A ex-presidente Dilma Rousseff (PT) concedeu uma entrevista sobre o processo de impeachment que a tirou do poder em 31 de agosto de 2016. Ao tratar dos desdobramentos que se desenrolaram nestes quase cinco anos, Dilma disse que o “golpe neoliberal” aplicado contra ela em 2016 ainda não acabou, e que as constantes ameaças de Bolsonaro ainda são ecos mais profundos da decisão de afastá-la do cargo.
“O que estamos vivendo são as etapas do possível endurecimento do regime político no Brasil”, disse Dilma, em entrevista para a revista da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT. “O governo flertando com a possibilidade de um golpe dentro do golpe.”
Durante a entrevista, conduzida por um de seus assessores, Dilma faz uma espécie de linha do tempo entre o dia em que o Senado aprovou sua destituição – mas negou a perda de seus direitos políticos – até a eleição de Bolsonaro.
“O ato seguinte ao golpe do impeachment foi a prisão do Lula”, disse, rememorando um fato de abril de 2018. “Ali, o que se queria era inviabilizar a possibilidade dele vir a ser candidato. E, portanto, estaria garantido o processo de reprodução do próprio golpe. Ora, se o Lula é eleito, o golpe seria interrompido. Mas, não bastou prendê-lo. Afinal, ele não perdeu a popularidade que desfrutava. Ainda era competitivo. E não perdeu a confiança do povo. Daí então, passa-se a um novo ato do golpe: a interdição de Lula do processo eleitoral. Ele é condenado, preso e, finalmente, tiraram-no das eleições de 2018. Não pode falar e nem fazer campanha. O golpe foi se aprofundando.”
Dilma fala que, neste momento da história, ainda antes da eleição de Jair Bolsonaro, um “gênio havia saído da garrafa” – ela se refere aos militares. “Lembra que no governo Temer, deram uma importância grande aos militares, voltando a ter o GSI — entregue ao General Sérgio Etchegoyen —, levando um militar para dirigir o Ministério da Defesa?”, questiona. “Isso nunca tinha acontecido. Entregar o Ministério da Defesa a um militar. Nem Fernando Henrique [tinha feito]”.
Por conta de sua atuação para promover a Comissão Nacional da Verdade (CNV), que apurou crimes de militares durante a Ditadura Militar (1964-1985), Dilma atraiu a ojeriza de toda a cúpula militar no país – isso ainda se reflete no fato de que hoje Dilma é a única ex-presidente viva fora de conversas com as forças armadas para analisar o papel das casernas durante as investidas autoritárias de Bolsonaro.
“É este o retrato do processo, que eu estava falando. Essa saída do gênio da lâmpada, dos militares de volta à política. E eles gostaram e não querem voltar para a garrafa. E daí o Twitter do Villas-Boas [então comandante do Exército, em 2018, General Eduardo Villas-Boas], na véspera do julgamento do habeas corpus do Lula pelo STF”, busca concluir a ex-presidente.
Dilma diz que as instituições acabaram sendo enquadradas uma a uma, e que isso também aconteceu com o Judiciário. “Porque chegou neles. Chegou agora neles. Quando eu disse, há cinco anos, que o golpe não ficaria ali, é porque sabia que haveria um avanço rápido sobre todas as instituições”, disse.
Dilma que foi afastada por cometer as chamadas “pedaladas” fiscais, também mostrou desgosto com a atual política econômica brasileira. “Imagine, se no meu governo eu tivesse feito isso com os precatórios que o Paulo Guedes está propondo?“, provocou. “Isso é muito grave. Muito grave! De todas essas tramoias fiscais, esta é a mais grave. É o Estado dando um calote.”
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