O ministro da Economia, Paulo Guedes, apressou-se a dizer nessa terça-feira (15) que não era o destinatário do “cartão vermelho” prometido pelo presidente Jair Bolsonaro ao integrante do governo que defender corte em benefícios sociais. Guedes não recebeu a advertência máxima, mas acumula cartões amarelos e reprimendas do presidente (veja alguns episódios mais abaixo). Há três semanas, diante de novo puxão de orelhas dado por Bolsonaro, chegou a afirmar que tinha recebido um “carrinho” do chefe, também apelando ao jargão futebolístico.
Desautorizações públicas que só aumentam a desconfiança do mercado sobre a continuidade do ministro no cargo e de sua política econômica, voltada para o ajuste fiscal e a redução das despesas públicas. O presidente tem pendido cada vez mais para o polo oposto, ampliando o gasto público, o que tem se refletido na melhora de sua avaliação, especialmente entre as pessoas mais beneficiadas pelos auxílios concedidos na pandemia, mas despertado desconfiança no setor financeiro.
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Desde que o coronavírus desembarcou no Brasil, em março, Guedes tem sido confrontado várias vezes por Bolsonaro. O presidente elevou para R$ 600 o auxílio emergencial concedido para trabalhadores de baixa renda, triplicando o valor proposto inicialmente pelo ministro. O ministro também teve de engolir o novo valor, de R$ 300, proposto em medida provisória, a ser pago na prorrogação até o final do ano.
Bolsonaro também revogou artigo de uma medida provisória encampada por Guedes que previa a suspensão do contrato de trabalho por quatro meses sem qualquer compensação salarial ao empregado. Defesa de aumento e criação de imposto por parte da equipe econômica também já foi censurada pelo presidente.
Nos últimos dias, Bolsonaro fez questão de explicitar sua discordância com as alternativas propostas pelo ministério para encorpar o Bolsa Família, que passaria a se chamar Renda Brasil, com a unificação de benefícios.
A operação foi abortada nessa terça-feira pelo presidente, que se irritou com a repercussão negativa de medidas como o congelamento de aposentadoria e pensões por dois anos, como defendido em entrevista pelo secretário especial da Fazenda, Waldery Rodrigues. Homem de confiança de Guedes, Waldery foi apontado dentro do Ministério da Economia e do Planalto como o integrante do governo ameaçado com o cartão vermelho do presidente. O ministro, desta vez, lavou as mãos. “O cartão vermelho não foi para mim”, adiantou-se a esclarecer em debate com empresários.
O desconforto de Guedes com os últimos movimentos de Bolsonaro está cada vez mais explícito. Em agosto, ele afirmou que o presidente tem sido aconselhado por auxiliares a “furar” o teto de gastos. Mesmo sem nominar o destinatário, o recado foi dirigido ao ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, que tem defendido uma política mais desenvolvimentista, com maior investimento de recursos públicos em obras e benefícios.
“Os conselheiros do presidente que estão aconselhando a pular a cerca e furar teto vão levar o presidente para uma zona sombria, uma zona de impeachment, de irresponsabilidade fiscal. O presidente sabe disso, o presidente tem nos apoiado”, disse Guedes. As declarações foram feitas depois que dois de seus principais secretários pediram demissão: Salim Mattar (Desestatização e Privatização) e Paulo Uebel (Desburocratização, Gestão e Governo Digital).
Em abril Bolsonaro veio a público para demonstrar apoio ao ministro em meio a rumores de sua possível queda. “O homem que decide economia no Brasil é um só, e chama-se Paulo Guedes”, disse o presidente em coletiva após o ministro ter ficado incomodado com a divulgação do Plano Pró-Brasil, que prevê gastos em obras de infraestrutura e cuja elaboração não teve a participação da equipe econômica.
Isso não impediu Bolsonaro de desautorizá-lo em outros momentos. Na política, dois cartões amarelos não resultam necessariamente em expulsão, ao contrário do futebol. Veja alguns desses episódios:
Extinção de benefícios
– Congelar aposentadorias, cortar auxílio para idosos e pobres com deficiência, um devaneio de alguém que está desconectado com a realidade.
– Como já disse jamais tiraria dinheiro dos pobres para dar aos paupérrimos. pic.twitter.com/5j3oI6vcSK
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) September 15, 2020
Antes de abortar o Renda Brasil (veja o vídeo acima), o presidente já vinha minando as sugestões da equipe econômica para financiar o programa. Bolsonaro anunciou a suspensão das discussões depois que Guedes lhe apresentou a extinção do abono salarial como uma das saídas para bancar o novo Bolsa Família.
“Ontem discutimos a proposta, possível proposta do Renda Brasil, e eu ontem falei: está suspensa, vamos voltar a conversar”, afirmou o presidente durante evento em Minas Gerais no último dia 26. Ele também criticou publicamente outra ideia do Ministério da Economia para alavancar recursos para o programa: a extinção do seguro-defeso, benefício pago a pescadores.
