se definiu como “antifascista” e “a favor da democracia”.
O festival é realizado, segundo sua produtora, desde 2010 – com o patrocínio da Lei Rouanet e de outros programas de fomento à cultura , permitindo que artistas de renome da MPB e do Jazz se apresentem no interior da Bahia. Neste ano, no entanto, o capital federal foi barrado. Em um comunicado à imprensa, o diretor artístico do Jazz do Capão, Rowney Scott, disse que a intenção das postagens em redes sociais não eram direcionar críticas a um governo em específico.
“A postagem não foi feita com recursos públicos e não ataca diretamente ninguém, pelo contrário, fortalece a importância da democracia no nosso país. Por outro lado, o parecer tende a reduzir a função e características da Música a uma apreciação sob um aspecto unicamente religioso, cerceando a imensurável capacidade dessa forma de arte de expressar a humanidade em toda a sua complexidade e beleza”, resumiu Rowney. “Isso nos causa muito estranhamento, sobretudo sendo o Brasil, sob a tutela da sua Constituição Federal, um Estado laico.”
O autor do parecer, Ronaldo Gomes, era assessor técnico da presidência da Funarte. A demissão dele foi assinada em 1º de julho pelo ministro do Turismo, Gilson Machado Neto.
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