O ministro não escondeu o constrangimento com as críticas do chefe: “Falei com ele: ‘Presidente, isso aí é um carrinho, entrada perigosa. Ainda bem que foi fora da área, senão era pênalti'”, afirmou em uma live.
Auxílio emergencial 1
O ministro da Economia propôs em março a concessão de R$ 200 como auxílio emergencial para trabalhadores informais e de baixa renda. Ao examinar uma proposta sobre o benefício, a Câmara se preparava para elevar esse valor para R$ 500. Diante da pressão dos parlamentares e do risco de prejuízo para sua imagem, Bolsonaro desconsiderou a sugestão de Guedes e autorizou a concessão de R$ 600.
Auxílio emergencial 2
O presidente rejeitou proposta do ministro de prorrogar o pagamento do auxílio emergencial até o final do ano pelo valor de R$ 270. A proposta inicial de Guedes era de R$ 200. Bolsonaro não aceitou e enviou ao Congresso medida provisória fixando o valor em R$ 300. “Estou pensando em prorrogar por mais alguns meses, mas não com R$ 600 e nem com R$ 200. Um meio-termo aí até a economia pegar”, disse o presidente dias antes de assinar a MP.
Suspensão de contrato de trabalho
Em 23 de março Bolsonaro revogou trecho de medida provisória (MP 927/20) que estipulou mudanças nas regras trabalhistas durante a pandemia. O artigo derrubado pelo presidente, menos de 24 horas após a sua publicação no Diário Oficial da União, permitia aos empregadores suspenderem o contrato de seus funcionários por até quatro meses sem remuneração.
Embora também tenha assinado o texto, Bolsonaro jogou a responsabilidade no colo de Guedes, que alegou ter havido precipitação por parte de sua equipe. “Houve um mal-entendido. Começou todo mundo a bater e dizer que estão tirando do trabalhador. O presidente virou e disse: Tira isso daí, está dando mais confusão do que solução”, afirmou Guedes ao Estadão na época. “A gente queria proteger os trabalhadores de demissão. Faltou colocar a suplementação salarial”, completou.
Imposto da cerveja
Em janeiro deste ano, o presidente rechaçou publicamente a ideia do ministro da Economia de aumentar o imposto cobrado sobre a cerveja. “Paulo Guedes, desculpa, você é meu ministro, te sigo 99%, mas aumento de imposto para cerveja, não”, afirmou Bolsonaro ao desembarcar em Nova Délhi, na Índia.
“Não teremos qualquer majoração de carga tributária. Houve também um ruído muito forte de que estaríamos criando dois pedágios. Zero a possibilidade disso”, afirmou Bolsonaro.
Na véspera, na Suíça, Paulo Guedes havia defendido a instituição do chamado “imposto do pecado”, que recairia sobre produtos como cigarros, bebidas alcoólicas e alimentos processados com açúcar. “Estou doido para elevar o imposto do açúcar. Pedi para simular tudo”, disse o ministro. A proposta não avançou.
Nova CPMF
A criação de uma nova CPMF causa atritos entre Guedes e Bolsonaro desde o início do governo. Antes mesmo de tomar posse, Bolsonaro desautorizou publicamente o ministro da Economia a ressuscitar a contribuição extinta em 2007.
Desautorizo informações prestadas junto a mídia por qualquer grupo intitulado “equipe de Bolsonaro” especulando sobre os mais variados assuntos, tais como CPMF, previdência, etc.
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) November 2, 2018
Em setembro de 2019, o presidente demitiu sumariamente o então secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, após ele ter apresentado um imposto nos moldes da CPMF. A demissão de Cintra foi feita por Bolsonaro sem passar pelo ministro da Economia, chefe imediato do secretário especial.
TENTATIVA DE RECRIAR CPMF DERRUBA CHEFE DA RECEITA. Paulo Guedes exonerou, a pedido, o chefe da Receita Federal por divergências no projeto da reforma tributária. A recriação da CPMF ou aumento da carga tributária estão fora da reforma tributária por determinação do Presidente.
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) September 11, 2019
De lá para cá, Bolsonaro moderou o tom sobre o assunto. Agora admite que o novo tributo pode ser criado se for para desonerar a folha, como defende Guedes, e não aumentar a carga tributária. “Tem que ver por outro lado o que vai deixar de existir”, justificou o presidente ao ser questionado por jornalistas sobre a nova proposta de Guedes. O ministro condiciona a desoneração da folha de pagamento à criação de um tributo sobre transações financeiras.
Reforma administrativa
Na reforma administrativa, Paulo Guedes teve de ceder ao presidente e renunciar a um dos pontos que havia defendido de maneira mais contundente: o veto à estabilidade do servidor público filiado a partido político. “Tem filiação partidária? Não é servidor público. Não vou dar estabilidade para militante. É como nas Forças Armadas: é servidor do Estado”, disse o ministro em novembro do ano passado. O ponto, no entanto, foi excluído do texto enviado semanas atrás ao Congresso por determinação do presidente.
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